Passei quatro anos escondendo a bunda grande, revela cantora Iza
Ao lado de Pabllo Vittar e Gal Costa, Iza é uma das três cantoras que revezam a capa de Marie Claire
Um mulherão de 26 anos, 1,76 m de altura, 110 cm de quadril, 2 kg de
cabelo e 402 mil seguidores no Instagram. Na praia, no bar, em debates
feministas ou nas redes sociais, é impossível não notar a presença de
IZA – assim mesmo, em caixa-alta, porque, “já que o nome é curtinho,
ficava mais forte com três maiúsculas”.
Filha única de uma família de classe média baixa de Olaria (Zona Norte
do Rio), a cantora de voz aveludada que há três anos largou a
publicidade para se dedicar à música está em ascensão vertiginosa. Este
mês, além de abrir o show do Coldplay no Brasil, lança o álbum Dona de
Mim, reflexo de um lindo processo de autoconhecimento que permeia tanto a
criação de composições próprias quanto sua relação com o corpo. Mesmo
sendo uma das mulheres mais lindas do Brasil, Isabela Lima demorou a se
sentir verdadeiramente “dona de si”. Os complexos – típicos de uma
menina negra do subúrbio de um país que teima em ovacionar a beleza
ariana – ganharam contornos mais doloridos em Natal, onde morou dos 6
aos 12 anos com o pai, o militar Djalma Leite Lima, e a mãe, a
professora Isabel Cristina Lima.
“Eu era a única negra da escola e todo mundo me tratava mal. Demorei
para perceber que era por causa da minha cor”, recorda. Na adolescência,
os vilões se tornaram o cabelo e o bumbum, hoje grandes aliados.
“Passei quase dez anos alisando os fios e escondendo a bunda. Agora, sei
o quanto tudo isso me empodera”, diz, adiantando que, em breve, deve
dar adeus às tranças, uma de suas marcas registradas. “Vai ter gente
reclamando, mas minha negritude transcende o meu cabelo. Está dentro de
mim. Não podemos sair de uma ditadura para entrar em outra.” Não mesmo.
MC Seu corpo é instrumento de trabalho. Como cuida dele?
Iza Não posso me acabar na noite anterior a um show e evito gelado.
Nunca fumei nem sou de beber. Em dose certa, a bebida até ajuda quando
você está muito tensa ou rouca. Um golinho anestesia a garganta e a
tensão.
MC Faz exercício com que frequência?
Iza De vez em... nunca [gargalhadas]. Odeio academia. Detesto estar num
lugar cheio de espelhos e gente suada se achando o máximo. Sou tão
peixe fora d’água que não consigo focar. Depois de tentar muito, percebi
que aquela neura não era minha. Falei pro meu personal: “Tô saindo
fora. Tenho que estar bonita pra mim, não pra você, e acho que estou
maravilhosa” [risos]. Prefiro nadar, caminhar, andar de bicicleta. Moro
em Botafogo, em frente à ciclovia, então pego a bike, pedalo umas duas
horas tomando água de coco, ouvindo música e vendo aquela paisagem
incrível.
MC - Embora as cacheadas e curvilíneas estejam em alta, ser loira, alta e
magra ainda é um sonho para a maioria das brasileiras. Isso te aflige?
Iza Não mais. Fico feliz de saber que, de certa forma, ajudei a provar
que não precisa ser alta, branca e loira para ser bonita. Me preocupo
quando penso nas crianças. Não à toa, tem tanta mulher entrando em
clínica para se retocar só para entrar no padrãozinho. Eu ser enorme,
ter um quadril gigante e ombros largos é bonito e ponto-final.
MC - Começou a alisar os cabelos com que idade?
Iza Aos 12 anos. Era a única de cabelo crespo na escola. Minha mãe e
minhas tias já alisavam. Ninguém tinha essa cultura de que “black is
beautiful”. A ideia era: “Vamos passar henê no cabelo porque dá menos
dor de cabeça”. Minha avó tinha um salão de beleza que ficava cheio de
cabecinhas brancas, todas lambidinhas de creme, ardendo – porque arde
pra cacete. Aos 20 anos, descobri na internet meninas de cabelo crespo e
vi como vivemos aprisionadas na paranoia do cabelo liso. Trabalhando
com marketing, adotei o cacheado. Aos 21 anos, despiroquei: tirei tudo,
parei de alisar e botei as tranças para fazer a transição.
MC - A trança virou sua marca. Se imagina sem ela?
Iza Sim. Vou tirar. Pesa e eu estou enjoada. Acho incrível, faço uns
penteados maravilhosos e me sinto poderosa, mas a gente muda. O nome do
disco que lanço este mês é Dona de Mim, e meus cabelos de verdade, que
não vejo há anos, têm tudo a ver com isso. Estou louca para botar uma
peruca lisa e gritar pro mundo parar de patrulhar. Vai ter gente
reclamando, mas minha negritude transcende meu cabelo. Está dentro de
mim. É maluquice sair de uma ditadura e entrar em outra.
Marie Claire
Marie Claire
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