Referência da história contemporânea, Constituição Federal completa trinta anos
Após 21 anos de ditadura
militar, passou a vigorar a Constituição como instrumento que
proporcionou a criação de mecanismos para evitar abusos de poder do
Estado.
O presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado
Ulysses Guimarães (então PMDB-SP), ao promulgar o texto, ressaltou que a
nova Constituição não era perfeita, mas seria pioneira no país.
“Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los”, disse o “doutor Ulysses”, como era chamado por todos.
Mudanças
“A
Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação
e sem medo. A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o
confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir,
sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”, afirmou Ulysses Guimarães.
Durante
a Assembleia Constituinte, foi cogitada a possibilidade de revisão do
texto constitucional a cada cinco anos. No entanto, os parlamentares
consideraram que esse dispositivo poderia abrir margem para que, ao
passar dos anos, a Constituição fosse desfigurada. Dessa forma,
prevaleceu a tese de uma única revisão e nela foram feitas apenas
modificações de redação.
Autor do livro A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo,
o professor de Direito Constitucional da PUC-RIO, Adriano Pilatti,
afirmou que, mesmo contemporânea, a Constituição exige aperfeiçoamentos.
“Assim
como outras constituições modernas e contemporâneas, ela prevê a
necessidade de aperfeiçoamento ao estabelecer o rito das reformas
constitucionais. Isso é necessário para que justamente se possa tentar
atualizar permanentemente o ordenamento fundamental com relação às
mudanças sociais, econômicas, culturais, que naturalmente acontecem em
toda a sociedade – pelo menos nas sociedades que não estão sujeitas ao
regime de força que coagula tudo, calcifica tudo”.
Emendas
Desde
que foi promulgada, a Constituição Federal recebeu 99 emendas até
dezembro de 2017. Outras seis emendas foram resultado da Revisão
Constitucional em 1993.
A
primeira alteração ocorreu em 1992, definindo a remuneração de
deputados estaduais e dos vereadores. Pela regra, ficou estabelecido que
o salário de um vereador depende do salário de um deputado estadual e
do tamanho do município. Assim, dependendo do tamanho do município, o
salário de um vereador pode variar entre 20% e 75% do salário de um
deputado estadual.
“Apesar do número que impressiona, uma centena
em 30 anos, elas tocaram toda uma série de conteúdos detalhistas e, de
certo modo, periféricos em relação ao núcleo duro do texto
Constitucional, que é justamente a organização democrática do poder o
reconhecimento e a garantia desses direitos”, avaliou Pilatti.
“Jabuticaba”
O
professor emérito de Ciência Política da Universidade de Brasília,
David Fleischer, disse que, apesar de passados 30 anos desde sua
promulgação, a Constituição é considerada “inacabada”, porque cerca de
200 itens ainda precisam ser regulamentados.
“Com muitos itens
difíceis, o constituinte aprovou apenas o conceito e disse que precisa
ser regulamentado. São temas tributários, municipalistas e outros. Isso
deixa muitas dúvidas e incertezas. Há um conceito na Constituição que
não se pode valer dele porque não foi regulamentado e isso é uma coisa
muito desagradável. Em constituições de outros países não existe isso,
tudo é regulamentado. Isso é uma construção ‘jabuticaba brasileira’.”
Segundo
Fleischer, o impacto da falta de regulamentação é o aumento da
participação do Judiciário em um processo que leva a interpretação além
do texto constitucional, na avaliação de Fleischer.
“O Congresso
deparou com algumas mudanças importantes que não quis ou não conseguiu
fazer e o Judiciário achou que para o Brasil era importante essa mudança
e fez via judicialização. É um papel que cabe ao Supremo Tribunal
Federal”, avaliou.
Vácuo
Para
o consultor legislativo do Senado, Gilberto Guerzoni, o vácuo de
decisões do legislativo contribui para o cenário de protagonismo do
Poder Judiciário. “Quando o Congresso não decide uma matéria, alguns
dizem que [os congressistas] estão sendo relapsos. Mas não decidir é uma
decisão também. Isso provoca o aumento da judicialização e até o
ativismo judicial.”
