Casa de filha do ex-presidente Michel Temer vira símbolo de apuração da Lava Jato
Uma
vez por mês, o construtor Luiz Visani, 62, comparecia a uma sala
reservada da empresa Argeplan, em São Paulo, para receber pagamentos em
dinheiro vivo. Segundo contou à polícia, um funcionário da empresa,
identificado como Silva, providenciava as quantias, com valores de até
R$ 70 mil, a que tinha direito por uma reforma que executava no Alto de
Pinheiros, na zona oeste da cidade.
A rotina se repetiu de 2013 até 2015, disse ele, e, ao final, sua remuneração total somou R$ 950 mil.
Quatro
anos depois do fim da obra, o depoimento do engenheiro, que na época
diz não ter desconfiado de nenhuma ilegalidade envolvendo o seu
trabalho, está no centro da mais recente ação penal contra o
ex-presidente Michel Temer (MDB), que já se tornou réu quatro vezes
desde que deixou o cargo.
Na semana
passada, em denúncia do Ministério Público Federal em São Paulo, Temer
foi acusado de lavagem de dinheiro por meio da reforma da casa de uma de
suas filhas, a psicóloga Maristela, hoje com 46 anos.
Os
procuradores consideram que o relato de pagamento com dinheiro vivo a
Visani, que não é acusado no caso, indica que a obra no imóvel foi usada
para lavar recursos obtidos pelo ex-presidente em esquemas com o grupo
controlador do frigorífico JBS e na estatal Eletronuclear.
Trata-se
de uma das principais acusações de benefício pessoal com dinheiro de
corrupção contra políticos descobertas pela Lava Jato e em seus
desdobramentos. A investigação estima que a reforma da casa custou R$
1,6 milhão.
O caso tem semelhanças
com os processos em que o também ex-presidente Lula foi condenado na
Lava Jato, relativos a um apartamento tríplex em Guarujá (SP) e a um
sítio em Atibaia (SP) reformados por empreiteiras. Nos imóveis
atribuídos ao petista, porém, as benfeitorias foram promovidas
diretamente pelos grupos empresariais com negócios no governo federal.
No
caso que envolve a filha do emedebista, toda a reforma foi
providenciada por supostos intermediários: o ex-assessor apontado como
faz-tudo de Temer, o coronel da PM paulista João Baptista Lima Filho, e a
mulher dele, a arquiteta Maria Rita Fratezi.
ARRECADAÇÃO
Conforme
a narrativa da Lava Jato, a Argeplan, empresa de arquitetura que
pertence a Lima, era usada na arrecadação de propina do ex-presidente. A
acusação contra o emedebista se fia na coincidência entre o período dos
pagamentos pela obra e a arrecadação de propina. Os desembolsos com
fornecedores ocorreram na mesma época, por exemplo, de entregas de
dinheiro vivo delatadas pela JBS e Odebrecht.
A
investigação teve origem em buscas feitas em endereços do coronel após a
delação da JBS, em 2017, na qual Temer era o principal implicado.
Documentos apreendidos sugeriam papel relevante da Argeplan na reforma
da casa de Maristela Temer.
Após
reportagem da TV Globo sobre as suspeitas de pagamento em dinheiro vivo,
a PF passou a investigar como a obra foi paga. Uma nova operação da PF,
batizada de Skala, em 2018, ampliou a apuração.
Imagens
da casa feitas antes da reforma, em 2011, mostram uma completa
reformulação no endereço.De um sobrado em estilo antigo e problemas de
conservação, com muro baixo, passou a ter duas pequenas sacadas na
frente e um telhado totalmente reformulado, além de novas portas e
janelas.
Com acabamentos, incluindo
porcenalato, banheira, cubas e piso, foram gastos cerca de R$ 100 mil,
também pagos em dinheiro vivo, segundo o dono de uma loja. “Com todo o
aparato colocado à disposição de Maristela Temer, percebe-se que o
resultado foi surpreendente”, diz um relatório da PF.
A
apuração, incluindo documentos apreendidos e conversas, apontou
liderança de Fratezi à frente das obras. Ela e Lima, assim como
Maristela, se tornaram réus junto com Temer. Sua agenda mostra uma
rotina atarefada de compromissos e reuniões relacionadas ao projeto,
além de mensagens a Maristela sobre “novidades na reforma”.
