‘OKAIDA’: Saiba tudo sobre a maior facção criminosa da história da Paraíba: VEJA VÍDEO

Era
para ser uma espécie de clipe musical sobre o crime na Paraíba. Sete
jovens estão com os rostos cobertos por panos brancos. Ao violão, um
deles toca uma melodia roqueira. Três garotos, mais atrás, carregam
facas e fazem movimentos de dança como se estivessem golpeando alguém. À
frente, o vocalista nomeia a música: “Mago do Facão”.
A
letra começa assim: “Pensamento eloquente me leva a mais um aviso /
poder do crime fica cada vez mais infinito”. O refrão, por sua vez,
explica quem é o protagonista do som: “Nossa união é massa em várias
quebradas / fechamento forte / facção Okaida”.
O
vídeo, gravado em uma prisão e publicado no YouTube em maio de 2017,
mostra duas características da facção que hoje praticamente domina o
crime paraibano: juventude e autopromoção em redes sociais.
Composta
de jovens e adolescentes, a Okaida cresceu nos últimos anos:
atualmente, domina vários municípios, expandiu seus braços para
Pernambuco e conta com 6 mil membros “batizados” na Paraíba, segundo
investigação do Ministério Público Estadual paraibano.
Como
comparação, o Primeiro Comando da Capital (PCC), maior e mais poderosa
facção do país, tinha pouco mais 30 mil “filiados” em 2017 –
recentemente, o grupo fez uma campanha para aumentar seu “exército”.
Em
outubro do ano passado, os “soldados” da Okaida deram outra
demonstração pública de força: promoveram queimas de fogos de artifício
para comemorar o aniversário da sigla em seis cidades da Paraíba, como
João Pessoa, Campina Grande, Santa Rita e Guarabira. Vídeos da festa
estão nas redes sociais e no YouTube.
Em
bairros mais pobres da capital paraibana, a Okaida dita até um código
de conduta para seus integrantes e moradores. As proibições são pintadas
nos muros: não pode usar drogas na frente de crianças, roubar na
comunidade, escutar som alto tarde da noite e andar de moto em alta
velocidade.
A origem da Okaida
Há
histórias diferentes sobre a origem da facção. Okaida é uma forma
abrasileirada do nome da rede terrorista que já foi comandada por Osama
bin Laden, a Al-Qaeda. Mas a versão brasileira não tem nenhum aspecto
religioso por trás.
O certo é que a quadrilha cresceu em paralelo com seu maior rival, a facção Estados Unidos, criada em meados dos anos 2000.
O
conflito entre os dois grupos de criminosos já dura alguns anos nas
ruas e nos presídios – e, ironicamente, emula a guerra empreendida pelos
americanos contra o terrorismo.
No
início dessa década, enquanto a Okaida dominava bairros de João Pessoa
como a Ilha do Bispo, São José e Alto do Mateus, os membros dos Estados
Unidos estavam presentes nas regiões de Mandacaru, Bola da Rede e
Novais.
Os dois grupos também se
diferenciam pelas tatuagens de seus integrantes, como registra uma
dissertação de mestrado concluída em 2015 na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Feito pelo tenente-coronel Carlos Eduardo Santos, da
Polícia Militar da Paraíba, o estudo mapeou os símbolos marcados na pele
dos filiados às facções.
Quem é da Okaida costuma marcar a pele com palhaços ou com o personagem Chucky, do filme Brinquedo Assassino. Já os membros da Estados Unidos tatuam a bandeira americana ou o desenho de um peixe.
Nos
últimos anos, porém, o crescimento da Okaida praticamente suplantou sua
rival em número e força, ainda que a Estados Unidos continue ocupando
alguns poucos bairros e pavilhões de cadeias de João Pessoa, segundo
agentes de segurança.
A presença do PCC
A
relação entre as duas facções locais tem forte influência de um
elemento “forasteiro”: o PCC. Até 2010, a Okaida era mais próxima do
grupo paulista, que fornecia parte da droga vendida nas ruas. Mas um
assassinato, que teria sido cometido a mando do PCC sem o aval dos
paraibanos, afastou os grupos e criou um antagonismo violento entre
eles.
Nos anos seguintes, o grupo de
São Paulo se aliou à Estados Unidos, aumentando o conflito local. A
guerra foi promovida dentro e fora dos presídios com episódios de
barbárie.
Segundo pesquisadores,
desde o ínico da década passada, o PCC decidiu atuar no atacado e
fornecer a droga para grupos menores venderem nas capitais.
