Tatuador paraibano ‘apaga’, gratuitamente, cicatrizes de vítimas de agressão física
Ana
Paula (nome fictício) passou mais de dois anos sofrendo violência
dentro de um relacionamento abusivo. Era jovem, casou aos 19 anos, cheia
de sonhos. Mas depois do divórcio ficaram as marcas: na mente e no
corpo. Para ter uma vida mentalmente saudável, faz terapia e é
acompanhada por médicos. Mas as marcas no corpo ainda lembravam dos
momentos de agressão. Depois que o tatuador da Paraíba, Fábio Manson,
lançou uma campanha para substituir, de graça, as marcas deixadas pela
violência por uma tatuagem, Ana voltou a ver seu corpo unicamente como
seu.
A
campanha foi divulgada nas redes sociais do tatuador pela primeira vez
no dia 10 de agosto. Mas ele já cultivava essa doação ao outro muito
antes, quando lançou um projeto social reconstrução de aréola, por meio
da tatuagem, para mulheres que sofreram de câncer de mama.
A
nova campanha faz parte da história de vida de Fábio e de quem o
colocou no mundo. A mãe dele sofreu violência doméstica por muitos anos.
“É o mínimo que eu posso fazer. É muito gratificante porque é um
resgate das minhas memórias, da minha mãe, como se eu pudesse ajudar ela
hoje em dia. Hoje eu consigo fazer o que eu não fiz por ela antes”,
declarou Fábio.
Para
participar da campanha é preciso apresentar o Boletim de Ocorrência da
violência sofrida, para comprovar o relato e, por que não, para
incentivar as denúncias. Ana Paula não tinha o registro. Mas mandou uma
mensagem para Fábio, depois de ver a publicação nas redes sociais,
contando um pouco sua história e parabenizando pela iniciativa.
Foi
quando Fábio absorveu todo aquele relato e aceitou, mesmo sem o Boletim
de Ocorrência, substituir a cicatriz deixada pelo passado por uma bela
tatuagem. “É o que posso fazer enquanto tatuador”, frisou.
Um ciclo que deixa marcas
Ana
Paula tinha 16 anos quando conheceu seu ex-marido. Ele era mais velho,
enquanto ela, ainda adolescente, já estava na faculdade. “Era uma menina
feliz, normal, cheia de sonhos”, diz. Casou em uma cerimônia de
princesa, com direito a tudo o que uma noiva espera nesse momento. Um
ano depois, no entanto, a personalidade dele começou a se revelar.
Ela
não saía mais com os amigos, estava com ele o tempo inteiro e mal
conseguia ver o pais. Ele não fazia compras para dentro de casa e a
deixava trancada, sem refeições. Quando conseguia sair e ia na casa dos
pais, eles não entendia o fato de ela ter mudado tanto, emagrecido e
chorar com tanta frequência. “Eu sempre vivia pedindo dinheiro à minha
mãe, para tudo, até para comprar absorvente”, conta.
Tudo
começou com os puxões no braço. Ana Paula era “louca”, “depressiva” e
“chorona”. Uma mulher que, mesmo dentro de um ciclo de violência, para o
ex-marido, não havia motivos para ser como era: envolvida em tristeza.
Então começaram os empurrões. Ela ameaçava ligar para a polícia e ele,
como represália, destruía objetos dela. “Aí ele quebrou meu primeiro
celular. Tiver que dizer a meus pais que eu derrubei sem querer na
escada de casa e quebrou”, relata.
Em
um dos momentos que Ana Paula não esquece, o agressor bateu a cabeça
dela várias vezes na parede. “Eu surtei, tentei revidar, dei um murro
nele, mas ele me empurrou e eu caí. Ele era muito mais forte que eu”.
Outra vez, em outra agressão, Ana Paula revidou e pegou uma faca. “Se
ele encostasse em mim, ia matar. Aí ele começou a se fazer de vítima e
me fazer acreditar que eu realmente era culpada de tudo aquilo”, relata
Ana. Essa fase do ciclo derrubou Ana Paula com mais força do que os
empurrões que recebeu.
Não
bastasse a violação da própria liberdade de viver, Ana Paula também
teve o corpo violado. Foi obrigada a manter relações sexuais com ele
quando não queria mais. Mas ele insistia. “Dizia que eu era mulher dele e
eu tinha que cumprir com minhas obrigações”, destaca.
Ana
Paula chora. Lembra de um passado recente e que ainda martela na
memória. Um passado que insiste em permanecer no presente, mesmo
distante. Chora porque não acredita que ela, uma mulher tão cheia de si,
foi capaz de se esvaziar diante de um homem. Mas chora, também, porque
sabe o que viveu e porque se perdoa, acima de tudo.
Rosa sem espinho
Apesar
de superar tudo o que viveu, entrar em um novo relacionamento e
entender que a culpa não era dela, Ana Paula ainda carregava na perna
uma cicatriz que a fazia voltar no tempo sempre que olhava.
Era
perto do carnaval. Ele estava bêbado, queria sair com o carro e ela
disse que não. Vestido de raiva, o ex-marido foi até ela para agredi-la.
Ela reagiu, mas ele a jogou na cama e disse que iria matá-la. “Ficou me
sufocando com o lençol, até que eu consegui sair e ele veio atrás de
mim. Eu empurrei ele contra a janela do quarto, a janela quebrou e ele
pegou um caco de vidro”, relata. Ele usou o vidro para marcar o corpo de
Ana Paula para sempre. A feriu muito e, mesmo machucada, não a levou ao
médico.
Quando
não conseguiu mais suportar, criou coragem e contou aos pais. “Pedi
muito para que eles me abraçassem e deixassem ele para lá. Eu tinha
muito medo de morrer”, disse Ana Paula.
Ana
Paula é mais uma vítima da violência doméstica. Mas, felizmente, não
entrou para estatística do feminicídio. Fugiu do ciclo, mas carrega os
traumas. Já tentou tirar a própria vida várias vezes, quando o
pensamento de culpa insiste em voltar.
Fonte: G1 - Créditos: Dani Fechine - Publicado por: Larissa Freitas

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