Canonização de dom Hélder Câmara avança no Vaticano 20 anos após a sua morte
Voz ativa contra a ditadura militar do Brasil, religioso brasileiro caminha para se tornar santo da Igreja Católica; fase local do processo reuniu 54 depoimentos
O
processo de reconhecimento como santo do religioso brasileiro dom
Hélder Pessoa Câmara (1909-1999) entrará em nova etapa na semana que
vem.
Trata-se da abertura da fase
romana das investigações. A morte do cearense com forte atuação em
Pernambuco completa 20 anos nesta terça (27).
“O
próximo passo será o papa reconhecer, em nome da Igreja, que dom Hélder
praticou em grau heroico as virtudes cristãs. Aí ele será declarado
venerável”, disse à Folha Jociel Gomes, frade franciscano responsável por realizar o pedido junto ao Vaticano.
O resultado, enviado ao Vaticano em dezembro, foi um dossiê de 197 páginas, com depoimentos de 54 pessoas.
Uma
vez considerado venerável, relatos de milagres passam a ser compilados.
Os casos selecionados são analisados por um junta de especialistas do
Vaticano.
Para se tornar beato, é
preciso ter um primeiro milagre reconhecido pela Igreja. A canonização,
ou seja, o status de santo, só vem após esse segundo milagre.
Neste
ano, a freira baiana Irmã Dulce teve a sua canonização anunciada pelo
Vaticano e será a primeira mulher nascida no Brasil e a se tornar santa.
A cerimônia será em outubro.
RELIGIOSO E POLÍTICA
Décimo
primeiro filho de um jornalista e de uma professora primária, dom
Hélder entrou para a vida religiosa em 1923, aos 14 anos, no Seminário
da Prainha, instituição católica de sua cidade natal, Fortaleza.
Foi
ordenado padre aos 22 anos. Ainda jovem, envolveu-se com causas
sociais. Coordenou os chamados círculos operários cristãos e liderou a
Juventude Operária Católica. Dedicou-se a atividades de lazer e
alfabetização de jovens sem acesso à formação.
Também
fundou, em 1933, a Sindicalização Operária Feminina, organismo que
lutava por direitos de empregadas domésticas e lavadeiras.
Convidado
pelo escritor e político Plínio Salgado (1895-1975), ingressou no grupo
conservador e nacionalista Ação Integralista Brasileira. Foi
considerado o maior propagandista do tema no Ceará.
Contudo
se desiludiu rapidamente com o movimento, considerado de
extrema-direita. Ao fim da década de 1930 se autodefinia como humanista
integral e democrata cristão.
Dom Hélder teve papel importante
durante a Segunda Guerra Mundial. Fundou a Comissão Católica Nacional de
Imigração e trabalhou para acolher refugiados que chegavam ao país.
Tornou-se
bispo aos 43 anos, em 1952. No mesmo ano, conseguiu a aprovação do
Vaticano para criar a Conferência Nacional do Bispos do Brasil, a CNBB.
A
partir de então passou a se dedicar a causas como a Cruzada São
Sebastião, que resultou em conjuntos habitacionais para moradores de
favelas, e o Banco da Providência, para atender aos sem renda.
Participou
ativamente das quatro sessões do Concílio Ecumênico Vaticano 2º, nos
anos 1960, e foi um dos proponentes do Pacto das Catacumbas, em que 42
sacerdotes de todo o mundo se comprometeram a assumir atitudes com o
objetivo de reduzir a pobreza global.
O documento é considerado o
embrião da Teologia da Libertação, corrente cristã que determina assumir
“a opção preferencial pelos pobres”.
DITADURA MILITAR
Dom
Hélder tornou-se arcebispo de Olinda e Recife em 1964. Foi um período
de forte envolvimento com causas sociais, e ele se tornou um contraponto
à ditadura militar.
Incentivou e fortaleceu as comunidades
eclesiais de base e foi alçado ao posto de resistência ao regime. Passou
a ser visto como líder na defesa dos direitos humanos.
Foi
acusado de comunista, chamado de “arcebispo vermelho” e perseguido
pelos militares, sobretudo depois do Ato Institucional nº 5.
Sua
atuação leva a inferir que a eventual canonização, em um período como o
atual, possa ser utilizada de forma política. Dom Hélder foi um dos
interlocutores da família de Fernando Santa Cruz, militante de esquerda
desaparecido durante o período da ditadura e alvo de recente ataque do
presidente Jair Bolsonaro.
Frei Jociel descarta o uso político.
“Dom Hélder foi um homem altamente coerente com a doutrina social da
Igreja, um homem profundamente evangélico no sentido de que colocou em
prática a opção preferencial pelos pobres e a busca da justiça e da
paz”, afirma.
