As provas contra o ex-presidente Lula: 3 mil evidências, 13 casos e R$ 80 milhões em propina
As investigações apontam pagamentos em dinheiro, depósitos bancários e imóveis – para o ex-presidente e para parentes
ÉPOCA analisou cerca de 3 mil evidências contra o ex-presidente. Elas indicam que o petista recebeu mais de R$ 80 milhões do cartel do petrolão, em dinheiro, depósitos bancários e imóveis – para si e para parentes - (Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo/AE) |
AS PROVAS CONTRA LULA
No fim da tarde de uma segunda-feira
recente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu ao palco de um
evento organizado pelo PT em Brasília. Empunhou sua melhor arma: o
microfone.
Aos profissionais da imprensa que
cobriam o evento, um seminário para discutir os rumos da economia
brasileira, o ex-presidente dispensou uma ironia: “Essa imprensa tão
democrática, que me trata maravilhosamente bem e, por isso, eu os amo,
de coração”. Lula estava a fim de debochar.
Não demorou para começar a troça sobre
os cinco processos criminais a que responde na Justiça. Disse que há
três anos ouve acusações sem o direito de se defender, como se não
tivesse advogados. “Eu acho que está chegando a hora de parar com o
falatório e mostrar prova. Eu acho que está chegando a hora em que a
prova tem de aparecer em cima do papel”, disse, alterado. Lula repetia,
mais uma vez, sua tática diante dos casos em que é réu: sempre negar e
nunca se explicar. E prosseguiu: “Eu quero que eles mostrem R$ 1 numa
conta minha fora desse país ou indevida. Não precisa falar que me deu
100 milhão, 500 milhão, 800 milhão… Prove um. Não estou pedindo dois. Um
desvio de conduta quando eu era presidente ou depois da Presidência”.
Encerrou o discurso aplaudido, aos gritos de “Brasil urgente, Lula
presidente!”.
A alma mais honesta do Brasil, como o
ex-presidente já se definiu, sem vestígio de fina ironia, talvez precise
consultar seus advogados – ou seus processos. Há, sim, provas
abundantes contra Lula, espalhadas em investigações que correm em
Brasília e em Curitiba. Estão em processos no Supremo Tribunal Federal,
em duas Varas da Justiça Federal em Brasília e na 13ª Vara Federal em
Curitiba, aos cuidados do juiz Sergio Moro.
Envolvem uma ampla e formidável gama de
crimes: corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, crime
contra a Administração Pública, fraude em licitações, cartel, tráfico de
influência e obstrução da Justiça.
O Ministério Público Federal, a Polícia
Federal, além de órgãos como a Receita e o Tribunal de Contas da União,
com a ajuda prestimosa de investigadores suíços e americanos,
produziram, desde o começo da Lava Jato, terabytes de evidências que
implicam direta e indiretamente Lula no cometimento de crimes graves.
Não é fortuito que, mesmo antes da delação da Odebrecht, Lula já fosse
réu em cinco processos – três em Brasília e dois em Curitiba.
Também não é fortuito que os
procuradores da força-tarefa da Lava Jato, após anos de investigação,
acusem Lula de ser o “comandante máximo” da propinocracia que definiu os
mandatos presidenciais do petista, desfalcando os cofres públicos em
bilhões de reais e arruinando estatais, em especial a Petrobras.
A estratégia de Lula é clara e simples.
Transformar processos jurídicos em campanhas políticas – e transformar
procuradores, policiais e juízes em atores políticos desejosos de abater
o maior líder popular do país. Lula não discute as provas, os fatos ou
as questões jurídicas dos crimes que lhe são imputados. Discute
narrativas e movimentos políticos. Nesta quarta-feira, dia 10, quando
estiver diante de Moro pela primeira vez, depondo no processo em que é
réu por corrupção e lavagem de dinheiro, acusado de receber propina da
OAS por meio do tríplex em Guarujá, Lula tentará converter um ato
processual (um depoimento) num ato político (um comício).
Se não conseguir desviar a atenção,
saindo pela tangente política, Lula terá imensa dificuldade para lidar
com as provas – sim, com elas. Nesses processos e em algumas
investigações ainda iniciais, todos robustecidos pela recente delação da
Odebrecht, existem, por baixo, cerca de 3 mil evidências contra Lula.
Elas foram analisadas por ÉPOCA.
