Como Stallone embebedou Sharon Stone para rodar uma das cenas de sexo mais incômodas da história
Sylvester Stallone e Sharon Stone num momento de ‘O Especialista’, filme que completa 25 anos - (FOTO: CORDON) |
A imagem pública de Sharon Stone (Pensilvânia, EUA, 1958) está associada à capa da Playboy de
julho de 1990. Cansada de ser ignorada por Hollywood (seus papéis mais
emblemáticos na época haviam sido o de “garota bonita no trem” em Memórias, de 1980, e um coadjuvante em Loucademia de Polícia 4, de 1987), ela decidiu vender a si mesma como um símbolo sexual.
Assim Sylvester Stallone explicou o incidente: “Chegamos ao set e ela decidiu que não queria tirar a roupa. Qual era o problema? ‘É que estou de saco cheio de nudez’, disse ela. Eu pedi que ficasse de saco cheio disso no filme de outro”
Tinha 32 anos e aquela capa, junto com seu papel de vilã em O Vingador do Futuro (1990),
era sua última oportunidade de se tornar uma estrela. “Os executivos do
estúdio se sentavam ao redor de uma mesa enorme e discutiam se cada uma
de nós era comível. Consideraram que eu não era”, declarou a atriz numa
entrevista de maio de 2019 à Vogue. “Pensei muito sobre isso porque
queria trabalhar. Por isso, decidi estrategicamente posar seminua para
a Playboy. Eu encaixava nesse papel? Obviamente, não. Utilizei
meu cérebro para parecer comível? Claro que sim. Tenho certeza de
que Marilyn Monroe não falava assim na vida real, mas aprendeu o jogo.
Pessoalmente, jamais me senti como um símbolo sexual.”
Dois anos depois daquela capa da Playboy, sua cena cruzando as pernas sem calcinha em Instinto Selvagem (1992)
imediatamente entrou para a história do cinema, levando milhares de
adolescentes a estragar a fita de vídeo de tanto rebobiná-la. E
transformou Instinto Selvagem no filme de maior bilheteria da
história na Espanha, por exemplo. Haviam prometido a Sharon Stone que
não daria para ver nada. Suas súplicas, suas ameaças de processo e suas
bofetadas no diretor (Paul Verhoeven) quando viu seu púbis na telona
pouco adiantaram.
No filme seguinte, Invasão de Privacidade (1993),
Sharon Stone se negou a tirar a roupa quando soube que seu companheiro
de elenco, William Baldwin, não precisaria fazer o mesmo graças a uma
cláusula do contrato. O produtor do filme, Robert Evans, então lhe
disse: “Nenhum ator chegou a ser uma estrela despindo-se, e nenhuma
atriz chegou a ser uma estrela sem se despir.” Ante a reflexão de Stone
de que “em Hollywood, a combinação de uma vagina e uma opinião é letal”,
Baldwin exclamou: “E já vimos bastante de ambas as coisas por parte de
Sharon.”
Nesta capa da edição de julho de 1990 da ‘Playboy’, Sharon Stone decidiu se vender como uma ‘sex symbol’ |
Nesse estado chegou a atriz à gravação de O Especialista (1994),
uma superprodução que misturava os dois gêneros de maior sucesso de
meados dos anos noventa: a ação testosterônica e o thriller erótico. E
protagonizada por seus dois maiores embaixadores: Sylvester Stallone e
Sharon Stone. A cena de sexo era vendida como “algo nunca visto” (era
uma isca publicitária na época, como foi o caso de Assédio Sexual, A Cor da Noite e A Fuga, em que o estúdio espalhou o rumor de que Alec Baldwin e Kim Basinger mantinham um coito real).
“Sharon
tem um grande apelo. Meu personagem mergulha tão profundamente na mente
do seu que, quando afinal se conhecem, há uma explosão erótica”,
prometia Stallone. “Sharon já domina esse tipo de filme, então suponho
que é a escolha adequada”, acrescentou o ator. Certo é que a cena em
questão ainda não havia sido filmada, e os produtores precisavam dela
para vender o filme. O final feliz foi descrito na época pelo ator desse
modo: “No início ela não queria fazer essa cena de sexo. Então pensei
que o melhor seria embebedá-la. Sharon tomou algumas taças e disse: ‘Ok,
vou fazer!”
Em 2006, Stallone (Nova York, 1946) entrou
em detalhes durante um encontro on-line no site Ain’t It Cool. Andrew,
de Washington, perguntou: “Três palavras: Sharon Stone, chuveiro.
Quantas vezes você boicotou a filmagem dessa cena para poder repeti-la?”
O ator começou esclarecendo que não queria fazer a cena porque Sharon
não cooperava. “Chegamos ao set e ela decidiu que não queria tirar a
roupa. O diretor pediu à maioria da equipe que saísse do quarto, mas ela
continuava se negando a tirar. Se eu havia prometido que não passaria
do limite com ela, então qual era o problema? ‘É que estou de saco cheio
de nudez’, disse ela. Eu pedi que ficasse de saco cheio disso no filme
de outro. Como ela não se convencia, fui até o meu trailer e peguei uma
garrafa de vodka Black Death que Michael Douglas tinha me dado. Após
algumas doses, éramos puro tesão.”