Em
uma de suas frases famosas, dom Hélder disse: “Quando dou comida aos
pobres, me chamam de santo; quando pergunto por que eles são pobres,
chamam-me de comunista”.
“O discurso
fajuto atual que diz que aquele que busca uma sociedade melhor é
comunista é completamente anacrônico”, diz frei Marcelo Toyansk
Guimarães, da Comissão Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Frades
Capuchinhos do Brasil. “Dom Hélder nos ilumina como aquele que defende
os direitos humanos, o direito à vida, o direito dos pobres em um
momento difícil.”
Para o religioso
brasileiro Reginaldo Roberto Luiz, padre que trabalha com processos de
canonização no Vaticano, o envolvimento político de dom Hélder deve
exigir um maior detalhamento nos pareceres da canonização.
“Trata-se
de uma figura muito controversa da política. Isso precisará ser
esclarecido durante o processo”, diz. “[A canonização] vai demorar
porque certamente será um processo muito detalhado para explicar e
esclarecer, minuciosamente, a sua biografia.”
À reportagem da Folha ele
comparou o caso com o do arcebispo de San Salvador (El Salvador) Óscar
Romero (1917-1980), canonizado em 2018. Há semelhanças: Romero também
lutou contra a ditadura em seu país e era adepto da Teologia da
Libertação.
“Mas ele foi mártir — o
que é uma ‘vantagem’ em processos de canonização”, ressalta Roberto
Luiz. Romero foi assassinado por um atirador de elite do exército
salvadorenho enquanto celebrava uma missa.
Dom
Hélder realizou diversas viagens ao exterior para denunciar os abusos
da ditadura brasileira. Isso lhe rendeu títulos honoris causa de
universidades de 32 universidades estrangeiras. Também foi indicado
quatro vezes ao Nobel da Paz. Em 2017, foi declarado Patrono Brasileiro
dos Direitos Humanos, em lei federal.
“Dom
Hélder dedicou toda a sua vida à defesa da vida e da dignidade dos mais
pobres. Convocou toda a sociedade para uma ação não violenta em favor
da justiça e da paz”, diz Marcelo Barros, 74, monge beneditino e
biógrafo de dom Hélder Câmara.
Quem foi Dom Hélder Câmara? – Religioso
cearense, arcebispo emérito de Olinda e Recife, foi um dos fundadores
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e conhecido defensor
dos direitos humanos durante a ditadura militar.
Pedia
uma Igreja mais ao lado dos pobres e pregava pela não-violência. Foi
indicado quatro vezes ao Nobel da Paz. Morreu há 20 anos, em 27 de
agosto de 1999 — tinha 90 anos.
Por que foi pedida a canonização? – De
acordo com o postulado da causa, pelo reconhecimento de que Dom Hélder
foi um ativo defensor dos direitos humanos e importante na luta pela
dignidade dos mais pobres, “em consonância com os ensinamentos do
Evangelho”.
Em que estágio esta o processo? – O
processo de canonização foi solicitado em maio de 2014, pela
arquidiocese de Olinda e Recife. O Vaticano autorizou a abertura em
fevereiro de 2015. A etapa diocesana foi concluída em dezembro do ano
passado — o dossiê, de 197 páginas, reuniu depoimentos de 54 pessoas que
conviveram com ele.
No próximo dia 5
de setembro será aberta a fase romana do processo. Então a Igreja nomeia
um relator e determina que duas comissões preparem dois trabalhos: um
minucioso perfil biográfico e uma defesa argumentativa de suas virtudes.
A partir de então, é dado um parecer.
Se
aprovado, o papa declara que ele é um venerável. Então é preciso a
comprovação de um milagre para que seja beatificado. E um outro, para
que seja canonizado — tornado santo.
A
equipe brasileira disponibiliza o
e-mail causadomheldercamara@gmail.com a quem quiser colaborar com
relatos que possam ajudar no processo.
Frases famosas de dom Hélder
“Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me d e comunista.”
“Quando os problemas se tornam absurdos, os desafios se tornam apaixonantes.”
“A melhor maneira de ajudar os outros é provar-lhes que eles são capazes de pensar.”
“Olhei
o mais que pude os rostos dos pobres, gastos pela fome, esmagados pelas
humilhações, e neles descobri teu rosto, Cristo Ressuscitado!”
“Ótimo que a tua mão ajude o voo… Mas que ela jamais se atreva a tomar o lugar das asas…”
Fonte: Folha - Créditos: Folha - Publicado por: Alana Yaponirah


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