De acordo com a irmã de Paula, depois da vacina e da primeira hospitalização, a situação da jovem piorou.
“A
partir daí, ela começou a apresentar uma série de sintomas que não
tinham ligação com a coqueluche. Foi hospitalizada diversas vezes, ficou
internada em muitas clínicas e começou a perder a mobilidade das
pernas, dos braços, a sensibilidade em algumas partes do corpo e a
sentir muita dor”, afirma.
Desde
então, acrescenta Vanessa, Paula já foi avaliada por dezenas de
especialistas, sem que eles tenham encontrado uma causa para o que ela
diz sentir.
“O
último diagnóstico foi em 2015, que dizia que ela tinha um problema
neurológico que também era degenerativo, mas nunca nos disseram que ele
era sintoma de uma determinada doença ou o que ele provocava”, afirma.
Segundo
o jornal chileno El Mostrador, nos prontuários das diferentes clínicas
pelas quais a jovem passou desde 2013 são encontrados diagnósticos que
vão de bronquite obstrutiva, pneumonia e edema de laringe a transtorno
depressivo maior, perda auditiva, escoliose, ataxia (perda de
coordenação muscular), síndrome da conversão (transtorno mental que
causa reações neurológicas sem uma causa aparente) e encefalite.
A variedade de diagnósticos é uma das razões que levam a família a acreditar que Paula foi vítima de descaso dos médi
“Queremos
justiça para minha irmã, porque sabemos que houve negligência. Exigimos
que se abra uma investigação para saber o que aconteceu com ela, uma
jovem completamente saudável e que agora se encontra em situação
deplorável, que pode morrer. Queremos saber o que causou o dano
cerebral”, diz Vanessa.
Até
o momento, contudo, a família não apresentou laudo médico que atribui
os sintomas a um problema neurológico degenerativo – e a clínica onde
aparentemente o diagnóstico foi realizado proibiu, para preservar a
privacidade dos pacientes, a divulgação de detalhes do tratamento de
quem passou por ali.
Por
isso, de acordo com o médico Kottow, um dos dilemas éticos do caso é o
fato de que as informações que o municiam são muito “vagas e precárias”.
“Até
agora, o que temos é o que diz a família – o que estão dizendo, não
comprovando. Não sabemos de fato o que aconteceu durante os diversos
atendimentos médicos, se houve negligência ou não, se houve
desentendimento da família com o tratamento indicado, se houve de fato
esse diagnóstico ou a que conclusões chegaram os especialistas. São
fatores que devemos levar em conta antes de debater se a assistência
médica funcionou ou não”, argumenta.
Os dilemas do diagnóstico
As
incertezas em relação ao diagnóstico de dano cerebral crescem quando se
leva em conta um outro laudo médico sobre a jovem emitido por um
renomado hospital chileno.
“Em
sua terceira hospitalização, na Clínica Bicentenario, submeteram-na a
uma série de exames e chegaram à conclusão de que não havia nenhum dano
neurológico. Nos disseram que minha irmã tinha síndrome da conversão e
que ela estava causando a si mesma os sintomas”, comenta Vanessa.
A síndrome da conversão é uma rara doença psiquiátrica que gera sintomas que se assemelham aos de uma doença neurológica.
Segundo
a Associação Americana de Psiquiatria, uma das principais dificuldades
para o tratamento desse transtorno é o fato de que, muitas vezes, ele
não é reconhecido nem pelos paciente nem por seus familiares – o que
pode levar a isolamento social, atraso escolar nos mais novos e, em
alguns casos, complicações como prostrações e contraturas.
Após
o diagnóstico de Paula, o hospital sugeriu transferir a jovem para uma
clínica psiquiátrica para fazer tratamento, recomendação que a família
rechaçou por não concordar com a opinião dos médicos.
“Conhecemos
minha irmã, era uma menina saudável que não tinha nenhum problema, nós
sabemos que não é um problema psiquiátrico”, alega Vanessa.
