“‘Lula tá preso babaca’ não é um bordão, é uma constatação”, afirma o ex presidente sobre Cid e Ciro Gomes
Ex-presidente avalia a situação política do país, o Governo de Dilma e a derrota de Haddad. "Fernando Henrique não tem jogado no papel o que o nome dele deveria merecer"
Florestan Fernandes Junior - Carla Jiménez
ISABELLA LANAVE |
Em sua entrevista exclusiva ao EL PAÍS e ao jornal Folha de S.Paulo
nesta sexta-feira, a primeira feita desde que o ex-presidente
brasileiro foi preso há pouco mais de um ano, Lula fala sobre a situação
política do Brasil e revela o que gostaria de fazer quando sair da
prisão. Acompanhe os principais trechos. Demais partes da entrevista,
que teve duração de duas horas, podem ser lidos aqui.
Como o senhor vê o quadro, o PT com a esquerda, o Cid e o Ciro Gomes tem aquele bordão ‘o Lula tá preso babaca’...
Isso não é um bordão, é uma constatação. Eu tô preso...
O senhor não fica chateado?
Não, só não precisava chamar os outros de babaca.
Mas de dizer que eu estou preso, é só ler o jornal que vai saber. Posso
dizer uma coisa carinhosa? Eu acredito que a esquerda brasileira ela
está acumulando um conjunto de pessoas muito importantes. Vamos pegar o
PT: apesar de algumas pessoas não gostarem do PT ele é um partido muito
forte. Aliás, é o único partido organizado efetivamente em todos os
Estados. Tem cabeça, tronco e membros. Você tem o Ciro Gomes, uma pessoa
importante no Brasil. Tem o Flávio Dino. Alguns governadores
importantes do PT na Bahia, Sergipe, a Fátima Bezerra no Rio Grande do
Norte, governadores importantes do PSB. Tem uma novidade política que
não teve bom desempenho eleitoral, mas é um menino que vai crescer
muito, o companheiro [Guilherme] Boulos...
E o Haddad?
Tem o Haddad, eu falei do PT, não queria
personalizar, mas o Haddad é uma figura importante. Embora não tenha
saído vitorioso nas eleições ele se notabilizou como uma figura
importante. Obviamente que se o Bolsonaro tivesse aceitado um debate...
Bolsonaro não tinha sustentação para debater. Acho que ele nunca se
importou em aprender. Eu fui obrigado a aprender um pouco de economia
por contada minha atividade sindical. Eu era obrigado a aprender para
negociar. Depois no PT eu fazia ao menos uma vez por mês reuniões com 30
dos mais renomados economistas deste país. Acho que o Bolsonaro não
gosta disso. Acho que a esquerda vai apresentar um projeto. Eu digo ao
PT que não tem que apresentar propostas. Apresenta um projeto como o que
o Haddad apresentou na campanha. Faz um confronto de ideias para a
sociedade perceber que é possível um outro Brasil. E é possível porque
eu provei na prática que é possível construir num novo Brasil. Consegui
provar com a bênção de Deus e do povo brasileiro que o povo não é
problema, o povo é solução.
Eu pessoalmente gosto do Ciro Gomes, tenho respeito por ele. Ele não
causa mal ao PT, ele causa mal a ele. O Ciro precisa aprender uma lição
elementar. É aprender a ouvir coisas que você não gosta. Suportar os
contrários. Aprender a conviver na adversidade. Quando ele foi
governador do Ceará ou prefeito de Fortaleza ele não precisava disso.
Mas agora para ser presidente do Brasil ele precisa. E ninguém será
presidente do PT se romper com o PT, como PC do B. Não sei se a direita
aceitaria ele. Como eu gosto do Ciro, se um dia ele pedir pra me visitar
vou aceitar para ter uma conversa boa com ele. Gosto do Flavio Dino.
Não sei se a Marina teria propensão de voltar para a esquerda, porque a
Marina acabou né, coitada. Teve 1% dos votos depois de quase ser eleita é
muito pouco. Não sei o que ela vai fazer. Mas penso que a esquerda pode
construir um grande projeto para o Brasil e voltar ao poder.
Mas sem o PT na hegemonia, né?
Veja, o PT, porque o PT de vez em quando aparece
como hegemônico? Você acha que um partido que tem 30% de voto vai
começar abrindo mão de sua candidatura? Não vai. Quando eu acho que o PT
já teve presidente quatro vezes, eu acho que o PT pode escolher um
companheiro de outro partido político e ser candidato a presidente. O PT
pode participar do Governo, pode ter vice. Eu acho que tudo é possível.
