quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Evangelhos canônicos

Relatos sobre o casamento de José e Maria e o nascimento de Jesus, segundo Lucas e Mateus


Maria e José buscam um refúgio para o parto
Os relatos sobre o casamento de José e Maria e o nascimento de Jesus aparecem em dois dos quatro evangelhos canônicos, o Evangelho de Lucas e o Evangelho de Mateus. Lucas relata principalmente os eventos que antecedem ao nascimento e se concentra em Maria. Mateus, por outro lado, relata principalmente os eventos posteriores e se concentra em José. Os dois outros evangelhos canônicos, o Evangelho de Marcos e o Evangelho de João, começam suas narrativas sobre a vida de Jesus com ele já adulto e ambos afirmam que ele teria vindo da Galileia (Marcos 1:9; João 7:41-42; João 7:52). João menciona o nome do pai dele (João 6:42), mas, fora isto, nenhum dos dois apresenta qualquer detalhe anterior.
Contudo, muitos eventos do relato de Lucas não estão em Mateus — por exemplo, a viagem de Nazaré para Belém — e outros aparecem apenas em Mateus, como a Fuga para o Egito.
Geralmente se considera que o relato da Natividade no Novo Testamento se encerra com a cena de Jesus entre os doutores, anos depois, já depois de a família ter retornado para a Galileia.

Evangelho de Lucas

A Natividade é um elemento importante do Evangelho de Lucas e abrange mais de 10% do texto. Seu relato é três vezes mais longo que o de Mateus e maior do que muitos livros do Novo Testamento. Lucas não se apressa para chegar ao nascimento e prepara-se para o evento narrando diversos episódios anteriores: ele é o único a relatar o nascimento de João Batista, um episódio que ele utiliza para traçar paralelos com o nascimento de Jesus, por exemplo, entre a visita do anjo (Lucas 1:5-25) a Zacarias sobre o nascimento de João Batista e a Anunciação a Maria (Lucas 1:26-38) a respeito do nascimento de Jesus ou também entre a Canção de Zacarias (Lucas 1:57-80) sobre João e a Canção de Simeão (Lucas 2:1-40) sobre Jesus. Porém, enquanto Lucas dedica apenas dois versículos (Lucas 1:57-58) ao nascimento de João, o nascimento de Jesus aparecem em vinte (Lucas 2:1-20). Lucas então liga os dois nascimentos no episódio da Visitação e afirma que Maria e Isabel são primas. Não existe menção de parentesco entre João e Jesus nos demais evangelhos e o estudioso Raymond E. Brown afirma que o fato é de "duvidosa historicidade". Géza Vermes o chama de "artificial e indubitavelmente uma criação de Lucas".
Em Lucas, Maria fica sabendo pelo anjo Gabriel que irá ter um filho chamado Jesus. Quando ela pergunta como seria possível, dado que era ainda uma virgem, Gabriel afirma que o Espírito Santo «virá sobre ti [ela]» (Lucas 1:35) e que «nenhuma palavra, vinda de Deus, será impossível» (Lucas 1:37). Sua resposta ficou depois famosa: «Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lucas 1:38). Depois Maria visita uma parente, Isabel, que está grávida de João Batista.
Quando Maria está perto de dar à luz, ela e o marido viajam de Nazaré para a terra ancestral de José em Belém para se registrarem no censo de Quirino (Lucas 2:2). Maria entra em trabalho de parto e, sem conseguir encontrar um lugar para se hospedar, o casal se refugia com o recém-nascido numa manjedoura (Lucas 2:1-7).
Um anjo visita os pastores que estavam nas redondezas e lhes leva «uma boa nova de grande gozo» (Lucas 2:10): «Hoje vos nasceu na cidade de Davi um Salvador, que é Cristo Senhor» (Lucas 2:11). O anjo conta que encontrarão a criança embrulhada em panos e deitada numa manjedoura. Ao anjo se junta uma «multidão da milícia celestial» (Lucas 2:13) que canta «Glória a Deus nas maiores alturas, E paz na terra entre os homens a quem ele quer bem.» (Lucas 2:14) Os pastores correram para o estábulo em Belém e lá encontraram Maria, José e Jesus. Eles repetiram o que ouviram do anjo e depois retornaram aos seus rebanhos (Lucas 2:16-20). Maria e José levaram depois Jesus até Jerusalém para ser circuncidado (Lucas 2:22) antes de retornarem todos para Nazaré (Lucas 2:39).

