Inferno na floresta: o que sabemos sobre os incêndios na Floresta Amazônica
A Amazônia sempre sofreu com queimadas ligadas à exploração de terra. Mas como isso chegou tão longe?
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| Montagem de fotos dos incêndios na Amazônia - (Montagem/Reuters) |
São Paulo – Os olhos do Brasil e do mundo se voltam para a maior floresta tropical e maior reserva
de biodiversidade da Terra. Milhares de mensagens de alerta em
diferentes línguas circulam nas redes sociais com a hashtag #PrayForAmazonia. A razão não poderia ser pior: a Amazônia arde em chamas.
O bioma é o mais afetado pela maior
onda de incêndios florestais no Brasil em sete anos. Não há novidade no
fenômeno em si. A Amazônia sempre sofreu com queimadas ligadas à
exploração de terra. Mas como isso chegou tão longe? Veja a seguir o que já sabemos sobre os incêndios na floresta.
O fenômeno
Em tempos de seca, floresta é
combustível. Historicamente, durante a estação de menor incidência de
chuvas, tipicamente compreendida entre os meses de julho e setembro,
grande quantidade de focos de incêndios são detectados pelos satélites
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Estudos científicos mostram que as
queimadas desta região geralmente decorrem do modelo de ocupação e uso
do solo, com o desmatamento de grandes áreas e consequente queima da
vegetação, tanto de pastagem quanto de floresta primária para preparo da
terra ao plantio. A prática é comum na agropecuária nacional,
principalmente na região do Cerrado e da Amazônia Legal.
Do ponto de vista prático, as queimadas
quando utilizadas em áreas com pastagens visam a renovação ou
recuperação da vegetação utilizada para a alimentação do gado,
eliminando ervas daninhas e adicionando nutrientes ao solo, oriundos da
biomassa queimada. Entretanto, no longo prazo, essa prática provoca
degradação físico-química e biológica do solo, e traz prejuízos ao meio
ambiente.
Registros recordes
Segundo dados do Inpe, o número
de focos de incêndio florestal aumentou 83% entre janeiro e agosto de
2019 na comparação com o mesmo período de 2018. Desde 1.º de janeiro até
a terça-feira (20) foram contabilizados 74.155 focos, alta de 84% em
relação ao mesmo período do ano passado. É o número mais alto desde que os registros começaram, em 2013. A última grande onda é de 2016, com 66.622 focos de queimadas nesse período.
Combinado a períodos de seca severa, o
desmatamento e a prática de queimadas podem gerar um saldo final
incendiário. O que causa estranheza aos especialistas nos eventos de
2019, porém, é que a seca não se mostra tão severa como nos anos
anteriores e tampouco houve eventos climáticos extremos, como o El Niño,
que justifiquem um aumento considerável nos focos de incêndio. Além
disso, os tempos de seca mais severos ocorrem geralmente no mês de
setembro. Ou seja: a mão do homem pesou, e muito, para a alta neste ano.
Dados do sistema de alertas em tempo real
Deter, divulgados recentemente pelo Inpe, mostram um aumento de mais de
40% nos alertas de desmatamento entre agosto de 2019 e o último mês de
julho. O mês passado registrou o pior número de alertas de perda de
floresta para um mês na série histórica, referentes a 2.254,9 km². No
mesmo mês em 2018, o índice foi de 596,6 km², um aumento de 278%.
Áreas afetadas
Há três semanas, florestas e matas ardem em chamas nos estados do Norte, se estendendo pelo Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, incluindo áreas da Amazônia e do Pantanal. O incêndios já atingiram a tríplice fronteira entre Brasil, Bolívia e Paraguai. A
Amazônia é o bioma mais afetado, com pouco mais da metade (52,6%) dos
focos, seguida do Cerrado, com 30% dos registros de queimada.
Propriedades particulares
concentram os focos de queimadas. Desde janeiro, 60% dos incêndios
ocorreram em áreas privadas registradas no Cadastro Ambiental Rural do
Brasil, 16% em terras indígenas e 1% em áreas protegidas.
Na região centro-oeste, o estado do Mato Grosso, que vive do agronegócio, lidera os incêndios, com 13.682 focos em 2019 – alta de 87% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Inpe. Duas
semanas atrás, as queimadas fizeram o Amazonas, segundo estado mais
afetado, a decretar emergência no sul e na Grande Manaus. O Acre também
declarou alerta ambiental.
Origem dos incêndios
Na quarta-feira (21), Bolsonaro afirmou, sem provas, que as ONGs de preservação estariam envolvidas com as queimadas. Em resposta, o
Observatório do Clima, rede que reúne cerca de 50 organizações não
governamentais em prol de ações contra as mudanças climáticas, afirmou que o recorde de focos de incêndio é apenas “o sintoma mais visível da antipolítica ambiental do governo de Jair Bolsonaro”.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, por sua vez, atribuiu o recorde de queimadas no país à seca, ao
vento e ao calor liberado para a atmosfera, através das queimadas. Mas
causas naturais não são suficientes para explicar a magnitude dos
incêndios neste ano. Especialistas atribuem o inferno amazônico ao discurso “agressivo” do governo Bolsonaro em relação às questões ambientais e de clima, que daria “legitimidade” a investidas nocivas contra a floresta.
Exemplo: no
dia 10 de agosto fazendeiros e grileiros no sudoeste do Pará cumpriram a
promessa de fazer um “dia de fogo” e deliberadamente queimaram uma
área vegetada da região de Novo Progresso. Resultado? Um aumento de 300%
nos focos de incêndio em comparação com o dia anterior, pelos registros
do Inpe. Conforme a Folha, os
produtores se sentiam “amparados pelas palavras do presidente” e, por
isso, coordenaram a queima de pasto e áreas em processo de desmate para
uma mesma data.
