Presidente de Câmara de Vereadores é dona de cabaré no Sertão da Paraíba e assume homossexualidade
Na
pequena São José do Brejo da Cruz, no sertão da Paraíba, Lilia Saldanha
é campeã em quebrar tabus. Ao mesmo tempo vereadora e dona de bordel,
ela assumiu publicamente a homossexualidade após os 40. Em meio ao
conservadorismo na cidade coronelista, ainda se tornou presidente da
Câmara de Vereadores.
Lilia,
que está no quinto mandato na Câmara, se elegeu pela primeira vez em
1996. Na terceira disputa, em 2004, perdeu. Ainda no cargo, não ligou
para a liturgia da função e montou um bar, em Caicó, no Rio Grande do
Norte, a 70 quilômetros de São José, para juntar dinheiro e pagar as
dívidas da campanha. Era a gênese do Cabaré Sol e Lua, hoje o mais
tradicional do semiárido potiguar.
“Como depois de toda eleição, o candidato está sempre endividado, então abri um bar”, diz Lilia.
A
princípio, a vereadora não queria que o bar fosse um bordel. Mas o
negócio acabou tomando esse rumo quase por acaso quando uma amiga da sua
então namorada que trabalhava num bordel pediu para atuar só por uma
noite no bar.
“Essa menina com que eu estava me envolvendo disse
que uma amiga dela brigou no cabaré onde trabalhava. À noite, essa amiga
disse que iria trabalhar no bar. O caixa nesta noite foi equivalente ao
salário de três vereadores”, lembra a empresária.
“Falei para ela ficar mais três dias. No terceiro dia, ela foi embora. E retornou com duas amigas. Assim virou um cabaré.”
O
Sol e Lua completa 16 anos em 2020. Ele ganhou projeção após uma
“live”, para ajudar as meninas que trabalham lá e que estão paradas
desde o início da pandemia, viralizar. Foram mais de 160 mil
visualizações no YouTube e toneladas de alimentos arrecadados.
“Muitas meninas passaram pelo meu bar. Virou uma tradição na cidade porque é um cabaré de respeito. Todo mundo se respeita ali.”
Comandar Câmara é mais complicado que cabaré
Hoje,
aos 46 anos, Lilia diz que, apesar dos estigmas que cercam a sua
orientação sexual e o bordel, onde ela sofre mais preconceito é no cargo
de vereadora.
“Estou
cansada de estar na fila do banco e ouvir dizer que todos os políticos
são ladrões e corruptos. Como não sou nada disso, muito pelo contrário,
eu me defendo e o povo me elege de novo”, diz Lilia, que afirma nunca
ter todas as contas aprovadas. Ela diz que o preconceito a fez desistir
da política e que não concorrerá à reeleição, em 2020.
Por
telefone, Lilia diz que não há nada em comum entre a câmara que preside e
o bordel que comanda. “Não tem semelhança, não. Em nada.” Mas afirma
que a burocracia do legislativo o torna um ambiente muito menos
favorável para trabalhar do que o cabaré. Por outro lado, pondera que as
cerca de dez meninas são mais complicadas de comandar no dia a dia do
que os nove vereadores na Câmara.
“É mais fácil lidar com os vereadores. Tem menina com objetivo de vida e outras que não têm”, afirma.
Atualmente
no PP, partido do Centrão e aliado do governo Jair Bolsonaro, Lilia
prefere não opinar sobre a posição nacional da legenda e sobre as
posições do presidente em relação à população LGBT. “Não acompanho”,
diz.
É por não polemizar e não misturar o trabalho no cabaré com a
política que Lilia imagina ter ganhado o respeito dos vereadores para
comandar a Câmara por tanto tempo. Foram quatro mandatos de dois anos
consecutivos como presidente da Câmara entre 2009 e 2016. E retomou o
posto em 2019.
“Todos gostam de mim. O pessoal sabe que comigo é prego batido e ponta virada.”
Namoros às escondidas
Lilia
é uma Saldanha, família tradicional da região. O pai carrega o respeito
do coronelismo nordestino, segundo conta, o que a forçou não assumir
namoros publicamente até os 40 anos. Os relacionamentos eram sempre às
escondidas na pequena cidade de 1.800 habitantes.
“Quando eu
entrei para a política, em 1996, não me assumia ainda como homossexual
porque meus pais ainda moravam na fazenda. Tinha aquela coisa de cidade
pequena, era tudo mais complicado para isso naquela época”, justifica.
“Nunca
fui casada, mas desde sempre me relacionei com mulheres. Nunca fiquei
com homem, muito menos fui para cama com um. Eu namorava sempre
escondida.”
Foi quando conheceu Ana Cláudia Vale, 30, durante
férias na praia de Pedra Grande, no litoral potiguar, que Lilia percebeu
que não fazia mais sentido esconder namoro. O relacionamento tem seis
anos e, desde então, ambas compartilham fotos juntas em suas redes
sociais.
Além de ter conhecido a pessoa certa, Lilia diz que a
motivação para tornar o namoro público teve a ver com a o fato de atos
homofóbicos terem ganhado os holofotes e serem punidos com mais
frequência. Na família dela, também não houve rejeição.
“É aquela
história. Todo mundo sempre soube, mas ninguém me perguntava. Hoje, se
alguém me perguntar, digo que sou [lésbica]. Antes, nem isso. Mas
enxerguei que vivo do meu trabalho e não devo satisfação para ninguém.
Ando na linha com Deus”, diz.
A
empresária acredita que, mesmo convivendo entre dois municípios
conservadores, não sofreu preconceito porque é uma “lésbica raiz”,
principalmente em público.
“Quando você respeita para ser
respeitado, não é desmoralizado. Sou lésbica, mas não beijo em público
nem em festa LGBT. Eu mantenho postura. Não fico com frescura, não. O
povo pode filmar e postar nas redes sociais”, afirma.
Assim como
não mistura o cabaré com a política, Lilia também procura não levar para
o mandato bandeiras de grupos LGBTQ+, pois considera que a sua própria
história de quebra de tabus pode ser seu principal legado para as
questões de gênero onde vive.
“A cidade é tão pequena que nem tem
isso [de bandeira do público LGBTQ+], mas acredito que minha história
pode inspirar mulheres e o público LGBT a entrarem na política.”
Fonte: UOL - Créditos: Polêmica Paraíba - Publicado por: Adriany Santos

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