Essas teorias foram alimentadas pela circunstância de que setores das
Forças Armadas, da chamada linha dura, não aceitavam a investidura de
Tancredo, que seria o primeiro civil a assumir em 21 anos de vigência da
ditadura militar instaurada em 64. Tais setores espalhavam boatos de
suposto golpe que poderia ser intentado contra Tancredo Neves. Na
prática, o ex-governador de Minas Gerais passou 38 dias agonizando e se
submeteu a sete intervenções cirúrgicas, despertando correntes de oração
e sentimentos de comoção por todo o país.
A 15 de janeiro de 1985,
Tancredo Neves, do então PMDB, derrotou Paulo Maluf, do PDS, no Colégio
Eleitoral, que escolhia por via indireta, através de votos de
congressistas e delegados de Assembleias estaduais, os presidentes da
República. No dia 14 de março, às vésperas da posse, Tancredo sofreu
fortes dores abdominais e foi internado em hospital em São Paulo, onde
faleceu, sendo declarado morto no dia 21 de abril e sepultado em São
João Del Rey, Minas Gerais, sua cidade natal, onde nascera a quatro de
março de 1910.
Político remanescente do famoso PSD, tido como escola de líderes
matreiros e habilidosos, Tancredo esteve presente em momentos decisivos
da história do Brasil por mais de cinquenta anos. Foi figura de destaque
já no governo de Getúlio Vargas e tornou-se primeiro-ministro na década
de 60 em meio ao arremedo de Parlamentarismo que foi tentado no país
como condição imposta por militares para que João Goulart assumisse a
presidência da República, que estava desocupada diante da renúncia do
ex-presidente Jânio Quadros. O Parlamentarismo foi dissolvido, um
referendo popular reinstituiu o presidencialismo, João Goulart governou
por pouco tempo sob pressões e com dificuldades até que foi deposto pelo
golpe militar e se exilou no Uruguai. Tancredo reaparece em cena em
plena ditadura atuando como deputado federal, depois senador, pelo então
MDB, alinhando-se com os chamados moderados do partido, mas afinado com
o presidente nacional da legenda, Ulysses Guimarães. Em 1982, Tancredo
foi eleito governador de Minas Gerais, quando da restauração das diretas
nos Estados. Com a sua projeção política e experiência legislativa e
administrativa, credenciou-se, naturalmente, a ser o candidato do PMDB à
presidência para derrotar o PDS, sucedâneo da Arena, no colégio
eleitoral. Embora a eleição fosse indireta, teve apoio popular e
procurou dar essa conotação à campanha desencadeada em manifestações
gigantescas em várias Capitais do país. Escolheu para seu vice, numa
operação de engenharia política, o senador José Sarney, que presidia o
PDS mas se tornou um dissidente e formou com Tancredo a Aliança
Democrática, respaldada pelo já PFL, com a atração de lideranças
emergentes no cenário nacional.
Tancredo criou expectativas otimistas no seio da sociedade brasileira
e ganhou manifestações de apoio de artistas, intelectuais, religiosos e
líderes políticos oposicionistas adversários. A própria Rede Globo de
Televisão deu cobertura aos eventos de rua protagonizados de forma
memorável pelo político mineiro, em pontos estratégicos do Rio de
Janeiro, São Paulo, Curitiba e até João Pessoa, onde o candidato da
oposição falou a uma multidão na Lagoa do Parque Solon de Lucena. A
morte de Tancredo Neves provocou um ambiente de desolação em todo o
país, agravado pela desconfiança quanto aos rumos que seriam imprimidos
por Sarney, oriundo do regime militar. Sarney surpreendeu adotando o
Plano Cruzado, que congelou tarifas públicas e obteve grande aceitação
popular, mas o Plano fez furos e durou pouco a lua de mel com o governo.
O país voltou a experimentar uma inflação estratosférica e Sarney
deixou o governo com altíssimos índices de impopularidade. Até hoje, em
paralelo às teorias conspiratórias sobre as causas da morte de Tancredo,
analistas políticos e historiadores constroem inúmeras teses sobre um
hipotético governo do político mineiro, prognósticos absolutamente
surrealistas diante da constatação da morte de Tancredo e do seu
impedimento em tomar posse.
Os Guedes - Por: Nonato Guedes
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