“No
início dos anos 2000, o PCC chegou nas fronteiras e conseguiu importar a
droga, que ele repassa para aliados menores”, diz Bruno Paes Manso,
pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São
Paulo (USP) e um dos autores do livro A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil (Ed. Todavia).
A
chegada dos paulistas no Nordeste e a maior oferta de drogas aumentaram
rivalidades entre traficantes locais, avalia Paes Manso. “Como é um
mercado ilegal, as disputas se dão pela força. E como o PCC também
colocou armas na região, essa dinâmica produziu mais violência e
assassinatos”, diz.
Na
Paraíba, por exemplo, a taxa de homicídios cresceu bastante nesse
período. Em 1996, o Estado registrava 19,2 assassinatos por 100 mil
habitantes, segundo o Atlas da Violência. Já em 2011, seu pico, o número
chegou a 42,5 mortes por 100 mil habitantes.
No
Rio Grande do Norte, que também enfrenta problemas com facções
criminosas, o aumento foi mais dramático. Em 1996, o Estado registrava
9,4 assassinatos por 100 mil – em 2016, foram 53,3, alta de 466% em 20
anos.
Os jovens da Okaida

Um
dos motores do crescimento da Okaida foi sua política de filiar menores
de idade – embora a Estados Unidos também utilize adolescentes, seu
aliado PCC evita batizá-los, segundo agentes de segurança da Paraíba.
“Os
que se dizem integrantes de facções no nosso Estado são pessoas
bastante jovens, inclusive admitindo-se adolescentes entre os
faccionados”, diz o promotor Manoel Cacimiro Neto, do Gaeco (Grupo de
Atuação Especial Contra o Crime Organizado) do Ministério Público da
Paraíba.
Divergências com as
“doutrinas” do PCC, aliás, explicam também a criação de outra facção
nordestina, o Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte. O grupo
potiguar surgiu depois que criminosos questionaram a obrigação do PCC de
submeter decisões a chefes em São Paulo.
Essa
presença massiva da juventude nas facções do Nordeste tem impacto
negativo no índice de homicídios dessa faixa etária – são eles as
maiores vítimas dos conflitos.
Segundo
o Atlas da Violência, que reúne dados até 2016, a taxa de mortes
violentas entre jovens paraibanos de 15 a 29 anos chegou a 70,4 pessoas
por grupo de 100 mil habitantes. Embora o número seja considerado muito
alto, ainda é menor que os de Estados vizinhos, como Ceará (87,6) e
Pernambuco (105,3) – a média nacional é 65.
No
Rio Grande do Norte, cuja quadrilha Sindicato do Crime também aposta no
aliciamento de jovens e adolescentes, o índice de assassinatos entre
eles chega a 125,5 por 100 mil habitantes – alta de 734% em 20 anos.
Rede de facções
Segundo
Marcelo Gervásio, presidente da Associação dos Agentes Penitenciários
da Paraíba, os maiores presídios do Estado têm alas separadas para
integrantes da Okaida, Estados Unidos e PCC, mas a primeira ganha em
número.
“Essa divisão ocorre para garantir uma certa segurança do preso”, afirma.
Do
lado de fora das prisões, a Okaida se aliou ao Sindicato do Crime em
uma rede de facções que se contrapõem à presença do PCC no Norte e no
Nordeste – também fazem parte o Comando Vermelho, do Rio, e a Família do
Norte, que atua na região amazônica.
Essa
divisão causou três massacres de presos em cadeias da região em 2017 –
os dois primeiros em Manaus e Boa Vista. O último ocorreu no presídio de
Alcaçuz, na Grande Natal – ao menos 26 homens ligados ao Sindicato do
Crime foram mortos por detentos do PCC. O motim seria uma vingança pelo
ataque em Manaus, quando dezenas de integrantes da facção paulista foram
assassinados por membros da Família do Norte.
Segundo
o promotor Manoel Cacimiro Neto, do Gaeco, essa rede anti-PCC consegue
abastecer a região com drogas e armas vindas de países fronteiriços,
como Colômbia e Bolívia.
Já o
delegado Braz Morroni, ex-chefe da delegacia de narcóticos da Paraíba,
aponta que a Okaida também consegue carregamentos oriundos do chamado
“polígono da maconha”, região de Pernambuco conhecida por produzir
grandes quantidades de cannabis.
