Os ex super aliados que terminaram 2019 como ‘desafetos’ do presidente Jair Bolsonaro
Dos principais articuladores do presidente no Congresso, só dois continuam ao lado do Planalto: os líderes do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO); e no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
O
presidente Jair Bolsonaro terminou o ano com uma longa lista de
ex super aliados: pessoas que foram importantes no início do mandato,
mas hoje estão afastadas ou rompidas politicamente com o Planalto.
Dos
principais articuladores de Bolsonaro no Congresso, só dois continuam
ao lado do Planalto: os líderes do governo na Câmara, major Vitor Hugo
(PSL-GO); e no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Todos os outros
deixaram de trabalhar com o presidente.
Foi o que aconteceu com a
então líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP); com o
líder do PSL no Senado, Major Olímpio (PSL-SP); e com Delegado Waldir
(PSL-GO), então líder do PSL na Câmara — partido pelo qual Bolsonaro se
elegeu.
Mas
a lista vai muito além do time de articuladores no Congresso. Inclui
desde antigos ministros como Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e
Santos Cruz (Secretaria de Governo) até o presidente do partido pelo
qual Bolsonaro se elegeu, o deputado Luciano Bivar (PSL-PE).
Alguns
dos ex-aliados hoje criticam abertamente Bolsonaro, como o deputado
Alexandre Frota (PSDB-SP). Outros não costumam falar contra o
presidente, mas se afastaram — caso do ex-coordenador de campanha do
presidente no Nordeste, o deputado Julian Lemos (PSL-PB).
Como a ‘lista de desafetos’ afeta a política
Se
três de quatro interlocutores do governo com o Congresso deixaram de
trabalhar com o Planalto, cedo ou tarde a articulação política do
governo começará a ser afetada, certo?
Mais ou menos. À BBC News
Brasil, Joice Hasselmann (ex-líder do governo no Congresso) e Major
Olímpio (ex-líder do Senado) dizem que continuarão votando com o governo
por causa de uma afinidade com as ideias do Planalto — conservadorismo
nos costumes e liberalismo na economia.
“Nós (PSL e Bolsonaros)
fizemos uma campanha juntos. Levamos uma bandeira para o povo
brasileiro. As pautas que forem comuns (entre o partido e o presidente)
nós vamos continuar votando juntos”, diz Major Olímpio à BBC News
Brasil.
“Eu tenho visto maturidade, tanto da Câmara quanto do
Senado. Não temos nos contaminado pela falta de articulação de setores
do governo. Por exemplo: o presidente saiu do PSL; e, no entanto, eu
estava agora (na última terça-feira, 17) fazendo a defesa da pauta do
governo”, diz o senador.
“E
isso tem sido uma lógica dentro do Congresso. Mesmo sem ter articulação
política, votamos a Previdência como um todo. Votamos a previdência dos
militares. Então, as pautas que são fundamentais, que são caras ao
país, nós não estamos nos contaminando por discussão de caráter
político-partidário ou ideológico. E creio que vai continuar assim”, diz
Olímpio.
“As pessoas que ele afasta ou não, ele as escolheu.
Portanto, está dentro do livre-arbítrio dele, do convencimento dele,
dizer se mantém, ou não, a confiança. É de caráter pessoal, não dá para a
gente fazer um juízo de valor”, diz o senador.
Joice Hasselmann
têm avaliação parecida — muitos políticos votam à favor dos projetos do
governo por concordar com a agenda do Planalto —, mas sugere que o jeito
ruidoso do presidente atrapalha o trabalho com o Congresso.
“A Câmara quer tocar as reformas (econômicas). Então, estamos fazendo as reformas apesar do presidente”, diz ela.
“O
estilo do presidente atrapalha muitas vezes a governabilidade. Faz com
que haja atritos entre os poderes. Isso é claro e notório. É só olhar a
retrospectiva do ano. A cada semana a gente tem uma pequena crise. Ou
causada pelo Twitter, ou por uma declaração, uma reunião que vaza, então
isso é muito ruim”, diz Hasselmann à BBC News Brasil.
Joice
Hasselmann se afastou do Palácio no “racha” do PSL, em outubro. Ela
assinou uma lista contra a tentativa de Eduardo Bolsonaro de se tornar o
líder do partido na Câmara. Em retaliação, foi removida da Liderança do
Governo no Congresso. Dias atrás, fez um duro depoimento à CPMI das
Fake News, no qual acusou o governo de ter gastado R$ 491 mil para
difundir notícias falsas.
“Ninguém fica (no cargo) numa situação
de absoluta falta de cumprimento de palavra, de acordos, de desrespeito
aos outros poderes. Então, essa instabilidade se reflete no próprio
trabalho dos líderes aqui dentro. O que você tem para trabalhar é a sua
credibilidade, é o cumprimento da palavra. Não adianta o líder construir
uma ponte todo dia e alguém do Palácio jogar uma bomba e destruir esta
ponte”, diz ela.
A impressão do analista político Thomas Traumann é menos otimista que a de Joice Hasselmann e Major Olímpio.
