segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Mulherão

Passei quatro anos escondendo a bunda grande, revela cantora Iza

Ao lado de Pabllo Vittar e Gal Costa, Iza é uma das três cantoras que revezam a capa de Marie Claire



Um mulherão de 26 anos, 1,76 m de altura, 110 cm de quadril, 2 kg de cabelo e 402 mil seguidores no Instagram. Na praia, no bar, em debates feministas ou nas redes sociais, é impossível não notar a presença de IZA – assim mesmo, em caixa-alta, porque, “já que o nome é curtinho, ficava mais forte com três maiúsculas”.
Filha única de uma família de classe média baixa de Olaria (Zona Norte do Rio), a cantora de voz aveludada que há três anos largou a publicidade para se dedicar à música está em ascensão vertiginosa. Este mês, além de abrir o show do Coldplay no Brasil, lança o álbum Dona de Mim, reflexo de um lindo processo de autoconhecimento que permeia tanto a criação de composições próprias quanto sua relação com o corpo. Mesmo sendo uma das mulheres mais lindas do Brasil, Isabela Lima demorou a se sentir verdadeiramente “dona de si”. Os complexos – típicos de uma menina negra do subúrbio de um país que teima em ovacionar a beleza ariana – ganharam contornos mais doloridos em Natal, onde morou dos 6 aos 12 anos com o pai, o militar Djalma Leite Lima, e a mãe, a professora Isabel Cristina Lima.
“Eu era a única negra da escola e todo mundo me tratava mal. Demorei para perceber que era por causa da minha cor”, recorda. Na adolescência, os vilões se tornaram o cabelo e o bumbum, hoje grandes aliados. “Passei quase dez anos alisando os fios e escondendo a bunda. Agora, sei o quanto tudo isso me empodera”, diz, adiantando que, em breve, deve dar adeus às tranças, uma de suas marcas registradas. “Vai ter gente reclamando, mas minha negritude transcende o meu cabelo. Está dentro de mim. Não podemos sair de uma ditadura para entrar em outra.” Não mesmo.
MC Seu corpo é instrumento de trabalho. Como cuida dele?
Iza Não posso me acabar na noite anterior a um show e evito gelado. Nunca fumei nem sou de beber. Em dose certa, a bebida até ajuda quando você está muito tensa ou rouca. Um golinho anestesia a garganta e a tensão.
MC Faz exercício com que frequência?
Iza De vez em... nunca [gargalhadas]. Odeio academia. Detesto estar num lugar cheio de espelhos e gente suada se achando o máximo. Sou tão peixe fora d’água que não consigo focar. Depois de tentar muito, percebi que aquela neura não era minha. Falei pro meu personal: “Tô saindo fora. Tenho que estar bonita pra mim, não pra você, e acho que estou maravilhosa” [risos]. Prefiro nadar, caminhar, andar de bicicleta. Moro em Botafogo, em frente à ciclovia, então pego a bike, pedalo umas duas horas tomando água de coco, ouvindo música e vendo aquela paisagem incrível.
MC - Embora as cacheadas e curvilíneas estejam em alta, ser loira, alta e magra ainda é um sonho para a maioria das brasileiras. Isso te aflige?
Iza Não mais. Fico feliz de saber que, de certa forma, ajudei a provar que não precisa ser alta, branca e loira para ser bonita. Me preocupo quando penso nas crianças. Não à toa, tem tanta mulher entrando em clínica para se retocar só para entrar no padrãozinho. Eu ser enorme, ter um quadril gigante e ombros largos é bonito e ponto-final.
MC - Começou a alisar os cabelos com que idade?
Iza Aos 12 anos. Era a única de cabelo crespo na escola. Minha mãe e minhas tias já alisavam. Ninguém tinha essa cultura de que “black is beautiful”. A ideia era: “Vamos passar henê no cabelo porque dá menos dor de cabeça”. Minha avó tinha um salão de beleza que ficava cheio de cabecinhas brancas, todas lambidinhas de creme, ardendo – porque arde pra cacete. Aos 20 anos, descobri na internet meninas de cabelo crespo e vi como vivemos aprisionadas na paranoia do cabelo liso. Trabalhando com marketing, adotei o cacheado. Aos 21 anos, despiroquei: tirei tudo, parei de alisar e botei as tranças para fazer a transição.
MC - A trança virou sua marca. Se imagina sem ela?
Iza Sim. Vou tirar. Pesa e eu estou enjoada. Acho incrível, faço uns penteados maravilhosos e me sinto poderosa, mas a gente muda. O nome do disco que lanço este mês é Dona de Mim, e meus cabelos de verdade, que não vejo há anos, têm tudo a ver com isso. Estou louca para botar uma peruca lisa e gritar pro mundo parar de patrulhar. Vai ter gente reclamando, mas minha negritude transcende meu cabelo. Está dentro de mim. É maluquice sair de uma ditadura e entrar em outra.
Marie Claire

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