A gente se sentia explorado, diz médico cubano que saiu do programa Mais Médicos
Integrante
 do Mais Médicos por quase três anos, o médico cubano Adrian Estrada 
Barber disse à Folha de S.Paulo que se sentia explorado pelo programa e 
acha que muitos colegas irão abandoná-lo para ficar no Brasil até o 
final do ano.
 Barber lamentou o fim 
da parceria com Cuba, mas atribuiu a decisão a uma “estratégia política”
 do regime cubano, e não às exigências do presidente eleito, Jair 
Bolsonaro (PSL), que pediu a realização de testes de capacidade, o envio
 do salário integral aos profissionais (hoje, eles recebem apenas parte 
do subsídio, que é retido por Cuba) e a possibilidade de que eles 
trouxessem suas famílias ao Brasil.
“Eu concordo totalmente [com as exigências]. A maioria se sentia explorada”, disse.
O
 profissional deixou o Mais Médicos em 2016, quando passou no Revalida 
(prova para validar o diploma no país) e começou a clinicar por conta 
própria. Por causa disso, foi qualificado como “desertor” e está 
proibido de voltar a Cuba por oito anos.
Barber
 se casou com uma brasileira, após uma longa espera judicial motivada 
por impedimentos em seu contrato de trabalho, como noticiado pela Folha.
 Hoje, ele tem um filho de dois anos, nascido no Brasil.
Quanto tempo o sr. ficou no Mais Médicos?
Fiquei
 um pouco menos de três anos. Eu recebia R$ 2.976 por mês de Cuba, mais a
 ajuda do município [em Arapoti, interior do Paraná], de moradia e 
alimentação, de R$ 2.500. O resto do pagamento ia todo para o governo de
 Cuba. Era suficiente [para pagar as contas]. Era só a minha mulher e 
eu, não tínhamos criança, nada. Não dava para comprar um carro bom, uma 
casa, mas dava para as continhas, sim. Mas, para um padrão de um médico,
 no Brasil, está muito fora da realidade.
O sr. se sentia explorado?
Explorado,
 acho que todo cubano se sente. Com certeza. A gente saiu de Cuba com o 
objetivo de economizar uma grana para continuar o estudo por lá, depois.
 Para a gente, era muito bom esse dinheiro, porque era muito mais do que
 conseguíamos ganhar em Cuba. E também ter outra experiência, sair, 
olhar a realidade do mundo. Mas quando a gente chega aqui e vê como 
funciona o mundo, aí, para mim, ficou decidido que não dava mais para 
voltar.
Eu acho que a maioria dos 
médicos se sente reprimida pelo sistema de Cuba. A gente não tem 
liberdade de fazer as coisas. Por exemplo, agora, eu não consigo entrar 
no meu país durante oito anos [por ter deixado o Mais Médicos]. Tive a 
minha liberdade completamente limitada.
Aqui
 no Brasil, ainda foi muito mais tranquilo do que na Venezuela [que 
também mantém um programa de intercâmbio com médicos de Cuba]. Eu não 
cheguei a ir para lá, mas tenho colegas que foram. Tinham que dar uma 
preliminar do que iriam fazer durante o dia, não podiam sair depois das 
18h. Foi uma perseguição terrível.
Mas o sr. tinha alguma restrição em sua rotina no Brasil?
Não,
 aqui não tinha regra. Mas, por exemplo, na hora do casamento, eu estava
 com medo. Segundo o contrato, eu tinha que pedir autorização ao governo
 cubano, tinha que falar que ia casar. Eu acho um absurdo isso. Não 
preciso falar com ninguém do governo. Eu sou livre para casar ou não.
 Eu lembro que vocês fizeram uma reportagem. No dia 23, vocês foram a 
Arapoti. No dia 24, o coordenador do programa [que era cubano] me ligou.
 Queria saber o que estava acontecendo, por que eu estava dando 
entrevista. Me questionando. Aí eu falei para a minha esposa: vamos 
casar logo, porque eu não sei o que vai acontecer. Aí casamos dia 25, 
com medo de que me falassem para voltar para Cuba.
