Fernando Henrique Cardoso detona Bolsonaro em entrevista a imprensa: “Agora, o cara chegou lá e não sabe o que fazer”
O ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso fez duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro esta semana,
durante entrevista à emissora internacional da Alemanha, Deutsche Welle.
FHC qualificou o atual governo como desordenado e com peças que não se
encaixam. Segundo o ex-presidente, ao se referir a Bolsonaro, “O povo
votou com medo da violência, medo do PT, da crise econômica e contra a
corrupção. Votaram em alguém para salvar o país. Agora, o cara chegou lá
e não sabe o que fazer”.
Para Fernando Henrique, o governo é
composto por alas distintas e que não se conversam, algumas delas com
posições atrasadas e retrógradas. “Ganhou a direita, sem dúvida, mas é
uma direita que tem ideia concreta do que vai fazer? Tenho minhas
dúvidas. Que há tendências atrasadas e retrógradas, está claro. Contra o
globalismo, contra identidade de gênero… isso é retrógrado e não move o
povo”, analisou.
Fernando Henrique afirmou que a queda do ex-ministro Gustavo
Bebbiano, “em uma crise interna com os filhos”, é algo inaceitável para
um governo.
Sobre a Venezuela, o ex-presidente avaliou que a posição correta é a
dos militares brasileiros: “Ser contra o regime, mas deixar que eles
resolvam.”
DW: No Twitter, o senhor caracterizou os primeiros dias do governo Bolsonaro como desordenado. Qual a sua avaliação até aqui?
FHC: O governo continua não só desordenado, mas também é
composto por peças que não se conversam bem. Há um setor econômico que
parece ter rumo, assim como o ministro da Justiça. Os outros estão
tateando: um diz uma coisa, outro diz outra. Curiosamente, os ministros
militares têm se manifestado com mais prudência e força de contenção do
que alguns mais exacerbados. O ministro da Educação voltou atrás naquela
carta que ele havia mandado para as escolas. A gente vê que vai e não
vai, e isso se reflete no Congresso. Assisti à eleição do Senado, e foi
caótica. Na Câmara, nem tanto, mas por força do Rodrigo Maia (DEM). Todo
começo de governo é um pouco caótico, mas esse, que parecia ter rumo
definido, não está conseguindo aprumar.
DW: E os filhos de Bolsonaro parecem ter um papel nessa desordem…
FHC: Esse é um outro núcleo do governo. Tem os militares, os
atrasados ideológicos e os filhos, os “garotos”, como ele diz. Nunca vi
nada igual. Não me lembro de nenhum governo em que a família tivesse um
peso tão grande como no atual. Talvez na República Velha… Isso aqui não é
uma monarquia, certo?
Família é sempre um problema. Para o presidente é melhor que a
família não apareça. Não é fácil pertencer à família de quem manda. Nós
não temos a tradição de ter essa confusão como está havendo agora. Além
de serem filhos do presidente, há um senador, um deputado e um vereador.
Têm poder e expressam poder! Presidente precisa ter uma certa distância
de família e amigos. O presidente simboliza a nação, não pode ser
partidário. É uma contradição. Ele precisa arbitrar conflitos. Atua e é
símbolo. Precisa entender como transcender o interesse específico, e a
família é um interesse muito específico.
Há uma dúvida agora: quem manda? Quem fala? Qual a influência deles? O
governo está engatinhando, mas acontecem situações curiosas. O ministro
das Relações Exteriores diz coisas inacreditáveis. Mas quem falou lá no
Grupo de Lima? O Mourão. Nunca houve vice-presidente comandando
delegação no Brasil. Ele, aliás, falou moderadamente, dizendo que não
vai se envolver em conflito.
O Bolsonaro vem de um partido que não existe, criado de última hora,
que não está minimamente organizado. É uma transição que não acaba, e,
do jeito que as coisas caminham, acho que vamos ter mais dois ou três
anos de transição, sem saber onde vai terminar, até que surjam novas
lideranças e se reagrupem as forças políticas. O que foi modernizado no
passado perde validade porque a internet dominou tudo. A internet faz
com que as pessoas saltem os partidos, as estruturas e se movimentem por
conta. Não é só aqui, mas o mundo todo discute como compatibilizar a
democracia representativa e a imensa mobilidade de informação à
disposição das pessoas. É o Brexit na Inglaterra, o Trump nos EUA, o
Bolsonaro aqui. Sei lá o que vai acontecer na Alemanha. É um mundo de
interrogação, e o Brasil está inserido nisso.
DW: O senhor esteve na Europa recentemente. O que ouviu sobre Bolsonaro?
FHC: Eles percebem a eleição no Brasil da seguinte maneira:
houve um golpe para derrubar a Dilma, e o Bolsonaro é a consecução
disso, com um governo de direita e fascista. De direita ele é
assumidamente. Fascista, ele não é porque não tem uma ideologia
consequente, mobilização popular, partido. Lá eles leem o Brasil com a
tradição europeia, mas nós estamos entre o americano e a confusão
caudilhesca.
Ganhou a direita, sem dúvida, mas é uma direita que tem ideia
concreta do que vai fazer? Tenho minhas dúvidas. Que há tendências
atrasadas e retrógradas, está claro. Contra o globalismo, contra
identidade de gênero… isso é retrógrado e não move o povo. O povo votou
com medo da violência, medo do PT, da crise econômica e contra a
corrupção. Votaram em alguém para salvar o país. Agora, o cara chegou lá
e não sabe o que fazer.
DW: Voltando a Bolsonaro, me parece que há uma dificuldade de
articulação com o Congresso, mesmo ele tendo sido parlamentar por 30
anos. O que acontece?
FHC: Nunca vi o Bolsonaro, e eu fui presidente, ministro. Isso
já mostra que ele não tinha representação efetiva. Não sei se ele tem
capacidade para entender o jogo dos partidos. Até aqui, não está
demonstrando. Quando o presidente não tem essa capacidade, alguém
precisa assumir isso. O Gustavo Bebbiano caiu em uma crise interna com
os filhos, algo inaceitável.
Os interesses vão se organizar no Congresso. Os militares têm
interesses corporativos. Quem vai negociar? Não está claro. O Bolsonaro
não assumiu interlocução com a nação. Por exemplo: vai a Davos, fala por
cinco minutos e não aparece mais.
DW: Essa ausência passa pelas questões que envolvem o laranjal do
PSL, a ligação do Flávio Bolsonaro com milicianos no Rio de Janeiro?
FHC: Claro, sem dúvida. A mídia não vai poupar ninguém. Todos
os deslizes serão sublinhados o dia inteiro. Isso é da natureza do jogo
democrático. Neste momento, a opinião pública votou no Bolsonaro e está
com ele. Mas vai se manter? Como se mantém? É preciso dar tempo ao tempo
porque o que parecia que ia resolver, que era a eleição, não resolveu.
Fonte: www.imprensaviva.com
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