Prisão de Roberto Jefferson, aliado do presidente Jair Bolsonaro, é obstáculo para atenuar crise
Ministro Alexandre de Moraes listou indícios de mais de dez crimes que podem ter sido cometidos por Jefferson

© Reuters
CAMILA MATTOSO, FABIO SERAPIÃO, MARCELO ROCHA, MARIANNA HOLANDA, RENATO MACHADO E CATIA SEABRA
BRASÍLIA,
DF, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A prisão nesta sexta-feira (13)
de Roberto Jefferson, 68, ex-deputado federal, presidente nacional do
PTB e aliado de Jair Bolsonaro, se tornou novo obstáculo para atenuar a
crise entre os Poderes.
Solicitada
pela Polícia Federal na quarta-feira (04) pela delegada Denisse Ribeiro, a
prisão foi autorizada por Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal, no âmbito da investigação sobre suposta organização criminosa
digital voltada a atacar as instituições a fim de abalar a democracia.
Na
decisão, Moraes listou indícios de mais de dez crimes que podem ter
sido cometidos por Jefferson. O ministro também determinou o cumprimento
de busca e apreensão em endereços ligados ao político, que já foi líder
da tropa de choque de Fernando Collor na Presidência, delator do
mensalão no governo Lula e que, com discurso agressivo, virou um dos
principais defensores de Bolsonaro.
Antes de ser preso,
Jefferson enviou a correligionários um áudio com ameaça a Alexandre de
Moraes e afirmando que o Supremo se tornou uma "organização criminosa".
O
Diretório Nacional do PTB disse que a prisão é mais um capítulo da
"perseguição aos conservadores", e a filha de Jefferson, a ex-deputada
Cristiane Brasil, fez cobranças a Bolsonaro.
"Cadê o 'acabou
porra'? Estão prendendo os conservadores e o bonito não faz nada? O
próximo será ele! E se não for preso, não vai poder sair nas ruas já já!
Acoooooorda", escreveu em suas redes sociais.
As
investigações em andamento na PF por ordem do TSE (Tribunal Superior
Eleitoral) e do STF são um entrave para Bolsonaro colocar em prática a
promessa de reduzir o enfrentamento com o Judiciário.
Nas
últimas semanas, o presidente da República escalou a retórica golpista
com acusações sem provas de fraude nas urnas eletrônicas, ameaças à
realização das eleições em 2022 e ataques ao TSE e a ministros do
Supremo.
Após a derrota da PEC do voto impresso no plenário da
Câmara, Bolsonaro havia prometido baixar o tom. Agora, deve enfrentar
nova pressão de grupos bolsonaristas.
A apuração que levou à
prisão do aliado do presidente foi aberta por Moraes em julho deste ano,
após o procurador-geral da República, Augusto Aras, pedir o
arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos.
A ordem
de prisão foi dada por Moraes antes de posicionamento da PGR, que não
cumpriu o prazo de 24 horas dado pelo ministro do Supremo para se
manifestar a respeito do pedido da Polícia Federal.
Lindôra Araújo,
subprocuradora-geral da República, acabou enviando sua avaliação depois,
contrária à decisão. Afirmou não ver fundamentos para a prisão
preventiva e que o STF não seria o foro competente, pelo fato de
Jefferson não exercer cargo com prerrogativa de foro especial.
Segundo
o ministro do Supremo, Jefferson divulgou vídeos e mensagens com o
"nítido objetivo de tumultuar, dificultar, frustrar ou impedir o
processo eleitoral, com ataques institucionais ao TSE e ao seu
presidente".
Em sua decisão, Moraes determinou a busca e
apreensão de armas e munições na casa do político, além de computadores,
tablets, celulares e demais dispositivos eletrônicos.
Ele
também mandou bloquear a conta do ex-deputado no Twitter, justificando
ser um ato "necessário para a interrupção dos discursos criminosos de
ódio e contrário às instituições democráticas e às eleições".
Ao
pedir a prisão de Jefferson, a PF afirmou que suas postagens nas redes
sociais e entrevistas indicam sua atuação na organização criminosa
investigada por atacar as instituições, desacreditar o processo
eleitoral, reforçar a polarização e o ódio e gerar animosidade dentro da
sociedade.
A polícia citou ainda um pronunciamento em que o
aliado de Jair Bolsonaro pede intervenção no STF, chama ministros de
urubus e coloca em xeque a realização das eleições em 2022.
O grupo, diz a PF, promove o descrédito dos Poderes da República.
Em
sua conta no Twitter, Jefferson chegou a compartilhar a hashtag
#Barrosonacadeia após a atuação do ministro Luís Roberto Barroso contra a
proposta de voto impresso.
"O objetivo do inquérito aberto no
TSE é impedir que o presidente Bolsonaro possa se candidatar à
reeleição. Querem encontrar um jeito de retirar os direitos políticos do
Presidente. Isso é golpe!", postou.
"Se não houver voto impresso e
contagem pública de votos, não haverá eleição ano que vem. Barroso pode
até zangar, bater o pezinho. Né, Barroso? Mas se não tiver voto impresso
e contagem pública, não terá eleição ano que vem", afirmou.
Em entrevista ao jornal A Cidade Online, no dia 27 de julho, o ex-deputado afirmou que Barroso é comunista e ligado ao PSOL.
"É
um homem do PSOL. Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
que é uma casa de comunistas. É o que tem de pior. O que que sai de
universidade pública hoje? Gayzismo, droga e comunismo", afirmou em
outra entrevista.
Em uma das entrevistas elencadas pelos
investigadores, Jefferson também mira ministros do STF ao classificá-los
de urubus e pedir uma intervenção de Bolsonaro na corte.
