General Hamilton Mourão: Cem dias de um vice-presidente com agenda própria
O EL PAÍS analisou os compromissos públicos de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão nos três primeiros meses de Governo e encontrou a dedicação recente do presidente dos caciques partidários e o aceno de Hamilton Mourão ao PIB e à diplomacia
Bolsonaro e Mourão no dia 30 de março - Alan Santos PR |
Nos cem primeiros dias de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro
dedicou-se a encontros com sua equipe (ministros, assessores,
dirigentes de estatais) e com políticos e caciques partidários — estes
últimos ganharam espaço especialmente depois de o Planalto ser cobrado a atuar na negociação com o Congresso.
Enquanto isso, Hamilton Mourão se destacou por receber empresários,
presidentes de entidades da sociedade civil, diplomatas e a imprensa –
as frequentes declarações do general da reserva aos jornalistas moldaram
nestes três meses o perfil de um vice nada decorativo e sem constrangimentos em se firmar como um contraponto ao chefe.
As ênfases da atuação das duas maiores autoridades do Poder Executivo
ficam evidentes ao se analisar os dados que constam de suas agendas
públicas.
No repasse do dia a dia da dupla de militares da reserva com assento
no Palácio do Planalto, a mudança de comportamento do presidente é
eloquente: Bolsonaro criou tempo para receber os caciques partidários,
tendo que modular seu discurso contra a "velha política" e a ideia de
que seu Governo era capaz de negociar por meio de "eixos temáticos" com o
Parlamento, e não com as legendas. Na lista do vice, uma maior
diversidade nos compromissos, com um aceno ao PIB e à diplomacia. Chama
atenção as pontes de Mourão para além do bolsonarismo: ele já recebeu
representantes da oposição, como governadores do PT e do PCdoB, senador
da REDE e dirigentes da Central Única dos Trabalhadores. Só com a CUT,
foram dois encontros para debater a reforma da Previdência.
Entre 1º de janeiro e 10 de abril, quando se completaram os 100 dias,
Bolsonaro esteve com 193 vezes com ministros e dirigentes de estatais,
79 com deputados e senadores, além de 12 com dirigentes partidários.
Enquanto o presidente esteve em 25 encontros com empresários e
investidores, Mourão foi a 62, entre eles duas vezes com dirigentes da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), uma com o Banco
Mundial e outras com petroleiras, instituições financeiras e
mineradoras. Até por conta das atividades diferentes que desenvolve e
pelas declarações que tem feito, na visita que fez aos Estados Unidos
nesta semana, o vice foi apresentado como uma espécie de antagonista de
Bolsonaro, mas que acabava dando previsibilidade ao seu Governo. Algo
que, de pronto, refutou. “Eu sou complementar a ele”. O mesmo já havia
dito ao EL PAÍS, em uma entrevista publicada em fevereiro.
Aproximação com o Congresso e espaço para os filhos
O desenrolar das semanas fez com que Bolsonaro reavaliasse ao menos
duas de suas estratégias, a da articulação política e a de comunicação.
Após ser criticado por não ter se empenhado no andamento de sua reforma
da Previdência, passou a receber mais parlamentares e representantes de
partidos. Nas últimas semanas, reuniu-se com 12 presidentes e dirigentes
de legendas, com o objetivo de pedir o empenho delas no projeto que é a
espinha dorsal de seus planos econômicos. “Ele se rendeu à velha
política. Notou que esse discurso de novo, sem agir, não vale nada. Só
valia para a eleição”, analisou o cientista político David Fleischer,
professor emérito da Universidade de Brasília.
Com relação à comunicação, o presidente passou usar uma estratégia
dupla: abriu espaço a jornalistas dos grandes veículos, ainda que nas
redes sociais incentive os ataques aos meios de comunicação. Promoveu ao
menos três encontros com jornalistas pré-selecionados e intensificou
sua agenda de entrevistas exclusivas. Sempre que faz uma viagem
internacional, fala com alguma emissora ou jornal local. Isso ocorreu
nos Estados Unidos, em Israel e no Chile.
Uma comparação com a agenda de Mourão mostra que o vice é muito mais
próximo à imprensa. Nesse início de Governo ele já concedeu 46
entrevistas a veículos nacionais e internacionais. Enquanto que o
presidente deu apenas dez, conforme os dados oficiais. Esses dados,
contudo, estão subestimados. Nas informações divulgadas pelo Planalto,
raramente constam as entrevistas do presidente. Três exemplos: na viagem
a Suíça, em janeiro, o presidente concedeu entrevista à Record TV que
não foi contabilizada. O mesmo ocorreu em março, quando falou para a
Band e nesta semana, quando foi entrevistado pela rádio Jovem Pan. O
vice-presidente, por sua vez, detalha cada conversa que tem, citando o
nome dos meios de comunicação e dos entrevistadores.
Para o professor Fleischer, a comparação entre os dois políticos
mostra que Mourão tem “luz própria” e acaba fazendo parte de um grupo de
militares responsável por indiretamente “tutelar” o presidente. Ele
cita dois exemplos. Em fevereiro, o vice decidiu de última hora viajar a
Bogotá, na Colômbia, para participar do Grupo de Lima e deixar claro que o Brasil era contrário a uma intervenção militar na Venezuela
com o objetivo de depor o regime de Nicolás Maduro. “O ministro Ernesto
Araújo [Relações Exteriores] estava pronto para apoiar a intervenção.
Mas o Mourão viajou para fazer diplomacia”, diz o cientista político. O
outro exemplo foi a viagem do vice aos Estados Unidos, onde ele se
participou de encontros mais diversificados do que Bolsonaro e se
encontrou com representantes da comunidade brasileira em Boston. “Parece
que ele viajou aos Estados Unidos para limpar as sujeiras que Bolsonaro
deixou por lá. Queria melhorar a imagem do país”, afirmou.
Os números não representam a totalidade das rotinas de Bolsonaro e
Mourão. As inconsistências nas agendas, algo que em países como os EUA
poderiam ser consideradas deslizes legais, ocorrem com maior frequência
que se imagina. No caso da de Mourão, por exemplo, há menos encontros
com diplomatas do que realmente ocorreram. Um deles que foi consultado
pela reportagem disse que esteve com o vice-presidente “quatro ou cinco”
ocasiões. Mas nos registros oficiais seu nome aparece duas vezes. Já na
de Bolsonaro, nem todos os encontros que têm com seus filhos que são políticos aparecem nos dados oficiais.
Conforme o levantamento, o presidente se reuniu seis vezes com o
senador Flávio, seis com o vereador pelo Rio de Janeiro Carlos, apontado
como o estrategista de comunicação do pai, e duas com o deputado
federal Eduardo.
El País
Nenhum comentário:
Postar um comentário