Após pedido de Bolsonaro, Brasil desconvida Cuba e Venezuela para posse
O
governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) deu ordens ao
Ministério de Relações Exteriores para que desconvidasse os chefes de
Estado da Venezuela e de Cuba para a sua cerimônia de posse, em 1º de
janeiro, em Brasília.
Segundo o Itamaraty, a pasta recebeu
inicialmente do governo eleito a recomendação de que todos os chefes de
Estado dos países com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas
deveriam ser convidados.
Em um segundo momento, contudo, o MRE foi
instruído a desfazer os convites que já haviam sido enviados aos
líderes Nicolás Maduro, da Venezuela, e Miguel Díaz-Canel, de Cuba.
Do
ponto de vista diplomático, a decisão de desconvidar de última hora os
chefes de Estado das duas nações é considerada extremamente deselegante.
Vai contra a tradição brasileira seguida anteriormente pelo Itamaraty,
de enviar convites a todas as nações com que o Brasil mantém relações,
até mesmo aquelas com governos autoritários.
Esta é a primeira vez desde a redemocratização que um convite para o evento é desfeito dessa maneira, segundo especialistas.
O
gesto é coerente com o discurso empregado até agora pelo presidente
eleito com relação à Cuba e à Venezuela. Porém, pode prejudicar os
canais de comunicação existentes com os governos e até diálogos futuros
para negociar o fim da crise política, econômica e humanitária vivida
pelas duas nações.
“Tomamos uma decisão que vai contra a longa
tradição brasileira de convidar todo o mundo para a posse”, afirma
Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington.
“Foi
um equívoco, deveriam ter mantido os convites”, completa o diplomata,
que critica também a opção do Brasil em desfazer os convites às duas
nações, mas manter na lista de convidados chefes de Estado de outras
nações tão ou até mais autoritárias do que Venezuela e Cuba.
“A
decisão de desconvidar é um sinal de descortesia, um gesto pesado”, diz
Alberto Pfeifer, coordenador adjunto do Grupo de Análise de Conjuntura
Internacional (GACInt) junto ao Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de São Paulo.
O caso veio à tona no domingo 16,
quando o futuro Ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo anunciou
que a Venezuela não havia sido convidada para a posse de Bolsonaro.
Pelo
Twitter, Araúlo afirmou que a decisão foi tomada “em respeito ao povo
venezuelano” e que “não há lugar para Maduro numa celebração da
democracia”.
Pouco depois, o chanceler venezuelano Jorge Arreaza
desmentiu a afirmação e garantiu que o presidente Nicolás Maduro recebeu
um convite do governo brasileiro. A autoridade publicou em seu perfil
no Twitter imagens de um documento enviado pelo Ministério das Relações
Exteriores em 29 de novembro, no qual informa a data da posse e convida o
líder do país para assisti-la.
Arreaza publicou, ainda, o
documento que o governo da Venezuela enviou em resposta ao convite, em
12 de dezembro, no qual afirma que “não assistiria jamais a posse de um
presidente que é a expressão da intolerância, do fascismo e da entrega a
interesses contrários à integração latino-americana e caribenha”.
Segundo
o Itamaraty, toda a organização da posse é feita em coordenação com o
governo eleito. O documento de convite foi enviado à Venezuela após
recomendação da cúpula de Bolsonaro de que “todos os chefes de Estado e
de Governo dos países com os quais mantemos relações diplomáticas
deveriam ser convidados”.
“Em um segundo momento, foi recebida a
recomendação de que Cuba e Venezuela não deveriam mais constar da lista,
o que exigiu uma nova comunicação a esses dois governos”, afirmou o
Ministério em nota enviada a VEJA.
A decisão de desfazer o convite
condiz com a posição política e ideológica que Jair Bolsonaro vem
propondo desde a campanha eleitoral. O político do PSL afirma que seu
objetivo é se distanciar dos governos de esquerda da América do Sul,
especialmente de Cuba e da Venezuela.
Para a professora de
Relações Internacionais da ESPM, Denilde Holzhacker, a medida é, mais do
que uma estratégia geopolítica contra a autoritarismo dos governos, uma
ação simbólica. “O objetivo é demarcar a posição ideológica desse
governo e indicar uma mudança da política externa brasileira daqui para
frente”, afirma.
Em
relação ao governo de Nicolás Maduro, o presidente eleito já deixou
claro que se posicionará como forte oposição. Mas seu futuro ministro da
Defesa, general Augusto Heleno, indicou não haver fundamentação nas
especulações de que tenha a intenção de apoiar uma intervenção militar
ou declarar guerra ao país vizinho.
Suas declarações sobre Cuba,
por outro lado, já tiveram consequências práticas. O governo de
Díaz-Canel decidiu deixar o programa Mais Médicos em novembro e desde
então, o país vive uma situação difícil para preencher as vagas deixadas
pelos profissionais cubanos.
As indicações de Bolsonaro de que
poderia fechar a embaixada brasileira em Havana também preocupam a
comunidade diplomática brasileira. Muitos enxergam esse posicionamento
como um retrocesso, uma vez que cortará de vez qualquer possibilidade de
interlocução com o também novo governo cubano.
Consequências diplomáticas
A decisão de desconvidar os representantes da Venezuela e de Cuba para a
posse de Bolsonaro podem prejudicar ainda mais os canais de
comunicações existentes entre o Brasil e as duas nações, com base no
princípio da reciprocidade aplicado na diplomacia, segundo Alberto
Pfeifer.
A consequências não devem ter grande impacto para a
política externa brasileira, já que os dois países têm pouca influência
no cenário internacional e enfrentam uma agenda doméstica conturbada.
Ainda assim, segundo o especialista, a ação pode provocar uma mudança de
posição das nações latino-americanos em órgãos como ONU e OEA
(Organização dos Estados Americanos).
“O gesto é coerente com o
discurso da nova administração, mas pode ter consequências problemáticos
para o próprio objetivo do governo”, diz Pfeifer, que aponta que a
quebra nos canais de comunicação com Cuba e Venezuela poderia prejudicar
as negociações para o fim da crise política, econômica e humanitária
nas nações.
Quando assumir o governo, Bolsonaro terá de lidar com uma grave crise migratória envolvendo, principalmente, a Venezuela.
O
país atravessa uma feroz crise econômica e política que tem obrigado
milhares de venezuelanos a imigrar para o Brasil, principalmente pelo
Estado de Roraima. Segundo projeção divulgada na sexta-feira 14 pela
ONU, o número de imigrantes venezuelanos no Brasil deve dobrar em 2019 e
chegar a quase 200.000 pessoas.
Fonte: Veja Online - Publicado por: Fabricia Oliveira
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