"Nós
estamos precisando fazer uma limpeza. Começando pelo Supremo, o ninho
dos urubus e das bruxas. As duas bruxas e os nove urubus. Nós temos que
começar a limpar, aposentando aquela turma", disse ao canal no YouTube
Aliados do Brasil.
Na mesma entrevista, Jefferson defendeu "um
movimento" de Bolsonaro com o apoio das Forças Armadas contra os STF e
seus ministros.
"É que o povo está, assim, cansado. Está na
expectativa de ver o poder real, o poder do cano do fuzil. Disciplinar
esse caravançará, essa bagunça, essa babel que está na Corte de Justiça,
que é hoje um poder paraestatal. O Supremo não é mais uma instituição",
disse.
Em sua decisão, Moraes escreveu que "a reiteração
dessas condutas revela-se gravíssima, pois atentatória ao Estado
democrático de Direito e às suas Instituições republicanas".
As
condutas atribuídas ao investigado estão previstas no Código Penal, nas
leis que definem os crimes relacionados a preconceito de raça ou de cor
e o crime de organização criminosa, na Lei de Segurança Nacional e no
Código Eleitoral.
Foram listados pelo magistrado, entre outros
tipos penais, injúria, calúnia e difamação, incitação e apologia ao
crime, denunciação caluniosa ou atribuir a alguém a prática de ato
infracional de que o sabe inocente com finalidade eleitoral.
De
acordo com o ministro, os autos do inquérito demonstram que "uma
possível organização criminosa - da qual, em tese, o representado
[Jefferson] faz parte do núcleo político -, que tem por um de seus fins
desestabilizar as instituições republicanas".
Na decisão de 38
páginas, o ministro mencionou vídeos divulgados nas redes sociais do
PTB e compartilhados também pelo WhatsApp em que Jefferson fez
afirmações com "o nítido objetivo de tumultuar, dificultar, frustrar ou
impedir o processo eleitoral, com ataques institucionais ao Tribunal
Superior Eleitoral e ao seu ministro presidente [Luís Roberto Barroso]'.
"As
manifestações, discursos de ódio e homofóbicos e a incitação à
violência não se dirigiram somente a diversos ministros da corte,
chamados pelos mais absurdos nomes, ofendidos pelas mais abjetas
declarações", afirmou.
De acordo com Moraes, o conteúdo se destina "a corroer as estruturas do regime democrático e a estrutura do Estado de Direito".
Disse
ainda Moraes: "O representado pleiteou o fechamento do Supremo Tribunal
Federal, a cassação imediata de todos os ministros para acabar com a
independência do Poder Judiciário, incitando a violência física contra
os ministros, porque não concorda com os seus posicionamentos".
O ex-deputado foi preso no município fluminense de Levy Gasparian (a 140 Km do Rio de Janeiro), por volta das 9h10.
Ele
foi transferido à tarde para o presídio de Bangu 8, no Complexo de
Gericinó, na zona oeste do Rio. Com capacidade para 350 presidiários e
62 ocupantes, a cadeia tem vaga disponível em celas individuais.
Segundo
a Secretaria de Administração Penitenciária do Rio, Jefferson tem que
cumprir isolamento de 15 dias, em cela individual. Depois, poderá optar
entre a individual e a coletiva, apelidada de Maracanã. O ex-governador
Sérgio Cabral Filho e o ex-vereador Jairo Souza Santos Júnior, o "doutor
Jairinho", serão seus vizinhos nessa unidade, destinada a presos com
nível de escolaridade superior ou investigados na Operação Lava Jato.
Tendo
assumido o cargo de deputado federal em 1983, Jefferson já passou uma
temporada na cadeia em decorrência da condenação, em 2012, a 7 anos e 14
dias por sua participação no esquema do mensalão.
Ele foi preso em
fevereiro de 2014, por ordem do STF, e passou a cumprir a pena em regime
semiaberto, em um instituto penal de Niterói. No ano seguinte, passou
para prisão domiciliar.
Em março de 2016 o ministro Luís
Roberto Barroso, relator da execução das penas dos condenados no
mensalão, concedeu perdão a Jefferson com base no indulto de Natal que
foi assinado pela presidente Dilma Rousseff (PT) no final do ano
anterior.
Entre bolsonaristas, a prisão de Roberto Jefferson
foi amplamente criticada, em especial por ter sido decretada pelo
ministro Alexandre de Moraes, alvo frequente dos apoiadores do
presidente.
Segundo interlocutores da família Bolsonaro, a decisão
deixou todos muito contrariados, mas a leitura é de que o presidente não
pode comentá-la.
A expectativa, portanto, é de que o presidente
repita, mesmo que contrariado, o silêncio de quando o deputado afastado
Daniel Silveira (PTB-RJ) foi detido no âmbito do inquérito das fake
news.
Para o deputado Sóstenes Cavalcanti (DEM-RJ), da base do
governo, Bolsonaro deveria se manifestar, não em defesa do Roberto
Jefferson, mas sim do Estado democrático de Direito.
"Qualquer
membro de qualquer poder que não usa a sua autoridade dentro do
arcabouço legal deve, sim, ser repudiado", disse à reportagem. A prisão
foi classificada pelo deputado e pastor como "mais uma arbitrariedade,
dessa vez contra um presidente de partido".
Já o deputado Marco
Feliciano (Republicanos-SP), também aliado do presidente, questionou nas
redes sociais se a prisão seria uma tentativa de "intimidar" apoiadores
de Bolsonaro. "Será que pensam que o bolsonaro iria para o PTB?",
questionou.
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