Moradores e pesquisadores escrevem dicionário online com verbetes sobre favelas
O 'Dicionário de Favelas Marielle Franco' foi criado como homenagem à vereadora executada há um ano
© DR
Um dicionário online com
verbetes sobre favelas, escrito por moradores e pesquisadores, está
pronto para entrar no ar. Pensado para funcionar como o Wikipedia, que
permite a edição online, e coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz), o wikifavela é uma experiência em construção que já reuniu
284 termos, elaborados por 79 colaboradores.
Batizado como Dicionário de Favelas Marielle Franco,
em homenagem à vereadora executada há um ano, foi pensado com o objetivo
de apresentar o Rio de Janeiro para o Rio de Janeiro e reunir
diferentes pontos de vista sobre um mesmo tema.
“A cidade do Rio
jamais será uma cidade culturalmente integrada e democrática se
continuar ignorando o lado que está ao lado, como se não existisse”,
critica a coordenadora da iniciativa, a socióloga e cientista política
Sônia Fleury. Segundo ela, o dicionário é uma forma de compartilhar e
difundir conhecimento adquirido em estudos de campo, além de abrir
portas para o registro da história das comunidades, passadas geralmente
de geração para geração. “Essa é uma oportunidade de as pessoas
conhecerem as favelas pelos olhos daqueles que vivenciam e estudam
aquela realidade riquíssima, aliás. É ali que surgem as modas, as
danças, a cultura, que depois vão para a zona sul”.
Quem acessar o
dicionário vai se deparar com verbetes sobre baile funk, rolezinho,
turismo em favela, lan house e mutirão da laje. E também com iniciativas
com menos visibilidade, como o do movimento artístico Poesia de
Esquina, o Museu da Maré, a história da Cruzada São Sebastião, o teatro
contra a intolerância, as iniciativas de comunicação popular e muito
mais.
Há também surpresas para aqueles que acham que conhecem uma
comunidade, mas podem estar errando feio. “A imprensa, por exemplo, fica
chamando de Dona Marta a favela Santa Marta (a primeira a receber uma
Unidade de Polícia Pacificadora), e isso incomoda os moradores”, disse
Sônia Fleury. “O desconhecimento mostra desprezo com a história da
comunidade”, completa Fleury. O wikifavela explica que o morro se chama
Dona Marta e a favela Santa Marta.
Muitas vezes, complementados
com imagens, os verbetes têm mais de uma versão. É o caso de milícias.
Um deles é assinado pelo sociólogo e cientista social Marcelo Burgos, um
dos primeiros investigadores do fenômeno na favela Rio das Pedras, na
capital fluminense, que começou com ex-policiais e bombeiros cobrando
por serviços de segurança, e hoje administra uma série de negócios
ilegais.
O outro verbete é de autoria do professor da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro e sociólogo José Cláudio de Souza
Alves. Ele comenta a existência dos grupos paramilitares sob ótica do
fenômeno na Baixada Fluminense, onde estão relacionados a grupos de
extermínio.
A vereadora Marielle Franco, além de batizar o
dicionário, assina um dos verbetes sobre as unidades de polícia
pacificadora. Marielle narra como as UPP se tornaram uma “política de
repressão e controle dos pobres”, tema que abordou na dissertação de
mestrado apresentada em 2014, na Universidade Federal Fluminense (UFF) e
que virou livro. Na conclusão, ela destaca que as UPP deveriam ter sido
“unidades de políticas públicas”, mas o que se viu foi o uso do
discurso de paz para “centralizar o controle de vidas pelo Estado nas
mãos das polícias”.
Há verbetes ainda para Mães Vítimas de
Violência Estatal, para as chacinas da Candelária, de Acari, de Vigário
Geral e do Borel, militarização e religiosidade nas comunidades.
Qualquer
pessoa pode se cadastrar na wikifavela, acrescentar verbetes e
explicações para cada um deles, contanto que se inscreva na plataforma e
que a proposta esteja relacionada ao universo das favelas. O conteúdo é
submetido a um conselho editorial formado por instituições de pesquisa e
movimentos sociais, coordenado pela Fiocruz, com objetivo de deixar o
texto claro.
O próximo passo é organizar o acervo de memória das favelas. “Há uma
demanda muito grande para tornar esses acervos públicos. Têm fitas
gravadas com os primeiros moradores a ponto de se perder, recortes de
jornais sobre remoções, no caso de Cidade de Deus (formada a partir de
outras favelas), tudo. Muitas vezes, as pessoas guardam precariamente e,
agora, queremos pensar formas de guardar e disponibilizar esse
material”, disse Sônia.
Brasil ao Minuto
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