O (in)acreditável mundo do WhatsApp
A pedido da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os fact-checkers da Agência Lupa analisaram
o grau de veracidade de 50 imagens que circularam no WhatsApp entre os
dias 16 de agosto e 7 de outubro de 2018, durante o primeiro turno das
eleições de 2018. Desse conjunto, apenas quatro eram comprovadamente
verdadeiras.
O conjunto sobre o qual a Agência Lupa trabalhou
foi determinado pelos pesquisadores das duas universidades, a partir de
um levantamento feito com 347 grupos públicos de discussão política no
WhatsApp, monitorados pelo projeto Eleições sem Fake, mantido pela UFMG.
Nesses grupos públicos e no período citado, 18.088 usuários postaram 846.905 mensagens. Dentre elas, 107.256 eram imagens; 71.931 eram vídeos; 13.890, áudios; 562.866, mensagens de texto e 90.962, links externos.
O conjunto analisado pela Agência Lupa corresponde às 50 imagens mais compartilhadas nesses WhatsApps coletivos durante o período citado. Veja aqui o detalhamento sobre as conclusões dos checadores.
Agora leia a versão – em português – do artigo que foi publicado nesta quarta-feira (17) no “The New York Times” com base no estudo:
‘Notícias falsas contaminam a política brasileira. O WhatsApp pode reduzir isso’
O WhatsApp, aplicativo de mensagens de propriedade do Facebook,
é uma das principais ferramentas utilizadas pelos brasileiros para
contatar amigos e família – e para fazer negócios. A cada dia que passa,
ele está mais inserido na política do país. Levantamento do Datafolha mostrou que 44% dos eleitores no Brasil utilizam o WhatsApp para ler informação de cunho político e eleitoral. Infelizmente, no período que antecedeu o primeiro turno da eleição presidencial,
ocorrido em 7 de outubro, o aplicativo foi utilizado para difundir um
nível alarmante de desinformação, boatos e notícias falsas.
Faltando poucas semanas para o segundo turno, que será
realizado em 28 de outubro, entre o candidato de extrema direita, Jair
Bolsonaro, e seu oponente de esquerda, Fernando Haddad, ainda há tempo
para o WhatsApp implementar mudanças temporárias na plataforma, medidas
capazes de reduzir a intoxicação da vida política brasileira. A empresa
precisa agir antes que seja tarde demais.
Medidas importantes de combate às notícias falsas foram
encampadas de forma bastante positiva no Brasil nos últimos meses. Somos
um dos 17 países onde o Facebook implantou seu projeto de verificação de notícias e
onde os fact-checkers trabalham para reduzir a presença de notícias
falsas no Feed de Notícias. O Facebook e o Google também apoiam a
iniciativa Comprova, que reúne 24 redações profissionais que, juntas, atuam para verificar links, vídeos e imagens supostamente falsos.
Mas esses esforços parecem ter empurrado as campanhas sujas
para outros espaços – em particular o WhatsApp, onde a atividade
consiste em conversas individuais, criptografadas e em chats que podem
envolver até 256 pessoas. São espaços muito mais difíceis de serem
monitorados do que o Feed de Notícias do Facebook ou os resultados das
buscas feitas no Google.
De 16 de agosto a 7 de outubro, nós monitoramos e analisamos
postagens feitas em 347 grupos públicos de WhatsApp – espaços focados em
discussões políticas, mas que representam apenas uma pequena
porcentagem dos milhares de grupos usados pelos brasileiros todos os
dias para obter informações. Nosso estudo,
fruto de uma parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), a Universidade de São Paulo (USP) e a Agência Lupa será
divulgado nesta quarta-feira (17) e mostra como a desinformação se
espalha nesse ambiente.
É difícil determinar em que medida a propagação de informações
falsas e distorcidas está ligada aos partidos políticos e aos
candidatos, mas a tática das campanhas sujas é clara: elas combinam uma
estratégia piramidal e em rede, na qual produtores criam conteúdo
malicioso e o transmitem para ativistas regionais e locais que, então,
espalham as mensagens de forma ampla em grupos públicos e privados.
Assim, os conteúdos se disseminam ainda mais, à medida que são
reencaminhados para outros contatos por pessoas que acreditam neles.
