sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Amados e odiados

Do que é feita a rejeição aos presidenciáveis  Jair Bolsonaro e Fernando Haddad?


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Record de rejeição
O primeiro turno das eleições presidenciais chegou ao fim com alguns resultados surpreendentes e pelo menos um recorde: o nível de rejeição dos candidatos que chegaram ao segundo turno é o maior da série histórica de acordo com levantamento feito em pesquisas divulgadas pelo Instituto Datafolha.
Entre 2002 e 2014, nenhum dos candidatos que chegou ao segundo turno das eleições ostentou taxas de rejeições que superaram os 33%. Desta vez, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) chegaram ao segundo turno com rejeições bem acima desse patamar: 44% e 41%, respectivamente.
Mas afinal, o que é a taxa de rejeição? Por que ela é importante? Como ela afeta a estratégia dos candidatos e o que fez com que os candidatos preferidos do brasileiro também tenham taxas de rejeição tão altas? UOL conversou com cientistas políticos e com o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, para responder a essas questões.
Primeiro turno com cara de segundo
A rejeição a um candidato é medida pela quantidade de pessoas entrevistadas em uma pesquisa que afirmam que não votariam nele.
Em geral, esse índice ajuda a avaliar qual é o “teto” de votação de um determinado candidato. Se as pesquisas indicam que sua rejeição é de 40%, por exemplo, a tendência indica que ele dificilmente conseguirá mais que 60% das intenções de voto porque, em tese, há outros 40% “bloqueando” o seu crescimento.
Antes de 2018, a última vez em que a taxa de rejeição dos dois candidatos que chegaram ao segundo turno foi tão alta ocorreu em 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra (PSDB) disputaram a Presidência.
Às vésperas do primeiro turno, a taxa de rejeição de Lula era 29% e de Serra era de 33%.
Mesmo nas eleições de 2014, uma das mais disputadas da história, a taxa de rejeição de Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) às vésperas do primeiro turno não era tão grande quanto de Bolsonaro e Haddad. Na ocasião, Dilma tinha 31% e Aécio 23%.
Em geral, especialistas afirmam que a tendência é que a rejeição a candidatos aumente no segundo turno, quando a eleição se torna mais afunilada. Mas o que fez com que os candidatos preferidos dos brasileiros neste primeiro turno estejam com uma rejeição tão alta?
Para o cientista político Carlos Melo, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), e para o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, a explicação é simples: a polarização política vivida no país.
Melo diz que o nível de polarização da sociedade brasileira fez com que o eleitorado antecipasse para o primeiro turno um padrão de rejeição que, em geral, só se observa no segundo turno.
“Pela primeira vez, as duas forças políticas mais atuantes em uma eleição se chocaram muito cedo. É como se tivesse antecipado o segundo turno. À medida que Bolsonaro se estabelecia na liderança aglutinando o antipetismo, por outro lado, o antibolsonarismo também crescia. A polarização fez com que o eleitor começasse a pensar em voto útil muito mais cedo do que o habitual”, afirmou Melo.
A avaliação de Melo é compartilhada pelo diretor do Datafolha, Mauro Paulino. “Essa antecipação de taxas de rejeição muito altas é um reflexo da polarização exacerbada entre os dois polos e espectros políticos brasileira. Como o eleitor está esperando uma postura mais indignada dos candidatos, que seja compatível com a indignação que o eleitor está sentindo, a gente vê o choque entre o antipetismo e o antibolsonarismo muito cedo. São dois candidatos que despertam amor e ódio”, explicou Paulino.
Arte/UOL
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Do que é feita a rejeição de Bolsonaro e Haddad
Que as rejeições de Bolsonaro e Haddad são recorde, isso já se sabe. A pergunta é: do que são feitas as taxas de rejeição dos dois homens que disputam a Presidência do país?
O cientista político Carlos Mello diz acreditar que a rejeição de Fernando Haddad é composta por três elementos.
“A rejeição do Haddad reúne pessoas que associam a crise econômica ao PT, aquelas que ficaram indignados com os escândalos de corrupção, revelados pela Operação Lava Jato, e por uma parte considerável do eleitorado conservador que não concorda com a garantia de direitos a minorias como os movimentos LGBT e negro, historicamente ligados ao PT”, diz Mello.