Algumas provas são fracas – palavrórios,
diria Lula. Mas a vasta maioria corrobora ou comprova os crimes
imputados ao petista pelos procuradores. Dito de outro modo: existe
“prova em cima de papel” à beça. Há, como o leitor pode imaginar, toda
sorte de evidência: extratos bancários, documentos fiscais, comprovantes
de pagamento no Brasil e no exterior, contratos fajutos, notas fiscais
frias, e-mails, trocas de mensagens, planilhas, vídeos, fotos, registros
de encontros clandestinos, depoimentos incriminadores da maioria dos
empresários que pagavam Lula. E isso até o momento.
As investigações prosseguem em variadas
direções. Aguardem-se, apesar de alguns percalços, delações de homens
próximos a Lula, como Antonio Palocci e Léo Pinheiro, da OAS. Renato
Duque, ex-executivo da Petrobras, deu um depoimento na sexta-feira, dia
5, em que afirma que Lula demonstrava conhecer profundamente os
esquemas do petrolão. Existem outras colaborações decisivas em estágio
inicial de negociação. Envolvem crimes no BNDES, na Sete Brasil e nos
fundos de pensão. Haja prova em cima de papel.
Trata-se até agora de um conjunto
probatório, como gostam de dizer os investigadores, para lá de
formidável. Individualmente e isoladas, as provas podem – apenas –
impressionar. Coletivamente, organizadas em função do que pretendem
provar, são destruidoras; em alguns casos, aparentemente irrefutáveis.
Nesses, podem ser suficientes para
afastar qualquer dúvida razoável e, portanto, convencer juízes a
condenar Lula por crimes cometidos, sempre se respeitando o direito ao
contraditório e à ampla defesa – e ao direito a recorrer de possíveis
condenações, como qualquer brasileiro. Não é possível saber o desfecho
de nenhum desses processos.
Ainda assim, os milhares de fatos
presentes neles, na forma de provas judiciais, revelam um Lula bem
diferente daquele que encanta ao microfone. As provas jogam nova luz
sobre a trajetória de Lula desde que assumiu o Planalto. Assoma um
político que conheceu três momentos distintos.
O primeiro momento deu-se como um
presidente da República que decidiu testar os limites do fisiologismo e
clientelismo da política brasileira. A partir de 2003, e com mais força
em 2004, Lula começou a agir para beneficiar, em atos sucessivos,
empreiteiras e grandes grupos empresariais, por meio de homens de
confiança em postos-chave no governo. Era, naquele momento, um político
cujas campanhas e base aliada eram financiadas, comprovadamente, com
dinheiro de propina desses mesmos empresários – entre outros. Era um
político que caíra nas graças do cartel de empreiteiras que rapinava a
Petrobras e comprava leis no Congresso.
O segundo momento sobreveio entre 2009 e
2010, conforme o tempo dele no poder se aproximava do fim – e,
com Dilma Rousseff como sucessora, todos, em tese, continuariam a
prosperar. Nesse ponto, assomou um político que, pelo que as provas e
depoimentos indicam, passaria a viver às custas das propinas geradas
pelo cartel que ajudara a criar. Entre 2009 e 2010, o cartel, em
especial Odebrecht e OAS, passou a se movimentar para assegurar que Lula
e sua família tivessem uma vida confortável. Faziam isso porque, como
já explicaram, deviam propina ao ex-presidente e, não menos importante,
pela expectativa de que ele usasse sua influência junto a Dilma Rousseff
para manter o dinheiro do governo entrando nas empresas – como fez, de
fato, em algumas ocasiões.
Nesse período de final de mandato, houve
uma série de operações fraudulentas e clandestinas, comandadas pelo
cartel, que resultaram na multiplicação do patrimônio de Lula. Usaram-se
laranjas e intrincadas transações financeiras para esconder a origem do
dinheiro dos novos bens do ex-presidente. Mas, hoje, esses estratagemas
foram descobertos, com fartura de provas, pelos investigadores.
Da Odebrecht, Lula ganhou o prédio para
abrigar seu instituto, um apartamento em São Bernardo do Campo, onde
mora até hoje, e a reforma de um sítio em Atibaia que, todas as provas
demonstram, pertence ao petista, e não é somente “frequentado” por ele.