O que você precisa é não exigir que o PT abra mão sem apresentar uma
proposta alternativa. Se você tem 10% e eu tenho 30%, e você acha 'no
segundo turno eu sou melhor que você', se você é melhor do que eu, por
que você não ganha no primeiro turno? Eu lembro do Brizola em 1989. O
Brizola é uma pessoa que faz falta no Brasil hoje. O [Miguel] Arraes é
uma pessoa que faz falta. A sabedoria política, não tem mais isso.
O Fernando Henrique não?
O Fernando Henrique Cardoso não tem jogado no
papel o que o nome dele deveria merecer. Ele fala muito sobre quase tudo
desnecessariamente. Eu sinceramente acho que ele poderia ter um papel
de grandeza para quem já foi presidente da República, para quem já foi
chamado de príncipe da sociologia. Ele poderia ter um papel mais
respeitoso com ele mesmo, não comigo. O problema do Fernando Henrique
Cardoso é que ele nunca aceitou o meu sucesso. Ele me adorava no
fracasso. Quando fui eleito, ele falou 'o Lulinha só vai durar quatro
anos e aí eu vou voltar com pompa e tudo', ele me tratava bem. Chegava a
dizer que achava que ele queria que eu ganhasse ao invés do Serra.
Porque ele falava 'o Lula vai ganhar, ele é um coitado, metalúrgico, não
vai conseguir fazer nada e eu vou voltar quatro anos depois cheio de
moral. O Serra se ganhar vai me ferrar, então eu prefiro o Lula'. Não
deu certo. Porque quem deu certo não foi eu, quem deu certo foi a
paciência e a competência do povo brasileiro. Que me ajudou, acreditou.
Quantas vezes eu dizia 'meu Governo vai ser medido por quatro anos. Não
adianta cobrar de mim agora, isso aqui é que nem um pezinho de
jaboticaba. Você planta e, se não for enxertado, demora 15 anos para
dar. Se ele for enxertado, vai dar no primeiro ano; mas tem que jogar
água. O Governo é isso'. E eu tinha muito medo de não dar certo. Dizia:
'eu não posso dar errado'. Eu tinha muito medo do [Lech] Walesa
[presidente de 1990 a 1995] na Polônia. Olhava para o fracasso do Walesa
de ser presidente da República depois do estaleiro de Gdansk e na
reeleição ter 0,5% dos votos, falei 'Deus me livre. Não quero ser isso'.
E graças a Deus, o povo brasileiro me fez... até hoje tenho muito
orgulho de ser considerado o melhor presidente da história do Brasil.
Carrego isso com muito orgulho. Ninguém vai tirar isso do povo
brasileiro. E quem quiser ganhar de mim, que faça mais. Não é me xingar.
Mas ganharam agora do senhor.
De mim, não. Não concorri. Se eu tivesse concorrido, certamente ganharia as eleições.
O senhor seria candidato bem mais velho? O senhor não bota na cabeça que o senhor nunca mais vai ser candidato?
Eu sou um homem de muita crença. Eu vejo
cientista falar que o homem que vai viver 120 anos já nasceu. Por que
não sou eu? Eu acho que a Igreja Católica ensinou o seguinte: com 75
anos o velho se aposenta que é melhor dar lugar para o novo. Eu acho que
vai surgir muita gente boa nesse país e eu me contentarei em apoiar
qualquer pessoa daqui para frente para ser candidata a presidente da
República. Agora, eu estou vendo nos EUA um monte de gente querendo ser
candidata com 78, 79 anos. E isso começa a me dar uma coceira aqui.
Seu ex-ministro Antonio Palocci virou agora
delator. Ele disse inclusive que havia uma conta no exterior no nome do
Joesley, onde era depositado dinheiro para o PT. Por que que o senhor
acha que seu ex-ministro estaria mentindo?
Se ele disse que o Joesley tem uma conta no
exterior, eu acho que ele tem conta em vários países, porque ele tem
fábrica em vários países. Não vejo nenhuma novidade. Lembro de um tempo
que saiu na imprensa que o Joesley tinha aberto uma conta para o meu
futuro no exterior. Depois ele disse que utilizou a conta para comprar
uma ilha que era do [Luciano] Huck lá em Angra dos Reis para dar de
presente para a mulher dele, comprou um barco... Eu era um cara que
tinha profundo respeito pelo Palocci. O Palocci era uma pessoa que, se
não tivesse feito bobagem, poderia ter crescido na política brasileira.
Comecei a perder a confiança no Palocci com aquela história do caseiro
no primeiro mandato. Acho que o ser humano tem um limite de suportar do
ponto de vista psicológico, da dor que ele recebe. Eu tenho pena do
Palocci. Porque um homem da qualidade política do Palocci não tinha o
direito de jogar a vida fora como ele jogou. Tenho um profundo respeito
pela mãe do Palocci, que é fundadora do PT, que carrega barro até hoje
pelo PT em Ribeirão Preto. Mas lamentavelmente eu tenho pena do Palocci.
