sexta-feira, 1 de março de 2019

FHC faz duras críticas a Bolsonaro

Fernando Henrique Cardoso detona Bolsonaro em entrevista a imprensa: “Agora, o cara chegou lá e não sabe o que fazer”



O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro esta semana, durante entrevista à emissora internacional da Alemanha, Deutsche Welle. FHC qualificou o atual governo como desordenado e com peças que não se encaixam. Segundo o ex-presidente, ao se referir a Bolsonaro, “O povo votou com medo da violência, medo do PT, da crise econômica e contra a corrupção. Votaram em alguém para salvar o país. Agora, o cara chegou lá e não sabe o que fazer”.
Para Fernando Henrique, o governo é composto por alas distintas e que não se conversam, algumas delas com posições atrasadas e retrógradas. “Ganhou a direita, sem dúvida, mas é uma direita que tem ideia concreta do que vai fazer? Tenho minhas dúvidas. Que há tendências atrasadas e retrógradas, está claro. Contra o globalismo, contra identidade de gênero… isso é retrógrado e não move o povo”, analisou.
Fernando Henrique afirmou que a queda do ex-ministro Gustavo Bebbiano, “em uma crise interna com os filhos”, é algo inaceitável para um governo.
Sobre a Venezuela, o ex-presidente avaliou que a posição correta é a dos militares brasileiros: “Ser contra o regime, mas deixar que eles resolvam.”
DW: No Twitter, o senhor caracterizou os primeiros dias do governo Bolsonaro como desordenado. Qual a sua avaliação até aqui?
FHC: O governo continua não só desordenado, mas também é composto por peças que não se conversam bem. Há um setor econômico que parece ter rumo, assim como o ministro da Justiça. Os outros estão tateando: um diz uma coisa, outro diz outra. Curiosamente, os ministros militares têm se manifestado com mais prudência e força de contenção do que alguns mais exacerbados. O ministro da Educação voltou atrás naquela carta que ele havia mandado para as escolas. A gente vê que vai e não vai, e isso se reflete no Congresso. Assisti à eleição do Senado, e foi caótica. Na Câmara, nem tanto, mas por força do Rodrigo Maia (DEM). Todo começo de governo é um pouco caótico, mas esse, que parecia ter rumo definido, não está conseguindo aprumar.
DW: E os filhos de Bolsonaro parecem ter um papel nessa desordem…
FHC: Esse é um outro núcleo do governo. Tem os militares, os atrasados ideológicos e os filhos, os “garotos”, como ele diz. Nunca vi nada igual. Não me lembro de nenhum governo em que a família tivesse um peso tão grande como no atual. Talvez na República Velha… Isso aqui não é uma monarquia, certo?
Família é sempre um problema. Para o presidente é melhor que a família não apareça. Não é fácil pertencer à família de quem manda. Nós não temos a tradição de ter essa confusão como está havendo agora. Além de serem filhos do presidente, há um senador, um deputado e um vereador. Têm poder e expressam poder! Presidente precisa ter uma certa distância de família e amigos. O presidente simboliza a nação, não pode ser partidário. É uma contradição. Ele precisa arbitrar conflitos. Atua e é símbolo. Precisa entender como transcender o interesse específico, e a família é um interesse muito específico.
Há uma dúvida agora: quem manda? Quem fala? Qual a influência deles? O governo está engatinhando, mas acontecem situações curiosas. O ministro das Relações Exteriores diz coisas inacreditáveis. Mas quem falou lá no Grupo de Lima? O Mourão. Nunca houve vice-presidente comandando delegação no Brasil. Ele, aliás, falou moderadamente, dizendo que não vai se envolver em conflito.
O Bolsonaro vem de um partido que não existe, criado de última hora, que não está minimamente organizado. É uma transição que não acaba, e, do jeito que as coisas caminham, acho que vamos ter mais dois ou três anos de transição, sem saber onde vai terminar, até que surjam novas lideranças e se reagrupem as forças políticas. O que foi modernizado no passado perde validade porque a internet dominou tudo. A internet faz com que as pessoas saltem os partidos, as estruturas e se movimentem por conta. Não é só aqui, mas o mundo todo discute como compatibilizar a democracia representativa e a imensa mobilidade de informação à disposição das pessoas. É o Brexit na Inglaterra, o Trump nos EUA, o Bolsonaro aqui. Sei lá o que vai acontecer na Alemanha. É um mundo de interrogação, e o Brasil está inserido nisso.
DW: O senhor esteve na Europa recentemente. O que ouviu sobre Bolsonaro?
FHC: Eles percebem a eleição no Brasil da seguinte maneira: houve um golpe para derrubar a Dilma, e o Bolsonaro é a consecução disso, com um governo de direita e fascista. De direita ele é assumidamente. Fascista, ele não é porque não tem uma ideologia consequente, mobilização popular, partido. Lá eles leem o Brasil com a tradição europeia, mas nós estamos entre o americano e a confusão caudilhesca.
Ganhou a direita, sem dúvida, mas é uma direita que tem ideia concreta do que vai fazer? Tenho minhas dúvidas. Que há tendências atrasadas e retrógradas, está claro. Contra o globalismo, contra identidade de gênero… isso é retrógrado e não move o povo. O povo votou com medo da violência, medo do PT, da crise econômica e contra a corrupção. Votaram em alguém para salvar o país. Agora, o cara chegou lá e não sabe o que fazer.
DW: Voltando a Bolsonaro, me parece que há uma dificuldade de articulação com o Congresso, mesmo ele tendo sido parlamentar por 30 anos. O que acontece?
FHC: Nunca vi o Bolsonaro, e eu fui presidente, ministro. Isso já mostra que ele não tinha representação efetiva. Não sei se ele tem capacidade para entender o jogo dos partidos. Até aqui, não está demonstrando. Quando o presidente não tem essa capacidade, alguém precisa assumir isso. O Gustavo Bebbiano caiu em uma crise interna com os filhos, algo inaceitável.
Os interesses vão se organizar no Congresso. Os militares têm interesses corporativos. Quem vai negociar? Não está claro. O Bolsonaro não assumiu interlocução com a nação. Por exemplo: vai a Davos, fala por cinco minutos e não aparece mais.
DW: Essa ausência passa pelas questões que envolvem o laranjal do PSL, a ligação do Flávio Bolsonaro com milicianos no Rio de Janeiro?
FHC: Claro, sem dúvida. A mídia não vai poupar ninguém. Todos os deslizes serão sublinhados o dia inteiro. Isso é da natureza do jogo democrático. Neste momento, a opinião pública votou no Bolsonaro e está com ele. Mas vai se manter? Como se mantém? É preciso dar tempo ao tempo porque o que parecia que ia resolver, que era a eleição, não resolveu.
Fonte: www.imprensaviva.com

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