Da OAS, ganhou o famoso tríplex em Guarujá, assim como as reformas
pedidas por ele – o apartamento só ficou pronto após a Lava Jato, de
modo que não houve tempo para que Lula e família se mudassem para lá. A
mesma OAS passou a bancar o armazenamento do acervo presidencial do
petista. Todas essas operações – todas – foram feitas clandestinamente,
para ocultar o vínculo entre Lula e as empreiteiras. Todas foram
debitadas do caixa de propinas que Lula mantinha junto às empreiteiras.
Além de dar moradia a Lula, as
empreiteiras passaram a bancar o ex-presidente e sua família, além de
pessoas próximas. Havia, segundo as provas disponíveis, pagamentos de
propina da Odebrecht a um dos filhos do presidente, a um irmão dele, a
um sobrinho e a Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula e um dos
assessores mais próximos de Lula. Havia pagamentos em dinheiro vivo e,
em alguns, casos, por meio de empresas – como a de um filho e a de um
sobrinho. Havia, ainda, os pagamentos à empresa de palestras de Lula e
ao próprio Instituto Lula. Na maioria dos casos, segundo as evidências,
não se tratava de doação ou contratação para palestras, embora essas
tenham acontecido em alguns casos. Trata-se de propina disfarçada de
doação. Até que a Lava Jato mudasse tudo, Lula e seus familiares
receberam, de acordo com as evidências disponíveis e se obedecendo a um
cálculo conservador, cerca de R$ 82 milhões em vantagens indevidas –
bens ou pagamentos ilegais.
O terceiro momento de Lula, aquele que as provas revelam com mais
nitidez, precipita-se em março de 2014, quando irrompe a Lava Jato. O
petista, que sabia o que fizera e intuía o potencial da operação,
preocupou-se. É esse Lula preocupado – quiçá desesperado – que aparece
nos processos de obstrução da Justiça. Que, segundo depoimentos e
documentos, tenta destruir provas.
Tenta, em verdade, destruir a Lava Jato, para por ela não ser
destruído. Há semanas, dias antes do discurso de Lula em Brasília, a voz
rouca de Léo Pinheiro sacudira Curitiba.
Diante do juiz Sergio Moro, Léo Pinheiro
expunha segredos guardados por anos. “Eu tive um encontro com o
presidente, em junho… bom, isso tem anotado na minha agenda, foram
vários encontros.” Era 20 de abril e Léo falava de um encontro mantido
há quase três anos, em maio de 2014, quando a Lava Jato começava a
preocupar. “O presidente, textualmente, me fez a seguinte pergunta:
‘Léo’, e eu notei até que ele estava um pouco irritado, ‘você fez algum
pagamento a João Vaccari no exterior?’. Eu disse: ‘Não, presidente,
nunca fiz nenhum pagamento dessas contas que nós temos com Vaccari no
exterior’. ‘Como é que você está procedendo os pagamentos para o PT?’.
‘Através do João Vaccari. Estou pagando, estamos fazendo os pagamentos
através de orientação do Vaccari, caixa dois e doações diversas que nós
fizemos a diretórios e tal’. ‘Você tem algum registro de algum encontro,
de conta, de alguma coisa feita com o João Vaccari com você? Se tiver,
destrua. Ponto. Acho que quanto a isso não tem dúvida’.”
Lula, como Renato Duque confirmou em
depoimento a Moro na sexta-feira, estava se mexendo para descobrir
quanto estava sob risco. No depoimento, Duque, que fora indicado pelo PT
e pelo próprio Lula à Diretoria de Serviços da Petrobras, destruiu o
antigo chefe. Disse, como Léo Pinheiro, que Lula “tinha o pleno
conhecimento de tudo, tinha o comando”. Referia-se ao petrolão.
Nas últimas semanas, Duque e o
ex-ministro Palocci disputavam quem fecharia antes um acordo de delação
premiada, em busca de pena menor. Ambos pretendiam entregar informações
sobre Lula, pois suas defesas detectaram que a Lava Jato queria mais
elementos para cravar que o então presidente não só sabia da existência,
como comandava o esquema de corrupção na Petrobras.
Palocci recuou duas ou três casas em sua
negociação, após a libertação do ex-ministro José Dirceu. Duque
aproveitou para avançar. Disse que encontrou Lula pessoalmente três
vezes. “Nessas três vezes ficou claro, muito claro para mim, que ele
tinha pleno conhecimento de tudo, tinha o comando”, disse Duque. No
último encontro, em 2014, segundo Duque, Lula perguntou se ele tinha
recebido dinheiro na Suíça da holandesa SBM, fornecedora da Petrobras.