É
apenas ocasional que a “lista de inimigos” ainda não tenha cobrado seu
preço na forma de derrotas políticas mais sérias, diz ele.
“O
governo tem uma base menor a cada mês, agora com a cisão entre PSL e
Aliança (pelo Brasil, o novo partido de Bolsonaro). Isso vai cobrar um
preço mais à frente”, diz Traumann.
“O que foi aprovado pelo
Congresso foi apenas o que o Rodrigo Maia (DEM-RJ, presidente da Casa)
quis — reforma da Previdência, (privatização do) saneamento, (mudanças
no) marco das telecomunicações. As medidas de segurança pública, como
excludente de licitude, foram arquivadas. O pacote anticrime aprovado é o
do ministro do STF Alexandre de Moraes, e não o do (ministro da
Justiça, Sergio) Moro”, disse ele à BBC News Brasil.
Traumann
avalia ainda que o surgimento do Aliança pelo Brasil, novo partido
criado por Bolsonaro e seus filhos, pode acabar acentuando as tensões
com o Congresso mais à frente. “Para crescer, a Aliança terá de tomar
espaço do DEM, do Republicanos, do PL etc. Partidos que hoje, se não
apoiam o governo, ao menos não causam problema”, diz ele.
Desavenças em série
O
primeiro aliado removido do governo, ainda em fevereiro, foi o
ex-ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência. Depois
de coordenar a campanha de Bolsonaro em 2018, o advogado carioca foi
demitido após desentendimento com o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o
filho “zero dois” do presidente.
Hoje no PSDB, Bebianno se tornou
um crítico mordaz dos Bolsonaros. Carlos seria incapaz de “raciocínio
com início, meio e fim” e Eduardo (deputado pelo PSL-SP) não passaria de
“um surfista”.
Assim como Bebianno, o hoje deputado federal
Julian Lemos (PSL-PB) teve papel importante na campanha presidencial —
coordenou a campanha do capitão da reserva no Nordeste, e tinha grande
acesso ao presidente. Hoje, está distante dos Bolsonaros, e atribui a
mudança ao comportamento dos filhos do presidente.
“Eu era muito
próximo dele (Bolsonaro), o considerava um amigo. Porém, hoje, a gente
segue apenas um alinhamento de pautas. Se houve um afastamento, não
partiu de mim. Acredito que os filhos contribuíram muito para isso.
Então, as minhas queixas hoje… acho que o que foi feito comigo não foi
correto”, diz ele à BBC News Brasil.
“Os filhos, de modo geral,
não sabem lidar com o poder. Não estou falando aqui por mágoa, estou
apenas constatando. Isso não é um problema meu, é um problema do
presidente”, diz Lemos.
“No
meu caso específico, há uma narrativa, criada pelos filhos, de traidor.
E eu acho que traidores, na verdade, são eles. Com as pessoas que os
ajudaram”, diz. “Já passei do meu limite de ficar calado. Agora, não
levo mais pancada calado. Se me bater, vou bater também. Pode ser quem
for”, avisa Lemos.
Outro ex-ministro que fez críticas ao governo
ao sair foi o chefe da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto
Santos Cruz. Ele, que despachava de dentro do Palácio do Planalto, caiu
depois de virar alvo de críticas do filósofo Olavo de Carvalho — que é
próximo dos filhos do presidente e influencia o pensamento da ala mais
ideológica do governo.
Santos
Cruz tem evitado falar publicamente sobre o governo, mas já disse que a
gestão de Bolsonaro era um “show de besteiras” e que o presidente era
“nota 5” em habilidade política.
A última leva de atritos — e de
ex-aliados afastados — surgiu em outubro, quando Jair Bolsonaro tornou
público seu desentendimento com o comando do seu partido de então, o
PSL. Bolsonaro disse a um apoiador em frente ao Palácio da Alvorada para
“esquecer” o PSL, e que o presidente da sigla, o deputado Luciano Bivar
(PSL-PE), estaria “queimado para caramba”.
Em novembro, o
presidente deixou a sigla, e 26 dos 53 deputados pesselistas anunciaram a
intenção de segui-lo. Dos 27 restantes, uma parte se tornou crítica ao
presidente.
Um destes é o deputado Júnior Bozzella (PSL-SP).
Durante o racha no partido, Bozzella se aproximou de Luciano Bivar — em
novembro, foi escolhido como vice-presidente do partido.
Segundo
Bozzella, Bolsonaro levou para a Presidência da República o mesmo estilo
que mantinha enquanto estava no Congresso, o de um deputado de baixo
clero. O que não necessariamente funciona para o comandante do país.
“Na
função de Presidente da República, há um abismo para esse comportamento
dentro do Congresso. Cada parlamentar aqui pode ter o seu estilo. O
Parlamento é democrático. Pode jogar para a sua torcida. Só que quando
você lidera uma nação, você tem que saber agregar. É preciso saber
cuidar das diferenças e dos diferentes”, diz ele.
Fonte: Uol - Publicado por: Gerlane Neto
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