A partir de um universo de mais de 100 mil imagens de conteúdo
político que circularam pelos 347 grupos monitorados, selecionamos as 50
mais compartilhadas e pedimos que elas fossem analisadas pela Agência Lupa, a plataforma de checagem líder no Brasil. Oito das 50 fotos foram consideradas falsas;
16 eram reais, mas usadas fora de contexto ou com dados distorcidos;
quatro eram insustentáveis, ou seja, não se baseiam em nenhum banco de
dados público confiável. Isso significa que 56% das imagens mais
compartilhadas nesses grupos eram enganosas. Apenas 8% das 50 imagens
mais populares nesse universo foram consideradas verdadeiras.
O problema das notícias falsas no Brasil transcende as divisões políticas.
Os apoiadores de Bolsonaro compartilharam diversas imagens
descrevendo políticos – inclusives nomes da centro-direita – como
“comunistas”. A foto mais popular dentro do universo estudado é uma
imagem em preto e branco que mostra Fidel Castro e uma jovem mulher. A
descrição que acompanha a foto informa que se trata da ex-presidente
Dilma Rousseff e que ela teria sido pupila do líder cubano, uma
“aprendiz de socialista”. Mas a mulher da foto não é Dilma. A imagem foi
feita nos Estados Unidos, em abril em 1959, quando a ex-presidente
tinha apenas 11 anos de idade. Fotos como essa têm surtido efeito em
ataques contra Dilma e o PT – partido de Haddad – num país cuja classe
média parece rechaçar o comunismo.
As notícias falsas espalhadas pelos apoiadores de Haddad são
geralmente diferentes. Distorcem posições e propostas de Bolsonaro sobre
impostos e salário mínimo, exagerando dados. Mas algumas mensagens que
circularam no WhatsApp alimentam teorias da conspiração. No dia 6 de
setembro, quando Bolsonaro foi esfaqueado,
militantes de esquerda compartilharam fotos do candidato entrando
sorridente num hospital, como se ele tivesse fingido o ataque. A imagem
tinha sido feita antes do atentado.
O alarmante fluxo de informações distorcidas pode ser reduzido.
Se, de hoje até o dia 28 de outubro, o WhatsApp fizer algumas
alterações em seu sistema, será possível reduzir o compartilhamento de
mentiras. São mudanças simples que em nada afetarão a liberdade de
expressão ou a privacidade dos usuários.
Sugerimos que o WhatsApp adote essas três medidas imediatamente:
Restrição de encaminhamentos: no início deste ano, depois da disseminação de rumores que foram compartilhados via WhatsApp e que provocaram linchamentos na Índia, a empresa estabeleceu restrições no
número de vezes que uma mesma mensagem pode ser encaminhada.
Globalmente, fixou em 20. Na Índia, reduziu para cinco. Acreditamos que o
WhatsApp deve adotar temporariamente a mesma medida no Brasil.
Restrição de transmissões: o WhatsApp permite que
qualquer usuário envie uma mesma mensagem para até 256 contatos de uma
só vez, via lista de transmissão. Isso significa que um pequeno grupo
coordenado pode facilmente orquestrar uma grande campanha de
desinformação usando o aplicativo. Ao limitar o número de pessoas que
podem ser atingidas por uma transmissão, o WhatsApp pode impedir que
isso aconteça.
Limitar o tamanho de novos grupos: Novos grupos criados
no Brasil nas próximas semanas devem ter um número máximo de usuários.
Essa medida não afetaria os grupos já existentes.
No início desta semana, contactamos o WhatsApp e apresentamos
essas sugestões. A empresa respondeu sinalizando que não haveria tempos
suficiente para implementar essas mudanças. Nós discordamos. Na Índia,
foram necessários apenas poucos dias para que o WhatsApp começasse a
fazer ajustes. O mesmo pode ser feito no Brasil.
Nosso país está num momento político decisivo. As posições de
extrema-direita de Bolsonaro – incluindo as relativas a direitos humanos
e ao regime militar – levaram muitos eleitores a temer pelo futuro da
democracia. Outros muito estão incomodados por ver que Haddad parece
seguir ordens diretas de Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente que
está preso desde abril por corrupção.
Diante de questões tão importantes e em meio a um debate tão
polarizado, os brasileiros não deveriam decidir seus votos com base em
informações falsas ou distorcidas. Nenhuma de nossas sugestões significa
que o WhatsApp limitará suas operações ou impedirá que brasileiros se
comuniquem com suas famílias e amigos. Sugerimos que a empresa,
temporariamente, adote alguns limites para impedir o avanço das notícias
falsas e de perigosos boatos.
Cristina Tardáguila é diretora da Agência Lupa.
Fabrício Benevenuto é professor de Ciência da Computação na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pablo Ortellado é professor
de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP)
Editado por: Cristina Tardáguila e Natália Leal
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