Duque diz que negou. Lula, então, perguntou: “Olha, e das sondas? Tem
alguma coisa?”. Lula se referia a negócios da Sete Brasil, a estatal
criada para turbinar o petrolão. Duque afirma que mentiu a Lula ao dizer
que não tinha. Ouviu do então presidente, de saída do cargo: “Olha,
presta atenção no que vou te dizer. Se tiver alguma coisa, não pode ter,
entendeu? Não pode ter nada no teu nome, entendeu?”.
No ano seguinte, Lula prosseguiu em sua
tentativa desesperada de sabotar a Lava Jato. Em maio de 2015, o então
senador Delcídio do Amaral foi à sede do Instituto Lula, em São Paulo.
Àquela altura, líder do governo no Senado, Delcídio era um interlocutor
frequente de Lula sobre a situação precária do governo Dilma no
Congresso, mas, principalmente, sobre o avanço da Lava Jato em direção
ao coração petista.
Na conversa, Lula se disse preocupado
com a possibilidade de seu amigo, o pecuarista José Carlos Bumlai, ser
engolfado pela operação. Delcídio percebeu que fora convocado para
discutir o assunto. Avisou que Bumlai poderia ser preso devido às
delações do lobista Fernando Baiano e do ex-diretor da Petrobras Nestor
Cerveró. Delcídio também tinha medo disso, pois recebera propina junto
com Cerveró. Então, contou a Lula que, quatro meses antes, recebera um
pedido de ajuda financeira de Bernardo, filho de Cerveró. Delcídio
afirma que Lula determinou que era preciso ajudar Bumlai.
Assim, Delcídio passou a trabalhar. Dias
depois, encontrou-se com Maurício, filho de Bumlai, e “transmitiu o
recado e as preocupações de Lula”. Maurício topou a empreitada: era
preciso bancar as despesas com advogado e sustentar a família para
“segurar” a delação de Cerveró e, assim, tentar salvar o pai de
Maurício.
Nos meses seguintes, Maurício Bumlai
entregou R$ 250 mil em espécie a um assessor de Delcídio, em encontros
em São Paulo. O dinheiro era levado depois à família Cerveró. Quando, em
setembro, ÉPOCA publicou que Cerveró fechara um acordo de delação,
Maurício interrompeu os pagamentos. Em novembro de 2015, Delcídio foi
preso, por ordem do Supremo, por tentar obstruir a Lava Jato.
Por meio de nota, o Instituto Lula
afirma que “não há nenhum” ato ilegal nas delações dos executivos da
Odebrecht e que as delações não são provas, mas “informações prestadas
por réus confessos que apenas podem dar origem a uma investigação. Por
enquanto, o que existe são depoimentos feitos aos procuradores, a
acusação, divulgados de forma espetacular”. Sobre a “conta Amigo”, a
nota afirma ser “a mais absurda de todas as ilações no depoimento de
Marcelo Odebrecht”. “Se for verdadeiro o depoimento, Marcelo Odebrecht
teria feito, na verdade, um aprovisionamento em sua contabilidade para
eventuais e futuras transferências ou pagamentos.
A ser verdadeira, trata-se, como está
claro, de uma decisão interna da empresa. Uma ‘conta’ meramente virtual,
que nunca se materializou em benefícios diretos ou indiretos para
Lula.”
Sobre a ajuda da Odebrecht a Luís
Cláudio, um dos filhos de Lula, o Instituto Lula afirma que “mesmo
considerando real o relato de delatores que precisam de provas, Emílio
Odebrecht e Alexandrino Alencar relatam que a ajuda para o filho de Lula
iniciar um campeonato de futebol americano foi voluntária e após
diversas conversas e análises do projeto”. Sobre a mesada de R$ 5 mil
que a Odebrecht pagou por anos a Frei Chico, irmão do ex-presidente, a
nota afirma que “não só Lula não pediu, como não foi dito que Lula teria
pedido”. Afirma que o principal assessor de Lula, Paulo Okamotto,
“negou ter recebido qualquer ‘mesada’ de Alexandrino Alencar”. O
Instituto diz que a Odebrecht não inventou Lula como palestrante e que
“as palestras eram lícitas e legítimas”.
Fonte: epoca.globo.com
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