As
provas mostram que a Argeplan designou ao menos três funcionários para a
obra, elaborou o roteiro da reforma e lançou um “edital de
concorrência” para encontrar uma construtora para comandar os trabalhos.
Maristela
afirmou em depoimento, em 2018, que comprou a casa em 2011 e que seu
pai sugeriu que Lima a auxiliasse nas modificações, por ser um amigo
proprietário de uma firma de arquitetura e engenharia. Fratezi atuou na
obra, disse ela, por ser uma pessoa “com que tinha relação afetiva,
quase familiar”.
Ninguém disse ter
visto Temer na obra ou na discussão de seus preparativos. Dois
elementos, porém, foram considerados suficientes pela acusação do
Ministério Público para vincular o ex-presidente ao caso.
Em uma das trocas de mensagens obtidas no celular de Fratezi, ela dá
detalhes sobre o custo de um serviço a Maristela, que diz: “Ok. Passo
para o papai?” A arquiteta responde: “Passei os preços para João [Lima],
que disse que vai aprovar com ele”.
Para
a investigação, o diálogo mostra que Temer sabia e se envolveu com a
reforma. Além disso, emails interceptados sobre autorizações para a
reforma na Prefeitura de São Paulo também mencionam o ex-presidente.
O
à época secretário-adjunto municipal Valdir Sant’Anna diz em uma das
mensagens que o “vice-presidente” havia solicitado alvarás de execução
de obra e que o sistema de emissão digital não estava funcionando. Uma
outra mensagem sobre o assunto é enviada a Nara Vieira, assessora de
Temer, que reencaminha a Lima.
A
denúncia dos procuradores é reforçada pelo que consideram como
contradições nas explicações dadas por Maristela em audiência no ano
passado. Ela afirmou que a obra custou até R$ 700 mil, enquanto
documentos e estimativas dos fornecedores apontam que as despesas foram
quase o dobro.
Afirmou que custeou o
projeto com o dinheiro da venda de um outro imóvel e com R$ 100 mil
emprestados de sua mãe, Maria Celia de Toledo, e ainda negou qualquer
relação do pai com os recursos.
Sobre
os pagamentos feitos pela Argeplan, afirmou que reembolsou Fratezi, mas
não apresentou comprovante. “Gostaria de esclarecer que na sua vida
pessoal habitualmente não costuma guardar anotações de orçamentos ou
mesmo planilha de gastos de suas despesas”, afirmou, segundo a
transcrição de seu depoimento.
O
procurador André Lasmar disse na semana passada que a apuração aponta
que “houve uma tentativa de tornar lícito um dinheiro que foi
ilicitamente conseguido pela organização criminosa”.
Em
um outro depoimento prestado no ano passado, um fornecedor de
esquadrias diz ter se recusado a receber um pagamento de R$ 56 mil em
dinheiro vivo.
A investigação
começou quando Temer ainda estava na Presidência. Com o fim do mandato, a
apuração foi enviada para a Justiça Federal de São Paulo, onde foi
apresentada a denúncia.
OUTRO LADO
Após
a decisão que tornou o ex-presidente réu, a defesa dele publicou nota
afirmando que a acusação é infame e criticando tentativas de vincular o
episódio a suspeitas diversas.
“Quando
o tema surgiu naquele inquérito 4621 do STF, dizia-se que os recursos
destinados à reforma teriam vindo de corrupção envolvendo empresa que
presta serviços ao porto de Santos. Num momento seguinte, o dinheiro
teria vindo a JBS, e, finalmente, eis que a fonte pagadora teria sido
empresa de outro delator cujo acordo foi distribuído ao mesmo relator do
inquérito 4621, apesar de ele tratar de assuntos relacionados à
Eletronuclear, em nada vinculados ao porto”, disse o advogado Eduardo
Carnelós, em nota.
A narrativa do
Ministério Público mostra que os pagamentos em dinheiro vivo começaram
em 2013, embora os relatos da JBS tratem de 2014, ano eleitoral.
A
defesa de Maristela Temer reiterou que a origem dos pagamentos pelas
obras é lícita e que a denúncia não se preocupa em verificar a
veracidade dos fatos.
Os advogados de
João Baptista Lima Filho e de Maria Rita Fratezi consideram que houve
precipitação na apresentação da denúncia pelos procuradores de São
Paulo, já que a Procuradoria-Geral da República estava com essas
informações e decidiu não produzir uma acusação formal.
Fonte: Noticias ao minuto - Publicado por: Suedna Lima
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