A
lógica de Stallone indicava que, como Stone havia tirado a roupa várias
vezes, não tinha desculpa para se recusar a fazer isso agora. Ninguém
nunca perguntou à atriz sobre sua versão do incidente, que talvez
incluiria práticas comuns em Hollywood, como ameaças de processo por
parte do produtor, advertências de que sua carreira corria perigo se não
cedesse ou sugestões do tipo “vai ser mais rápido se você aceitar do
que recusar”.
O resultado são três minutos e
cinquenta segundos tão sensuais quanto ver dois ímãs de geladeira
enroscando-se. Acompanhados por uma música com saxofone (inevitável,
eram os anos noventa), Sharon e Sylvester quase não se tocam nem se
olham nos olhos enquanto a câmera se esbalda com os músculos venenosos
do ator. No final, ela ensaboa as costas, ele tenta acariciar sua cabeça
e ela esquiva sem dissimular.
“A
cena está tão produzida que o sexo nunca pareceu tão vulgar e tão pouco
sexy. Um monumento ao anticlímax. São duas pessoas desconectadas porque
estão concentradas demais em si mesmas”, descrevia a crítica Lisa
Schwarzbaum na Entertainment Weekly. “Parece um vídeo de
exercícios: as estrelas oferecem seus corpos à câmera como se estivessem
numa competição de fisiculturismo”, criticava Hal Hinson no Washington Post.
“A estranha forma como Stallone acaricia a cabeça de Stone, com o braço
esticado para trás revolvendo seu cabelo com a palma da mão enquanto
olha para frente distraído, é a forma como um homem acariciaria seu gato
enquanto pensa em outras coisas mais importantes”, dizia Quentin Curtis
no The Independent.
O Especialista começa
com Stallone olhando por um binóculo como um voyeur, mas o que observa é
uma ponte prestes a explodir. É o tipo de filme dos anos noventa, em
que a garota entra na casa do mafioso e exclama: “Da próxima vez que der
cabo de alguém, deveria pensar em assassinar o seu decorador.” Um
desses filmes concebidos para excitar os instintos mais primários do
público, e para isso precisavam despir uma Sharon Stone que, apesar de
ser 50% do apelo comercial, recebeu o equivalente a 19 milhões de reais
contra os 44 milhões embolsados por Stallone. “Os homens pegam no saco,
esfregam a sexualidade deles em você, te gritam do carro, são
condescendentes”, contou a atriz. “As mulheres são ensinadas a ceder,
com comportamentos que vão minando nossa autoestima, nossa integridade,
nossa feminilidade. Não pretendo voltar a me esforçar para agradar os
demais ou para evitar a confrontação.”
“A cena está tão produzida que o sexo nunca pareceu tão vulgar e tão pouco sexy. Um monumento ao anticlímax. São duas pessoas desconectadas porque estão concentradas demais em si mesmas”, escreveu a crítica de ‘Entertainment Weekly’. “
Em seu filme seguinte, Rápida e Mortal(1995),
Stone foi produtora e não se despiu. Exigiu que contratassem um
australiano desconhecido que nunca tinha trabalhado em Hollywood,
Russell Crowe, e cedeu parte do salário a Leonardo DiCaprio porque
considerava que o sujeito merecia mais dinheiro. Mas em 2001 Stone
sofreu um derrame e ninguém da indústria a apoiou. Há duas semanas, aos
61 anos, ela falou sobre a etapa mais difícil da sua vida. “As pessoas
me trataram de uma forma brutalmente desagradável. Inclusive outras
mulheres da indústria e a juíza do caso em que lutei pela guarda do meu
filho [acabou perdendo: deram a guarda ao ex-marido, o jornalista Phil
Bronstein]. Levei sete anos para me recuperar [do derrame], tive que
hipotecar minha casa, perdi tudo. Perdi minha posição no negócio. Eu era
a estrela do cinema, sabe? A princesa Diana e eu éramos as mais
famosas. Então ela morreu e eu tive um derrame. E se esqueceram de nós.”
Afogada em dívidas, Stone aceitou protagonizar Instinto Selvagem 2 (2006).
Era de se esperar que, sendo a estrela imprescindível para aquela
sequência sem Michael Douglas, desta vez ela teria controle sobre o
trabalho. Mas o diretor pediu que se sentasse no seu colo enquanto lhe
dava indicações de câmera. Como Sharon se recusou, ele se negou a rodar
mais cenas com ela.
Há um ano e meio, em plena reflexão pelo #MeToo,
Hollywood quis olhar para trás e revisar a própria história. Isso
incluía perguntar a Stone se alguma vez havia se sentido agredida ou
usada sexualmente. A atriz se limitou a soltar uma gargalhada durante
vários segundos. Ao terminar de rir, concluiu: “Espero ter respondido à
sua pergunta.”
Fonte: El País - Créditos: JUAN SANGUINO
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