Ele não merecia fazer com ele o que ele tá falando.
O próprio PT faz críticas a Dilma. O senhor
sempre fala que tem muito orgulho em ter saído com 85% de aprovação e
ser o presidente mais bem avaliado do Brasil. O senhor tem vergonha de
ter eleito uma presidente que foi a mais mal avaliada; Temer é o único
que "ganha" dela.
Orgulho. Tenho muito orgulho de ter a Dilma.
Mas o povo brasileiro...
Nem todo filho consegue ter o sucesso que você
teve. O Pelé não teve nenhum jogador como ele. É importante lembrar que
em 2013 a Dilma tinha quase 75% de preferência eleitoral.
E em 2015?
Depois do que aconteceu a partir de 2013, que eu
acho que nem a imprensa, nem a esquerda e nem os cientistas políticos
avaliaram direito. O que foi a Primavera Árabe? Aquela loucura? Eu
fiquei muito feliz quando derrubaram o [Hosni] Mubarak [no Egito].
Porque conheci ele bem. Aí elegem o [Mohamed] Morsi. Com três meses,
derrubam o Morsi. E quem tá governando? Uma junta militar. E não tem
mais nenhuma manifestação na rua. Sinceramente acho que o mundo está
precisando de lideranças. E nós não temos lideranças mundiais. Não
temos. Então precisamos tentar, no campo da política, dizer o seguinte:
quem vai resolver o problema do mundo é você ter uma classe política
séria, com partidos sérios, organizados seriamente, para poder consertar
o país.
Aqui preso, o senhor fica mais preocupado com o
quê? Com a família, com os amigos, saber que eles estão passando
dificuldades...
Estão todos mal. Estou com meus bens todos
bloqueados. Você veja o absurdo: eu tinha sido multado em 32.000.000 de
reais para pagar não sei o quê. O STJ diminuiu para 2.000.000. Qual é a
diferença? Qual é a lógica? Qual é a lógica até de multar em 2.000.000?
Espero que, a partir desse processo que a dona Marisa ganhou em São
Paulo, as pessoas desbloqueiem os bens pelo menos da parte da dona
Marisa para que os filhos possam pelo menos sobreviver dignamente. Eu
fico preocupado. Tenho preocupação com meu filho, que vem aqui me ver
sempre. Mas eu fico preocupado é com a situação do Brasil. Não consigo
imaginar os sonhos que eu tive para esse país, quando a gente descobriu o
pré-sal, para fazer esse país virar gigante. Eu tenho orgulho e sonhei
grande, porque passei a ser um presidente muito respeitado. Aqui na
América do Sul, o Brasil era referência. Eu sonhava em criar um bloco na
América do Sul para a gente ter força para negociar com a União
Europeia, com os EUA, com a China. Individualmente a gente é muito
fraco. Eu fui o único presidente a ser chamado para todas as reuniões do
G8. Eu digo eu porque eu era o presidente, mas o Brasil foi muito
importante no G20. Tudo isso desmanchou. Agora o prefeito de Nova York
não quer fazer um jantar com o presidente do Brasil. O dono do
restaurante se recusa. A que ponto chegamos? Que avacalhação! Um país
que, em 2008, quando ganhamos as Olimpíadas, eu tinha certeza que o
Brasil chegaria a ser a quinta economia do mundo. Até brincava com os
alemães: se preparem que nós estamos chegando aí. Pro Brasil não tem
limite.
Se o senhor algum dia sair daqui...
Eu vou sair, querida [dirigindo-se à Mônica Bergamo]. Espero que você esteja aqui.
Presidente, qual a primeira coisa que o senhor vai fazer?
Eu adoraria poder um dia fazer um debate em uma
universidade com Moro e Dallagnol juntos. Adoraria um debate. Eles
levando as milhares de páginas que contaram mentiras e eu levando a
minha verdade. Eu adoraria. Com a cara boa, tranquila, bonitão como eu
tô hoje. Para discutir. Mas na verdade eu quero comer um churrasco, uma
bela de uma picanha, uma panceta bem passadinha e tomar um, como diria o
José Alencar, um golo. Mas eu vou fazer. Tenham paciência. Quero
agradecer a vocês e sobretudo agradecer a Justiça que fez justiça nesse
caso. Poderia ter feito isso antes das eleições de 2018. Lamentavelmente
não foi feito, então quero agradecer a vocês dois pela briga, pela
tenacidade e espero que tenhamos outras entrevistas. Se deixarem. Muito
obrigado.
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