Evangelho de Mateus

Sonho de São José
Depois do casamento de José e Maria em Mateus 1:18, José fica muito perturbado pela gravidez de Maria. Contudo, no primeiro dos três sonhos de José, um anjo afirma que ele não deve temer tomar Maria como sua esposa, pois a criança que ela carrega foi concebida pelo Espírito Santo.
A mensagem do anjo a José em Mateus 1:21 inclui a origem do nome Jesus e adquire implicações salvíficas quando o anjo instrui José: «a quem chamarás JESUS; porque ele salvará o seu povo dos pecados deles» (Mateus 1:21). É o único ponto de todo o Novo Testamento no qual o termo "salvar [seu povo]" aparece junto com "pecados" criando uma relação de causa e efeito.
Estudiosos há muito debatem se Mateus 1:22-23 foi dito pelo anjo ou por Mateus. Porém, Mateus 1:23 é, sem dúvida, a base para o uso do nome "Emanuel" ("Deus está conosco"). O nome Emanuel — das palavras hebraicas אֵל (’El - "Deus") e עִמָּנוּ (ʻImmānū - "conosco") — está relacionado com Isaías 7:14 e esta é mais uma de mais de uma dúzia ocorrências neste evangelho na qual Mateus, enquanto discute Jesus como sendo a realização de antigas profecias, faz referência ao livro de um dos profetas.
Em Mateus 2:1-12, a Estrela de Belém revela o local do nascimento de Jesus para um número (tradicionalmente três) dos "magos" (em grego: μάγος; em latim: magi), geralmente traduzido como "magos" ou "sábios", que viajaram até Jerusalém vindos de um país desconhecido "no oriente" (Mateus 2:1-4).
Os magos visitaram primeiro Herodes, o Grande, e perguntaram onde poderiam encontrar o recém-nascido "rei dos judeus". Herodes questionou seus conselheiros onde o Messias nasceria e eles responderam que seria em Belém, a terra natal do rei David, citando o profeta Miqueias (Miqueias 5:2-4). Herodes pediu aos magos que seguissem para lá e que depois voltassem para reportar se tinham conseguido encontrar a criança (Mateus 2:4-6).
Conforme os magos viajavam para Belém, a estrela «ia adiante deles» (Mateus 2:9) levando-os para uma casa onde encontraram e adoraram Jesus. Eles lhe deram presentes de ouro, incenso e mirra (Mateus 2:9-11), conforme previsto em Isaías 60, um capítulo que trata da peregrinação apocalíptica dos pagãos a Sião (Zion). No caso de Jesus, era a elite pagã que estava naquele momento com Jesus enquanto a elite do povo escolhido de Israel (os judeus) estava contra ele.
Num sonho, os magos foram alertados por Deus de que Herodes pretendia matar Jesus, a quem ele via como rival, e, por isso, voltaram para casa sem dizer-lhe onde encontrar o menino. Em sonho, um anjo então pede a José que fuja com a família para o Egito. Enquanto isso, Herodes, furioso, ordenou que todos os garotos com menos de dois anos de Belém fossem assassinados, o infame "Massacre dos Inocentes". A afirmação de Herodes em Mateus 2:16-18 sobre garotos com dois anos ou menos sugere que os magos teriam chegado a Belém muitos meses depois do nascimento de Jesus.
Depois da morte de Herodes, a família retornou do Egito, mas ficaram com medo de voltar para Belém por que o filho de Herodes governava a Judeia. Por isso, foram direto para a Galileia e se assentaram em Nazaré, realizando, segundo Mateus, outra profecia: «Ele será chamado Nazareno» (Mateus 2:23).

Análise histórica

A maioria dos estudiosos da corrente principal (mainstream) não acredita que os relatos da Natividade de Lucas e Mateus sejam historicamente factuais. Outros acreditam que esta discussão é secundária, pois os evangelhos foram escritos primariamente como documentos teológicos e não como cronologias históricas. Como exemplo, eles citam que Mateus presta muito mais atenção ao nome da criança e às suas implicações teológicas do que ao evento do nascimento em si e, segundo Karl Rahner, os evangelistas demonstram pouco interesse em sincronizar os episódios do nascimento ou da vida posterior de Jesus com a história secular da época.
Como resultado, estudiosos modernos geralmente não fazem uso das narrativas da Natividade como fonte de informações históricas. Seja como for, a narrativa do nascimento contém algumas informações biográficas úteis e o fato de ele ter nascido perto do fim do reinado de Herodes ou nome de seu pai (José) são considerados "historicamente plausíveis".