Por que o sr. decidiu deixar o Mais Médicos?
Eu
 fiz o Revalida com o objetivo de ficar no Brasil, porque eu havia 
casado, minha esposa estava grávida. Tinha que fazer para ter uma 
estabilidade profissional e econômica no Brasil. Eu não sabia o que ia 
acontecer. E se me mandam embora para Cuba? Não tinha como. Eu não ia 
deixar minha família aqui.
Aí, fiz o 
Revalida. Passei [em 2016] no exame teórico, depois no prático e na 
prova de proficiência em português. Apresentei minha documentação na 
universidade e pronto, me deram o CRM [registro do Conselho Regional de 
Medicina].
Aí, pedi para me 
descredenciarem do programa. Mas [representantes de Brasil e Cuba] foram
 enrolando. Eu era livre, tinha permanência legal no país, tinha CRM. 
Mas me questionaram, falaram que eu não podia me desligar, que eu não 
estava indo mais. Eu realmente não estava, porque não queria mais estar 
no programa. Eu pedi para me liberarem, mas não queriam. Disseram que eu
 tinha um consultório particular. Pô, mas eu tenho CRM. Eu posso ter um 
consultório.
Como o sr. avalia o fim da parceria com Cuba?
Eu
 acho que foi uma grande estratégia política. O governo do PT era afim 
ao governo de Cuba. Eram dois governos de esquerda. Para mim, eles 
disseram: ‘Fala para o governo de Cuba mandar todo mundo embora’. Para 
começar o governo do Bolsonaro de um jeito ruim.
Então, o sr. atribui a responsabilidade pelo rompimento do programa ao governo cubano, e não ao brasileiro?
 Com certeza. Não foi o governo brasileiro que mandou os médicos embora.
 Ele colocou algumas exigências, mas não exigiu o fim. E o governo 
cubano decidiu mandar todo mundo embora. Porque vai perder. Não vão mais
 mandar grana para lá.
O sr. concorda com as exigências que o governo Bolsonaro fez?
Lógico.
 Porque não tem por que duvidar da nossa capacidade. Por que não fazer o
 teste? Que faça, sim. O Mais Médicos está funcionando errado, 
atualmente. A prioridade [para contratação no programa] eram os médicos 
brasileiros. Depois, os brasileiros que não têm CRM. Uma terceira opção 
seriam os médicos estrangeiros. E, como última opção, os médicos 
conveniados pela OPAS, que são os cubanos. A gente acabou virando a 
prioridade, mas éramos a quarta escolha. Não está correto. Meu país 
também está precisando de médico. E por que mandou todo mundo para cá? É
 tirar a roupa de um santo e vestir em outro.
Foi
 uma opção política, com certeza. Eles achavam que iam mudar a ideia do 
povo brasileiro, para continuar com um governo de esquerda. Espalharam 
médicos cubanos por todo o país. Mas por quê? No Norte, Nordeste, onde 
ninguém queria trabalhar, beleza, eu acho ótimo. Que vão lá trabalhar. 
Mas, por exemplo, tem uma cidade bem próxima aqui, Ponta Grossa, que 
fica a 100 km de Curitiba. Por que Ponta Grossa tem que ter 60 médicos 
cubanos? A prefeitura fez um concurso público recentemente, e teve um 
monte de médico brasileiro que se alistou para fazer. Não tem médico 
interessado? Tem, sim. Mas o prefeito prefere pagar um valor muito baixo
 e justificar dizendo que não há médico brasileiro.
O sr. acha que os municípios se aproveitaram do programa?
Tem
 muito município que se aproveitou, sim. Muitos tiraram o médico 
brasileiro do posto de saúde para colocar um cubano. Está errado. Em 
Wenceslau Braz [no interior do Paraná], tinha um dermatologista que 
trabalhava no posto e foi retirado para colocarem um médico cubano. Em 
Arapoti, conheci um médico que tinha CRM e queria entrar no programa, e 
não deixaram entrar, porque disseram que só tinha vaga para cubanos.
