Células-tronco, origem da vida e outros temas fizeram parte de encontro que reuniu no Vaticano religiosos e cientistas latino-americanos - entre eles brasileiros
É uma demonstração de que, apesar das divergências, a Igreja Católica está aberta a ouvir o que diz a comunidade científica mundial sobre assuntos importantes da atualidade

Mesmo para um ateu como Stevens, ser convidado a falar de
ciência dentro do Vaticano é um momento distinto. Historicamente, a
relação entre a comunidade científica e os religiosos foi pautada por
divergências, algumas permanentes e, outras, superadas, porém
responsáveis por grandes cicatrizes. O caso mais emblemático foi o da
condenação do astrônomo italiano Galileu Galilei e sua reabilitação
somente séculos depois (leia box). Participar de um encontro no qual o
objetivo é ouvir, no caso da Igreja, e ser ouvido, no caso dos
pesquisadores, é sem dúvida uma ocasião única na carreira de qualquer
pesquisador. “Fiquei surpreso. Nunca me imaginei falando no Vaticano”,
diz. “Foi uma experiência curiosa.”
O cientista foi convidado a falar sobre seu trabalho
mostrando como o vírus zika afeta células precursoras do sistema
nervoso. A pesquisa, que teve a participação da UFRJ, do Instituto D´Or e
da Unicamp (SP), foi publicada na Science, uma das mais respeitadas
revistas científicas do mundo. Para chegar a essa conclusão, o grupo
usou células-tronco pluripotentes induzidas, estruturas obtidas por meio
da reprogramação de células adultas, retiradas da pele, por exemplo, e
manipuladas geneticamente de forma a chegarem a um estado semelhante ao
de uma célula embrionária (ainda sem especialização). Além dele, mais
três brasileiros falaram durante o encontro, que durou dois dias: o
físico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências, o
também físico Vanderlei Bagnato, da Universidade Federal de São Carlos,
e o engenheiro agrônomo Elibio Rech, da Embrapa.
O tema do encontro, que reuniu cientistas da América Latina,
foi biologia celular e genética, assunto dos mais relevantes na agenda
científica atual. Entre as discussões, houve uma sobre a origem da vida,
um dos pontos sobre os quais Igreja e ciência divergem. Quem o levou à
plateia foi o bioquímico chileno Rafael Vicuña. Na audiência estava o
arcebispo argentino Marcelo Sorondo, chanceler da academia. Assim como
Vicuña, todos os outros cientistas falaram livremente, sem pressão ou
interrupção mesmo quando apresentaram visões diferentes das defendidas
pela Igreja. “Eu me senti como se estivesse em uma reunião científica
normal. Não houve qualquer tipo de intervenção religiosa”, conta
Stevens.
O respeito ao que diz a ciência faz parte dos princípios da
academia católica. Mas a postura do Papa Francisco de sintonia com os
tempos atuais tem servido de estímulo ao debate livre. Pontos de atrito
continuam existindo, é verdade. Em sua mensagem aos pesquisadores,
Francisco lembrou o Papa João Paulo II e sua recomendação, por exemplo,
de que não deveria haver o que chamou de manipulação genética
indiscriminada. No entanto, o Papa pontuou: “A criatividade humana não
pode ser suprimida. Se um artista não pode ser impedido de usar sua
criatividade, também não podem aqueles que possuem talentos particulares
para os progressos na ciência de usá-los para servir aos outros”,
escreveu Francisco.
Galileu e o brasileiro

Foi com o forte empenho do brasileiro Carlos Chagas Filho
que a Igreja Católica promoveu um dos seus mais importantes gestos de
conciliação com a ciência. Presidente da Academia entre 1972 e 1988, o
cientista trabalhou para que o Vaticano reabilitasse o astrônomo Galileu
Galilei, condenado em 1633 pela Inquisição a viver recluso em casa até o
fim da vida. Galileu defendia a ideia de que era a Terra que girava em
torno do Sol, tese contrária à da Igreja à época, mas que a ciência
provou ser verdadeira. Obrigado também a abjurar publicamente, o
astrônomo teve sua reabilitação feita pela Igreja em 1992, quando a
instituição admitiu que ele estava certo.
FÉ E RAZÃO
O que é a Pontificia Accademia delle Scienze (PAS)
Tem origem na Accademia dei Lincei, fundada em Roma em 1603 como a primeira academia exclusivamente científica do mundo
Galileu Galilei foi integrado como membro em 1610
Depois de acabar com a morte de seu fundador (Federico Cesi), foi restabelecida pelo Papa Pio IX em 1847
FORUM LIVRE
Integrada por 16 cientistas (oito mulheres e oito homens), eleitos e depois nomeados pelo Papa
Entre seus objetivos está o de estimular o debate entre fé e razão, garantindo liberdade de visões
Temas relevantes, como aquecimento global e saúde e pobreza, estão na pauta
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As reuniões, que contam com o apoio do Papa Francisco, ocorrem na Casina Pio IV |
Istoé
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