Para
o deputado estadual paraibano Walber Virgolino (Patriotas), que foi
secretário de Administração Penitenciária da Paraíba e do Rio Grande do
Norte, um dos principais objetivos das facções locais é impedir que o
PCC domine o tráfico de drogas na região. “Hoje, o PCC só não tem o
controle da Paraíba por causa da Okaida”, diz o parlamentar, hoje na
oposição ao governador João Azevedo (PSB).
A ‘nova doutrina’
Há
pouco mais de um ano, houve uma cisão na Okaida. Integrantes ficaram
descontentes com o então chefe do grupo, o detento André Quirino da
Silva, conhecido como Fão.
“Alguns
membros ficaram muito irritados com a violência praticada por esse
líder. Fão mandava matar pessoas da própria facção”, diz Braz Morroni,
hoje titular da delegacia de roubos e furtos.
Surgiu
uma dissidência chamada Okaida RB (iniciais dos apelidos de presos
conhecidos como Ro Psicopata e Betinho, criadores do novo grupo).
Rapidamente, a nova facção ganhou milhares de adeptos (6 mil, segundo o
Ministério Público), assumindo a maior parte do poder da antiga.
Embora
a Okaida RB ainda seja inimiga declarada do PCC, ela passou a seguir
parte de suas “doutrinas”, segundo Morroni. A nova estratégia, que
inclui ditar um código de conduta nos bairros, tenta diminuir os
assassinatos e roubos próximos de pontos de venda de droga – com isso, a
facção evita a presença da polícia.
“O
foco são os negócios e não mais a violência extrema. Antigamente,
dívidas de tráfico eram punidas com a morte. Hoje, a Okaida negocia
outras formas de pagamento “, afirma o delegado.
Para
o promotor Manoel Cacimiro Neto, a Okaida “não possui uma estrutura
hierarquizada rígida, a exemplo do PCC”. Ou seja, apesar de existirem
chefes com maior influência, a facção “pulverizou” o poder em vários
territórios, segundo Neto.

A expansão
A
ascensão da Okaida coincide com uma sequência de quedas dos homicídios
na Paraíba. Segundo o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, que
compila dados das secretarias estaduais da área, o Estado registrou
1.286 assassinatos em 2017 – baixa de 16,7% em relação a 2014.
Segundo
especialistas, boa parte da queda está relacionada ao programa de
redução de homicídios do governo estadual, o “Paraíba Unida pela Paz”,
que conseguiu diminuir a taxa de homicídios para 31,9 mortes a cada 100
mil habitantes em sete anos.
Por
outro lado, a Okaida expandiu seus braços para outros cidades
paraibanas. A facção atua em muncípios como Cachoeira dos Índios e
Campina Grande, a segunda maior cidade do Estado.
Reportagem
do jornal Correio da Paraíba mostrou que vários bairros da periferia de
Campina Grande já estão ocupados pelo grupo criminoso – em um deles,
por exemplo, integrantes da facção têm o controle até das chaves de uma
escola pública.
Ao sul, células da Okaida também foram desmontadas pela polícia em cidades de Pernambuco.
Em
março do ano passado, uma operação da Polícia Civil descobriu que
integrantes da Okaida estavam organizando roubos e o tráfico de drogas
em Camutanga, município na zona da mata pernambucana. Outra célula foi
descoberta neste mês em Afogados, bairro do Recife.
Os
presídios pernambucanos também têm presença de integrantes da Okaida,
segundo João Carvalho, presidente do sindicato dos agentes
penitenciários local. “Nas cadeias de Pernambuco, a força das facções se
divide entre PCC, Okaida e Comando Vermelho”, diz.
Os presídios e o que dizem os governos
Tanto
a Paraíba quanto Pernambuco têm superlotação em suas cadeias. Aliada à
precariedade estrutural dos espaços, o aumento exponencial da massa
carcerária facilita, em tese, o aliciamento de novos “soldados” pelas
facções criminosas.
Segundo
o Conselho Nacional de Justiça, a Paraíba apresenta um déficit de 5.430
vagas no sistema carcerário – no total, o Estado tem 13.189 presos. O
governo diz que tem investido na criação de novos presídios.
Já
Pernambuco tem 32.884 detentos para 11.689 vagas – déficit de mais de
21 mil. O governo de Paulo Câmara (PSB) afirma que “criou nos últimos
quatro anos 2.374 vagas nos presídios” para diminuir a superlotação.
Sobre
a expansão da Okaida, o governo da Paraíba diz que programas estaduais
de redução da violência têm dado certo. “O resultado foi a queda de
crimes contra a vida durante sete anos consecutivos no Estado e também
nos primeiros três meses de 2019.”
Fonte: BBC Brasil
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