Pontos de vista tradicionais

Tradicionalmente, as narrativas bíblicas eram consideradas a Palavra de Deus inerrante. Alguns famosos estudiosos cristãos modernos ainda defendem esta visão, argumentando que os dois relatos são historicamente corretos e não se contradizem entre si, destacando as similaridades entre eles: o nascimento em Belém e o nascimento virginal. Em 1997, uma pesquisa revelou que 31% dos vigários anglicanos na Inglaterra não acreditavam no nascimento virginal, por exemplo.
George Kilpatrick e, separadamente, Michael Patella defendem a mesma tese e acrescentam ainda a infância em Nazaré como similaridade entre os dois. Os dois afirmam que, apesar de haver diferenças entre eles, uma narrativa geral pode ser construída combinando os dois.
Nem Lucas e nem Mateus afirmam que suas narrativas sejam baseadas no testemunho direto de Maria ou de José. James Hastings e, separadamente, Thomas Neufeld afirmam que as circunstâncias do nascimento foram mantidas deliberadamente restritas a um pequeno grupo de cristãos e mantidas em segredo por muitos anos depois de sua morte, o que explicaria as variações entre os dois relatos.
Daniel J. Harrington afirma que, por conta da escassez de registros antigos, diversos problemas sobre a historicidade de alguns episódios da Natividade jamais poderá ser completamente determinada e que a mais importante tarefa é decidir o que esta narrativa significava para as primeiras comunidades cristãs.

Harmonização

Diversos estudiosos bíblicos, de Bernard Orchard e Reuben Swanson até Cox e Easley, tentaram demonstrar como os textos das duas narrativas poderiam ser intercalados na forma de uma harmonia evangélica para criar um único relato que começa com a viagem de Nazaré para Belém, continua com o nascimento, a Fuga para o Egito e termina com o retorno a Nazaré.
Jeffrey A. Gibbs apresentou uma harmonização diferente, que foca em Mateus 2:7-9. Segundo ele, Herodes e os magos já esperavam que a criança nasceria em Belém, que fica a uns poucos quilômetros ao sul de Jerusalém. A necessidade de uma estrela guiar os magos "sugere que Jesus não estava no lugar esperado". Baseado em Lucas, este local desconhecido fora de Belém poderia ser Nazaré. Sem saber que a estrela levou os magos para lá, Herodes teria ordenado a execução dos meninos de Belém desnecessariamente.

Análise crítica

Adoração dos Magos
Muitos estudiosos modernos consideram as narrativas da Natividade como não-históricas por estarem repletas de teologia e pelas discrepâncias entre os dois relatos. Eles afirmam, por exemplo que o relato de Mateus sobre o aparecimento de um anjo a José num sonho, os magos, o massacre e a fuga para o Egito não tem paralelo em Lucas, que, por sua vez, descreve sozinho a aparição de um anjo a Maria, um censo, o nascimento numa manjedoura e o coro de anjos.
A maioria dos estudiosos modernos aceita a hipótese da prioridade de Marcos, ou seja, que os relatos de Lucas e Mateus teriam se baseado no Evangelho de Marcos, mas que as narrativas da Natividade teriam sido baseadas das fontes independentes de cada um deles — conhecidas como fonte M para Mateus e fonte L para Lucas — e foram adições posteriores.
Além disso, os estudiosos também rejeitam a historicidade dos relatos do nascimento especificamente, narrados de forma diferente e apresentando diferentes genealogias.
Enquanto Vermes e Sanders descartam o relato completamente como ficções piedosas, Brown acredita que eles foram construídos com base em tradições históricas mais antigas que os evangelhos.
De acordo com Brown, não há um consenso único entre os estudiosos sobre a historicidade dos relatos e, entre os que acreditam neles, há os que rejeitam o nascimento em Belém defendendo outras cidades, principalmente Nazaré, mas também Cafarnaum e até mesmo a distante Corazim. Bruce Chilton e o arqueólogo Aviram Oshri propuseram um nascimento Belém da Galileia, um local a dez quilômetros de Nazaré onde foram escavados artefatos da época de Herodes, o Grande. Armand P. Tarrech afirma que a hipótese de Chilton não tem suporte nas fontes cristãs e nem judaicas, apesar de Chilton aparentemente ter levado a sério o fato de que José «subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, à Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém» (Lucas 2:4).
Wikipédia

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