Conflitos das eleições fazem brasileiros desistirem de Natal com a família reunida
A
empresaria Betina (nome fictício), de 48 anos, sempre passou o Natal
com a família reunida. No caso, ela, o marido, o filho, a mãe, o irmão, a
cunhada e os sobrinhos. Esse ano, pela primeira vez, ela se prepara
para passar o Natal desgarrada. Motivo: uma briga com a cunhada que
começou na época das eleições – e até hoje não foi superada.
“Meu
irmão e minha cunhada moram em Miami e costumamos passar o Natal lá,
juntos. Esse ano, não deu. O clima ficou pesado. Tive uma briga com a
minha cunhada no WhatsApp da família. Discordamos politicamente e ela
foi agressiva, me ofendeu. Ela não fala comigo até hoje.”
Enquanto
sua mãe e irmão e sobrinhos vão passar o Natal em Miami, Betina vai
ficar em São Paulo com o marido e o filho. E vai fazer uma festa para
amigos. “Já tenho umas 20 pessoas confirmadas que estão na mesma
situação”, conta.
Sim, as eleições
mais polarizadas da história provocaram brigas e rachas em várias
famílias, e muitas desses conflitos ainda não foram superados,
interferindo nas festas de Natal (uma época, vale lembrar, em que as
tensões já ficam acirradas. Quem nunca recebeu uma pergunta indiscreta
de um tio do tipo: “cadê os namoradinhos?”).
Família é para sempre? Sim, mas alguns desentendimentos ainda não foram digeridos, como mostra o escritor Santiago Nazarian.
“Esse
ano, eu não vou celebrar Natal em família. Foi muito pesada essa
eleição para mim, e a total falta de solidariedade deixou um gosto bem
amargo”, conta Santiago.
“No primeiro
turno foi tudo bem. Eu votei no Ciro Gomes, mas entendo que é preciso
ser tolerante, até porque a maior parte da minha família é de direita.
Respeito quem votou em qualquer candidato. Mas alguém como Bolsonaro,
que é a favor da tortura, vai muito além do aceitável. Isso sem falar no
racismo e na postura preconceituosa”, diz ele. As coisas pioraram no
segundo turno. “Como escritor e homossexual, se tornou uma briga pessoal
minha”.
Santiago passou a questionar
o quanto a família aceitava sua orientação sexual. Apesar da minha
família aceitar “numa boa”, essa abertura para um candidato que tem
posturas homofóbicas, para mim, deixou claro que não é bem assim, que
eles não comprariam briga pela minha causa”. A família de Santiago ficou
dividida. “Do meu lado, sobraram apenas minha irmã e meu marido. Sei
que família é para sempre. Mas esse ano não tenho estômago”, diz
Santiago.
A arquiteta aposentada
Mariana (nome ficticio) vive o outro lado do conflito. “Não coloca meu
nome, pelo amor de Deus”, ela pede. Motivo: Mariana tem medo de criar
mais brigas com as duas filhas. Mariana votou em Bolsonaro, as duas
filhas foram ativistas dos protestos de mulheres contra Bolsonaro. “Elas
me pressionaram, tudo virava bate boca”. Ela teme que os conflitos
voltem no Natal. “Disse para elas que esse assunto está proibido, mas
vamos ver”. Ela teme que qualquer coisa faça o conflito voltar e o Natal
“seja destruído”.
Acirramento de conflitos
“Essa
é a primeira vez que eu e minha mulher vamos passar o Natal na nossa
casa, apenas com amigos “, diz o professor Claudio Souza. “Costumávamos
passar com a família da minha esposa. Sempre tivemos diferenças
políticas. Mas eram levadas com civilidade, até brincávamos com isso.
Elas vinham se acirrando, mas sempre foram superadas. No caso dessas
eleições, não deu. Eles votarem no Bolsonaro, para a gente, foi cruzar
uma linha que não podia ser ultrapassada. Tentamos argumentar, falamos
para que votassem nulo. Não sei o que aconteceu. Sei que eu e
minha mulher, agora, não conseguimos olhar para a cara deles como
antes”.
Tem quem ja tenha superado os
conflitos. Caso do arquiteto Caio Vieira e sua mãe. “Votei no
Bolosonaro, e ela o detesta”. Durante as eleições, os dois se
estranharam. “Brigamos, sim. Ela deu uma viajada no Face, generalizando,
falando que todo mundo que votava no Bolsonaro era machista. Foi a
primeira e última vez que me comentei as coisas que ela escrevia na
eleição. Disse que preferia ser machista do que ser ladrão”, conta. “Na
época das eleições, as pessoas estavam muito fervorosas. Mas, com o
tempo foi passando, parei de tocar muito no assunto na internet”. Ele
garante que as diferenças políticas não vão interferir no Natal da
família. “Nos amamos e nos respeitamos. Sempre achamos uma soluação para
tudo”.
Para quem não tem essa
“superioridade°, dar um tempo, segundo a psicanalista Ana Bellan, pode
ser saudável.”Tenho visto muita gente falando: ‘esse ano, não’. Dar um
tempo pode ser bom. Algumas pessoas estão mostrando uma faceta perversa,
que sempre esteve lá, mas, nas eleições, ficaram ativadas nesses tempos
de WhatsApp”, diz Ana.
Natal sempre foi complicado. Mas por quê? E por que nesse ano está mais difícil?
“No
Natal, acontece um encontro com varias gerações, com pessoas que não
são tão próximas, pode gerar muita tensão. Nos deparar com nossas
origens pode causar estranhamento. Fora isso, o fim do ano traz uma
época de balanço”, diz a psicanalista. “Passar o Natal com os amigos
pode suavizar esse momento”.
E, lembrem: uma hora, as brigas vão acabar, certo?
Fonte: Universa - Créditos: Nina Lemos
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