Já a rejeição de Bolsonaro, Mello explica, é composta por dois fatores. “Contra o Bolsonaro estão os eleitores que estão com medo de que a chegada dele ao poder signifique a perda de direitos e garantias individuais conquistadas nos últimos anos e um temor com relação à sua capacidade de gerir a economia do país”, explicou.
O cientista político do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) Antônio Augusto de Queiroz adiciona um outro elemento à rejeição contra Bolsonaro. “Bolsonaro está muito associado a uma figura autoritária e algumas pessoas têm medo disso”, afirmou.
Arte/UOL
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O que os candidatos deverão fazer?
Em uma eleição polarizada e atípica, a saída tanto para Haddad quanto para Bolsonaro conseguirem vencer as eleições passa por um aceno ao eleitor moderado, uma espécie aparentemente cada vez mais rara. A afirmação é do analista político Creomar de Souza, da UCB (Universidade Católica de Brasília).
“Fundamentalmente, o Haddad e Bolsonaro precisarão construir uma lógica discursiva mais ao centro para conquistar os 50% dos votos mais um”, afirmou.
De uma certa maneira, ambos os candidatos já começaram a fazer esse movimento antes mesmo do fim do primeiro turno.
Em seus últimos atos de campanha, Haddad fez questão de levar sua mulher, Ana Estela Haddad, e de enfatizar que é casado há quase 30 anos com ela, num aceno a segmentos mais conservadores religiosos do eleitorado.
Bolsonaro, por sua vez, mencionou ateus e gays em seu último discurso antes da votação do primeiro turno numa tentativa de se mostrar conciliador e próximo a esses dois públicos.
Creomar afirma que apesar de a rejeição de Haddad ser levemente menor que a de Bolsonaro, isso não significa que sua missão seja mais fácil.
“A gente observou um quadro de muita fidelização do eleitor. Para o Haddad, não basta ele conquistar os votos do Ciro Gomes (PDT). Ele precisa avançar sobre os eleitores do Bolsonaro também se quiser vencer. Digamos que a remada dele neste segundo turno terá de ser mais longa, mais forte e mais rápida que a do Bolsonaro”, explicou.
Creomar também afirma que Haddad tem um desafio adicional em seu aceno ao centro: mostrar que “existe um Haddad fora de Lula”.
“Haddad tem o desafio da identidade. Ao longo da campanha, ele se mostrou como uma espécie de personificação de Lula. Isso é um complicador porque Lula tem uma grande rejeição. Ele precisa mostrar que existe um Haddad fora do Lula”, afirmou.
Bolsonaro, por outro lado, também terá de ir ao centro ao mesmo tempo em que, segundo Creomar, terá que cuidar com o “fogo amigo”. “O Bolsonaro tem que tender ao centro e tomar muito cuidado com declarações que sejam polêmicas. Se ele conseguir fazer essa modulação, vai ficar faltando muito pouco para ele conquistar a Presidência”, explicou.
O perigo das rejeições
Tanta rejeição pode ser tóxica à democracia brasileira. A análise é de Carlos Melo. Segundo ele, diferentemente do que ocorre em outros países democráticos e mesmo do que ocorreu no Brasil recentemente, as eleições deste ano não se transformou em um debate sobre como o país será administrado. Virou uma disputa sobre dois projetos de sociedade.
“Se você analisar os discursos, vai ver que não estão discutindo políticas públicas ou como o Brasil será administrado. O que está em jogo tanto no cenário político quanto nas ruas é um embate entre dois projetos de sociedade. E são projetos aparentemente antagônicos. Por isso que a rejeição a um e ao outro é tão alta”, analisa Melo.
“Haddad e Bolsonaro têm visões de sociedades muito diferentes e os seus apoiadores também. É muito ruim que um candidato vencedor seja tão rejeitado pela outra parte da população porque, se essa rejeição chegar às ruas, a gente corre o risco de sair do campo da política e entra no campo da intolerância”, afirmou.
Para Mello, a única saída para evitar uma crise ainda maior após as eleições é o diálogo. “Um país dividido é ruim. Mas quando os dois lados não se toleram, a gente elimina instrumento mais básico da política que é o diálogo. Sem diálogo, não tem política. Se não houver diálogo, é claro que é ruim para a democracia”, avalia.

Fonte: Uol

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