Desde
2015, a família se nega a submeter Paula a novos exames e decidiu
apoiá-la em sua decisão de tentar a eutanásia.”Estamos respeitando a
vontade de Paula, não queremos que ela continue sendo obrigada a passar
pelas hospitalizações. Como ela é uma paciente supostamente
psiquiátrica, em muitos momentos questionam o que ela sente, tratam-na
como louca ou como alguém que está fora de si – e ela não quer mais
passar por isso”, ressalta a irmã.
“Ela
já está há mais de quatro anos prostrada em uma cama, confinada entre
quatro paredes, já que não pode nem sentar em uma cadeira de rodas para
se movimentar pela casa. Não é certo viver assim, vendo que seu corpo
falha cada dia um pouco mais. Ela tem tanta dor que só quer morrer.”
Vanessa
acrescenta que a situação de Paula tem impacto sobre toda a família – e
que a mãe se viu obrigada a abandonar o trabalho e que agora tem
dificuldade em pagar as contas.
“Minha
irmã enviou uma carta à presidente no fim de 2017, mas não tivemos
resposta. Minha mãe então pediu ajuda a um senador, que leu a carta no
Congresso, mas mesmo assim não tivemos muito retorno – apenas a notícia
de que receberíamos uma pensão mensal”, acrescenta.
Mesmo
com suas incertezas, o caso reativou o debate sobre eutanásia no Chile,
pouco tempo depois da legalização do aborto – apenas em casos de
estupro, de risco de vida da mulher e de inviabilidade fetal – e em
meios às discussões sobre a reinstalação da pena de morte no país.
O
deputado do Partido Liberal Vlado Mirosevic é um dos que têm levantado a
bandeira da legalização do suicídio assistido no país – e o caso da
jovem foi um dos exemplos que ele utilizou recentemente no Congresso
para reforçar a necessidade de discussão do tema.
“O
ponto aqui é respeitar o direito que Paula ou qualquer um de nós tem de
uma morte com dignidade. Isso é primeiramente um direito. Assim, se
deve colocar a decisão do indivíduo à frente daquela da sociedade”,
destaca à BBC Mundo.
“Ao
mesmo tempo, esse é um tema humanitário, de compaixão, de se colocar no
lugar do outro. Sob esse aspecto, a decisão sobre a eutanásia deve ser
pessoal, e não determinada por uma lei de maneira uniforme e autoritária
que não deixe espaço para uma morte digna”, acrescenta – reconhecendo,
contudo, que não tinha até então ciência do diagnóstico psiquiátrico da
jovem.
Kottow,
mesmo considerando que o debate sobre a eutanásia no Chile e sua
legalização não são apenas “pertinentes, mas necessários”, rejeita a
ideia de que o caso da Paula deva servir como exemplo, como está
acontecendo agora.
“Nesses
casos, estaríamos falando de eutanásia médica, quer dizer, executada
por um médico. Se não há diagnóstico, como ocorre com essa jovem,
derruba-se todo o caso”, argumenta.
“Antes
de pensar em uma solução extrema – que não é possível porque não é
válida por lei e porque a presidente não tem autoridade para permiti-la
-, era preciso primeiramente determinar o que ela tem de fato, se é algo
tratável, se tem prognóstico negativo, e em que bases se está
fundamentando o pedido de eutanásia”, ressalta.
Também
membro da Sociedade Chilena de Bioética, ele afirma que seria “um mau
precedente” abrir caminho para o suicídio assistido com esse caso, dada a
quantidade de incógnitas e dificuldade de acesso a informações em torno
da situação de Paula.
“Até
agora, a única informação que temos são alguns vídeos nas redes
sociais. Mas isso não informa muito sobre a condição real da jovem. Com
base em um vídeo e na opinião da família não se pode chegar a nenhuma
conlusão, mesmo que seja somente ética, sem força legal. Este é um caso
que devemos analisar para além da boa vontade e da compaixão”, defende.
G1
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