O
 Mais Médicos é um programa bom, porque prioriza as áreas carentes, dá 
atendimento à população. Mas não é tão bom para o médico. O objetivo 
final dele foi político. Para Cuba, era bom, porque recebia muito 
dinheiro do Brasil. E, para o governo brasileiro, era bom porque estavam
 fazendo a cabeça de todo mundo.
 Mas e a população? Muitos municípios vão ficar sem médicos em função do fim da parceria com Cuba.
Tem
 município que vai ficar sem cobertura, sim, por um tempinho. Mas eu 
acredito que há médicos suficientes no Brasil para fazer essa cobertura.
 Você consegue estimular isso por meio de programas sociais. Por 
exemplo, há muito financiamento público de faculdade. “Olha, você vai 
ter dois anos para pagar isso, trabalhando lá no Xingu”, por exemplo. E 
se ele gosta do trabalho? E se ele casa por lá? Tem muita chance de que 
esse médico fique trabalhando por lá.
Bolsonaro chegou a dizer que os médicos cubanos desempenham um “trabalho análogo à escravidão”. O sr. concorda?
Concordo
 plenamente. E não é só aqui no Brasil. Acontece no meu país, também. Em
 Cuba, um funcionário da rede de hotéis Meliá recebe US$ 2.000 por mês. 
Mas isso não chega na mão dele, não. Vai para o governo, que converte 
isso em pesos cubanos, e manda para o funcionário o equivalente a US$ 80
 por mês. E fica com o resto. É um trabalho escravo. Está roubando 
dinheiro do funcionário.
Depois que o sr. deixou o Mais Médicos, como ficou sua situação?
O
 governo cubano me qualifica agora como desertor. É um termo usado no 
Exército. As pessoas são condenadas por isso. É como se eu fosse 
propriedade do Estado. Mas eu não sou militar, eu sou médico. Eu não 
pertenço ao Estado. Eu sou meu. Não posso voltar a Cuba durante oito 
anos.
Eles [o governo] queriam que eu
 voltasse para lá, para então me desligar do programa. Para mim, tinha 
uma chance bem alta de me deixarem lá. Já aconteceu com muitos colegas 
meus: ficaram cinco anos esperando para voltar para o país em que 
trabalhavam. Gente casada com um estrangeiro, com filho. Aí eu, com 
esposa grávida, vou voltar para Cuba, e arriscar ficar cinco anos longe?
 Jamais.
O sr. ainda tem família em Cuba?
Sim,
 meus pais e irmão ainda estão em Cuba. Não sofreram represália. Eles 
podem vir me visitar, mas é toda uma burocracia, demora três meses para 
liberar, é caro. Só a documentação dá cerca de R$ 1.000. E a gente tem 
que pagar, porque o salário do meu pai é de cerca de R$ 15 por mês. Daí,
 imagina. Atualmente, eu ganho mais do que na época do Mais Médicos, mas
 trabalho mais, também. Faço plantão, trabalho em posto. Mas valeu a 
pena. Hoje, eu sustento minha família aqui e minha família em Cuba. São 
três famílias: a minha, a do meu pai e do meu irmão.
O que o sr. acha que vai acontecer com seus colegas cubanos agora? Acha que muitos irão desertar?
 Com certeza. Tomara que fiquem. Porque a probabilidade de um médico 
cubano passar no Revalida é muito alta. Eu escuto muito comentário, que 
tem cubano que não é médico, que vieram socorristas… Eu duvido muito. 
Todos são médicos, tenho certeza absoluta. E são competentes. Por 
exemplo, recentemente, houve outra prova do Revalida aqui no Paraná. 15%
 dos que passaram na prova teórica eram cubanos. Tem muitos que querem 
ficar, não querem ir embora. Vai ter muito cubano fazendo o Revalida. E 
passando.
Fonte: Noticias ao minuto com informações da Folhapress - Publicado por: Suedna Lima 

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