Guerzoni acrescenta que “hoje há uma ampliação
muito grande do papel do Poder Judiciário, mas o responsável por isso é
o próprio Poder Legislativo, que muitas vezes deixa essa brecha para o
Judiciário atuar”.
Temas como aborto, linha sucessória da
Presidência da República e casamento homoafetivo têm sido discutidos via
Supremo Tribunal Federal (STF), o que gera o questionamento do sistema
jurídico-político brasileiro.
“A discussão sobre o aborto tem sido
em torno disso [de decisões do STF]. O Judiciário tem coberto algumas
coisas que o Congresso não tem definido e ele fica numa situação até
confortável porque são matérias muito polêmicas e prefere-se não
decidir”, destacou o consultor legislativo.
Desconstitucionalização
A
possibilidade de retirar trechos da Constituição e permitir que sejam
regulados por lei, a chamada desconstitucionalização, divide a opinião
de especialistas no assunto.
“A tendência que a gente tem hoje é
de aumentar as matérias constitucionais e se olharmos de uma forma geral
as PECs que tramitam, quase todas buscam acrescentar itens na
Constituição. Às vezes, matéria que não tem nenhuma índole
constitucional, que deveriam ser tratadas em lei”, observou Guerzoni.
Para
o professor Adriano Pillati, a possibilidade de retirar trechos da
Constituição tem sido tratada no país de forma “preconceituosa” ao
privilegiar a retirada de direitos coletivos em detrimento dos
individuais, como patrimônio.
“Há muitas normas que poderiam estar
nos respectivos códigos e leis complementares, mas quando essa
discussão se coloca, não é em relação a isso que os defensores da
Constituição ‘anoréxica’ se referem. Então, em geral, essa discussão é
enviesada, contaminada por preconceitos, interesses ideológicos”,
afirmou.
Mais polêmicas
Outra
polêmica relacionada à Carta Magna é sua extensão. Com 114 artigos e em
vigor há 30 anos, a Carta Magna brasileira se contrapõe em extensão com
a Constituição norte-americana, que tem sete artigos e foi emendada 27
vezes desde sua promulgação em 1787.
“Nossa Constituição é muito
detalhada, fruto do momento em que ela foi feita. As pessoas queriam
colocar coisas na Constituição e ela acabou tratando de uma série de
temas que tradicionalmente não são matéria constitucional. Capítulos
como tributários e previdenciários têm detalhamento muito grande, como a
lista de impostos, as condições para aposentadoria. A lei acaba ficando
limitada e o que a gente vê nesse período todo, em 30 anos, é que
existe uma tendência de aumentar ainda mais o número de matérias na
Constituição”, afirmou Guerzoni.
Apesar das críticas, Fleischer
descarta a possibilidade da convocação de outra Assembleia Constituinte.
O professor, no entanto, avalia que revisões constitucionais podem ser
aplicadas para aparar “arestas” na Carta Magna.
“O Congresso já
fez essa revisão, e nessa ocasião, por exemplo, ele reduziu o mandato
presidencial de cinco para quatro anos. Então, isso foi um pacote de
mudanças que se executou em 1994. Eleger uma nova Constituinte acho
muito difícil de ocorrer”.
Veja alguns números da Constituição:
– A Assembleia Nacional Constituinte, convocada em 1985 pelo presidente José Sarney, trabalhou durante 20 meses.
– Participaram 559 parlamentares: 72 senadores e 487 deputados federais. Entre os constituintes, 26 eram mulheres.
–
Foram coletadas 72.719 sugestões de cidadãos de todo o país, além de 12
mil sugestões dos constituintes e de entidades representativas.
–
Ao todo, foram apresentadas 122 emendas, dessas 83 foram aproveitadas
na íntegra ou em parte pelos constituintes na elaboração do texto final
da Constituição.
– As emendas foram assinadas por 12.277.423 de brasileiros.
– Desde que foi promulgada, a Constituição Federal recebeu 99 emendas até dezembro de 2017.
Fonte: Agência Brasil - Créditos: Heloisa Cristaldo
Nenhum comentário:
Postar um comentário