O que está sendo feito
Segundo o ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles, o governo federal está atuando nas regiões
mais críticas com pelo menos mil brigadistas do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
No Mato Grosso, as secretarias de
Estado de Segurança Pública (Sesp-MT) e de Meio Ambiente (Sema-MT)
deflagraram nesta semana a operação “Abafa Amazônia”, que vai mobilizar
forças de segurança da Polícia Militar, Polícia Judiciária Civil, Corpo
de Bombeiros Militar e Politec, Defesa Civil e o Comitê Estadual de
Gestão do Fogo. A operação tem o objetivo de combater os crimes por
desmatamento e degradação florestal, queimadas irregulares e incêndios
florestais.
Segundo estado mais afetado, o
Amazonas aumentou nesta semana os esforços de combate aos incêndios com
a assinatura do decreto que declarou situação de emergência no estado
por conta do impacto negativo do desmatamento ilegal e de queimadas não
autorizadas.
Pela Constituição Federal (artigo
144), cabe aos estados, por meio dos Corpos de Bombeiros Militares, a
execução de atividades de defesa civil, incluindo a prevenção e o
combate a incêndios.
Mas diante dos desafios de se combater incêndio em áreas florestadas, o
governo federal criou em 1989 o Sistema Nacional de Prevenção e Combate
aos Incêndios Florestais – PREVFOGO, que atribui ao IBAMA a competência
de coordenar as ações necessárias à organização, implementação e
operacionalização das atividades relacionadas com a educação, pesquisa,
prevenção, controle e combate aos incêndios florestais e queimadas.
Já unidades federais de conservação
são de responsabilidade do Instituto Chico Mendes (ICMBio),
regularmente apoiado pelo Ibama nas ações anti-incêndio.
Política pública deficitária (eis o “X” da questão)
A máxima “prevenir é melhor do que
remediar” figura em qualquer cartilha de boa gestão ambiental. Mas o
governo brasileiro parece ignorá-la. Mais do que discursos que
sinalizam para um estado de impunidade, os cortes em programas
importantes ligados ao meio ambiente acabam minando o poder de resposta
dos órgãos públicos aos desastres.
Em maio, além de praticamente zerar o orçamento para implementar políticas sobre mudanças climáticas no Brasil, o governo federal bloqueou 38,4% do orçamento para prevenção e controle de incêndios florestais, montante equivalente a R$ 17,5 milhões.
Na sequência, o governo federal
travou uma queda de braço com os principais doadores do Fundo Amazônia,
mais importante ferramenta para preservação da floresta. Diante do
imbróglio em torno do uso dos recursos do fundo e das atribuições do
comitê gestor, e com a disparada recente nas taxas de desmatamento na
Amazônia, Alemanha e Noruega resolveram suspender o repasse de verbas para o Fundo.
Parte desses recursos são usados pelo sistema nacional para prevenção e combate a incêndios florestais. Até
dezembro do ano passado, R$ 11,721 milhões já haviam sido gastos pelo
Ibama em operações de combate a incêndios na região amazônica. Esse
montante equivalente a 80% do total obtido junto ao Fundo Amazônia para
prevenção e mitigação de incêndios florestais.
Não bastasse desdenhar das doações
estrangeiras para a principal ferramenta de preservação da floresta,
desde que assumiu a presidência, Jair Bolsonaro tem se empenhado em
“desautorizar” as ações do Ibama e demais órgãos ambientais. Em maio, o
governo federal mandou cortar em 24% o orçamento anual previsto para a
entidade.
Com o corte, que retira recursos que
cobririam praticamente três meses dos gastos previstos para 2019, o
Ibama teve seu orçamento reduzido de R$ 368,3 milhões, conforme constava
na Lei Orçamentária (LOA), para R$ 279,4 milhões. Só as despesas fixas
do órgão são estimadas em R$ 285 milhões para este ano.
Um golpe certeiro na fiscalização. Segundo um levantamento feito pela Folha de S.Paulo, as multas por desmatamento entre janeiro e junho deste ano caíram 23%, em comparação ao mesmo período de 2018. Dados obtidos pela rede Observatório do Clima, pela Lei de Acesso à Informação, indicam uma redução de 58% nas operações de fiscalização realizadas pelo Ibama até abril deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado.
As investidas seguem uma série de desventuras que recaem sobre a área ambiental há tempos no Brasil. Nos últimos cinco anos, a pasta tem enfrentado uma tendência
de cortes em áreas como o monitoramento e fiscalização do desmatamento,
a conservação da biodiversidade e a gestão dos recursos hídricos, que
provêm serviços essenciais para a sociedade, como o equilíbrio
climático, alimentos e água.
Comoção social e desinformação
Imagens da floresta amazônica em chamas
rondam o Planeta através das redes sociais. A comoção social colocou o
assunto entre os mais comentados no mundo, aumentando a pressão sobre o
governo Bolsonaro. Mas o “disse-me-disse” do universo digital exige
cautela, principalmente em tempos de promoção de “desinformação”.
Diversas fotos que supostamente mostram a
situação atual das queimadas viralizaram nas redes sociais com as
hashtags #PrayForAmazonas e #PrayForAmazonia foram tiradas de contexto, como revela uma checagem feita pela agência de notícias AFP. Muitas imagens compartilhadas são antigas e de outras localidades, mas estão sendo atribuidas à condição atual da Amazônia.
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| Incêndio em Iranduba, Amazonas, destrói parte da floresta Amazônica. (Bruno Kelly/Reuters) |
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