O Acordo de Cooperação Técnica
(ACT) é o instrumento legal com que o INSS autoriza o desconto das
mensalidades associativas diretamente dos benefícios previdenciários e o
repasse integral dos valores a associações, confederações ou entidades
representativas de aposentados e pensionistas que concordem com a
cobrança.
“Exames permitiram identificar
que os procedimentos de formalização e operacionalização dos ACTs
firmados pelo INSS para permitir o desconto de mensalidade associativa
em benefícios previdenciários não atenderam integralmente os
requisitos”, afirma o relatório de uma inspeção que a Auditoria-Geral
fez na Diretoria de Benefícios e Relacionamentos com o Cidadão.
A auditoria foi feita a pedido do
então presidente da autarquia, Alessandro Stefanutto, no início de maio
de 2024, ou seja, quase 1 ano antes da PF e da CGU fazerem a operação
que levou o governo federal a suspender todos os ACT e,
consequentemente, os descontos automáticos, mesmo que autorizados pelos
aposentados e pensionistas.
A Diretoria de Benefícios e
Relacionamento com o Cidadão é uma das áreas do INSS alvo da Operação
Sem Desconto. Diante das suspeitas, Stefanutto e o então responsável
pela diretoria, Vanderlei Barbosa dos Santos, que estava no cargo desde
julho do ano passado, além de outros três dirigentes da autarquia, foram
afastados de suas funções. Stefanutto foi exonerado do cargo.
Cancelamentos
O INSS ainda não sabe quantos
aposentados e pensionistas foram prejudicados, nem o montante cobrado
irregularmente. Mas só entre janeiro de 2023 e maio de 2024, o instituto
recebeu mais de 1,163 milhão de pedidos de cancelamento de cobranças. A
maioria, com a justificativa de que não tinham sido autorizados pelos
beneficiários ou por seus representantes legais.
“Do total de 1.163.455 tarefas
[pedidos] de exclusão de descontos, 73.848 referem-se a descontos
autorizados; 33.317 sem informação no tocante à autorização e 1.056.290,
o que corresponde a aproximadamente 90,78% [do total], apresentaram
indicação de não autorização dos descontos associativos”, aponta o
relatório, destacando que a maioria dos beneficiários alegava
desconhecer as entidades para as quais os valores estavam sendo
transferidos.
Do total de pedidos de exclusão
de descontos, a Auditoria-Geral selecionou, aleatoriamente, 603
requerimentos para checar se as entidades tinham cópia dos documentos
que comprovassem que os aposentados e pensionistas autorizaram o débito
em folha.
“Em 329 dos 603 casos da amostra,
não houve apresentação dos documentos necessários à comprovação das
regularidades dos descontos. E dos 274 casos em que houve apresentação
de documentos, insta salientar que a aparente regularidade formal do
processo não implica, necessariamente, na comprovação da real intenção
do segurado em autorizar o desconto em seu benefício, conforme comprova a
expressiva quantidade de requerimentos com manifestação de repúdio para
exclusão de mensalidade apresentado ao INSS”, destaca o relatório.
Cooperação
O desconto das mensalidades
associativas em favor de entidades autorizadas pelo INSS é possível
desde 1991, quando entrou em vigor a Lei dos Benefícios da Previdência
Social. Os valores movimentados por meio do sistema de cooperação entre o
INSS e as organizações da sociedade civil cresceram ano após ano.
Em 2016, R$ 413 milhões foram
descontados dos benefícios previdenciários para pagamento de
mensalidades associativas. Em 2017, R$ 460 milhões. Em 2018, R$ 617
milhões. Em 2019, R$ 604 milhões. Em 2020, em meio à pandemia da
covid-19, o valor caiu para R$ 510 milhões. Em 2021, o total voltou a
subir, atingindo R$ 536 milhões. Em 2022, foram R$ 706 milhões. Em 2023,
R$ 1,2 bilhão. E, no ano passado, R$ 2,8 bilhões.
Considerando os mais de 1,163
milhão de pedidos de cancelamento de cobranças que o instituto recebeu
entre janeiro de 2023 e maio de 2024, os auditores calcularam que, no
período, o desconto médio foi de cerca de R$ 39,74, cifra que, em alguns
casos, pode ser muito maior, já que os valores descontados variam
conforme o percentual estabelecido em cada um dos ACT.
“As irregularidades apontadas
pelos beneficiários em relação aos ACT indicam que a conveniência e o
interesse público na manutenção das parcerias não foram asseguradas sob a
perspectiva de custos e de impacto no atendimento ao cidadão pelo
INSS”, aponta o relatório, concluindo que os descontos não autorizados
impactaram também a fila do INSS, já que os pedidos para cancelamento
das cobranças aumentou o volume de trabalho dos servidores do instituto.
O relatório, divulgado na
segunda-feira (28), faz nove recomendações, principalmente à Diretoria
de Benefícios e Relacionamentos com o Cidadão. Entre elas, a reavaliação
do processo de implantação dos descontos associativos; a verificação
das autorizações de cobranças e a análise da conveniência de não
permitir novos descontos até que todo o processo fosse revisto, o que
não foi feito.
Na última segunda-feira (28), durante
a reunião do Conselho Nacional da Previdência Social, o ministro da
Previdência Social, Carlos Lupi, informou que a pasta e o INSS iniciaram
“a verificação das denúncias em junho de 2023”. Segundo Lupi, em março
de 2024, antes mesmo da conclusão da auditoria na Diretoria de
Benefícios, o ministério e o INSS instituíram novas regras para o
desconto das mensalidades associativas, chegando a suspender novas
operações.
“Em nenhum momento me omiti. Muito pelo contrário, agimos para tentar conter as fraudes”, declarou Lupi.
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