Rixa entre famílias deixa rastro de sangue em Batalha, no estado de Alagoas
Desde
o início da tarde da última quinta-feira (9), os órgãos públicos de
Batalha, no sertão alagoano, estão de portas fechadas. A cidade está com
ruas quase vazias e ocupadas por mais de 50 policiais.
Tudo isso
foi causado pela tensão e pelo medo da população após o assassinato do
vereador Adelmo Rodrigues de Melo, o Neguinho Boiadeiro (PSD), ocorrido
na porta da Câmara Municipal naquele dia.
Mais do que um
tradicional crime de mando em Alagoas, o caso incendiou de vez uma das
rixas políticas mais conhecidas do interior do Estado, envolvendo as
famílias Dantas e Boiadeiro, e que já teria resultado em pelo menos seis
mortes em 18 anos.
Hoje, Batalha é comandada por Marina Dantas
(PMDB), mulher do ex-prefeito Paulo Dantas e nora do presidente da
Assembleia Legislativa de Alagoas, Luiz Dantas (PMDB). Já os Boiadeiro
têm uma atuação mais tímida na política: além de eleger Neguinho em
Batalha, o outro político é Zé de Laércio, vereador na cidade de
Craíbas.
O crime da quinta-feira foi praticado por dois homens que
usaram pistolas de uso restrito de forças policiais. Eles esperaram o
vereador sair do prédio da Câmara e entrar no carro para atirar.
Neguinho
morreu minutos depois. Os criminosos também acertaram outras duas
pessoas que estavam no carro. Elas sobreviveram e não correm mais risco
de morte.
O clima pesou. Logo ao saber do atentado que vitimou o
pai, José Marcio de Melo, conhecido como “Baixinho”, pegou uma arma e
foi até a casa de José Emílio Dantas supostamente vingar a morte.
Emílio
estava armado e reagiu. Houve troca de tiros, e Emílio foi atingido no
ombro. Como havia gente ferida do “lado rival” nos hospitais de Batalha e
de Arapiraca (a 50 km de Batalha), ele foi socorrido de helicóptero e
levado até Maceió, onde foi atendido no Hospital Geral do Estado, e
passa bem.
“Baixinho” foi indiciado na sexta (10) e teve a prisão preventiva decretada, mas ainda é procurado pela polícia.
O UOL visitou
a casa da troca de tiros na sexta-feira e encontrou o local aberto, já
que o portão arrombado foi retirado para conserto. As marcas de tiros,
de vidros quebrados e de manchas de sangue no chão denunciavam o cenário
de batalha que ocorrera ali horas antes.
Por conta do clima de
tensão, integrantes da família Dantas foram retirados de Batalha pela
polícia. Segundo apurou o UOL, eles devem se ausentar da cidade por pelo
menos cinco dias.
O corpo de Neguinho Boiadeiro foi trasladado
sob escolta policial até Craíbas, cidade próxima a Batalha e onde a
família tem uma fazenda.
Centenas de pessoas participaram do
velório e do enterro, ocorrido na tarde de sexta. Muitos políticos
alagoanos também foram ao sepultamento ou visitaram a família.
A
viúva, Mércia Boiadeiro, precisou ser amparada por familiares próximos.
Muitos carros e militares estavam espalhados por todo o trajeto do
cortejo, desde a fazenda até o cemitério.
Quase duas décadas de mortes
Para
entender a rixa familiar, é preciso voltar a pelo menos 1999. As
primeiras mortes de que se têm notícia foram a do ex-prefeito de Batalha
José Miguel Dantas e a de sua mulher, Matilde – eles foram assassinados
em uma emboscada em março de 1999. José Miguel era irmão do então
presidente da Assembleia, Luis Dantas.
O crime foi imputado a
Laelson Rodrigues de Melo, conhecido como “Laércio Boiadeiro”. Ele foi
condenado a 35 anos de prisão em júri popular em 2012 pelo duplo
homicídio. Laelson é irmão de Neguinho Boiadeiro e nega até hoje ter
cometido o crime.
A partir dali, as famílias acirraram uma disputa
por poder na cidade. Em 2006, outro crime aconteceu. Samuel Theomar
Bezerra Cavalcante e o sargento Edvaldo Joaquim de Matos foram mortos em
Batalha. Eles eram, respectivamente, cunhado e segurança de Paulo
Dantas – que na época era prefeito da cidade. O autor dos disparos foi
José Emanoel Boiadeiro.
Emanoel confessou os disparos e alegou
legítima defesa. Ele chegou a ser condenado e estava em liberdade
condicional quando morreu durante uma operação policial em outubro de
2016, na cidade de Belém, vizinha a Batalha.
A versão oficial é
que ele foi alvejado em uma troca de tiros com a polícia – que também
resultou em um policial ferido na mão. Emanoel seria segurança de um
candidato a prefeito da cidade de Belém e estaria armado. Um outro homem
que estava com ele também foi morto. A família Boiadeiro contesta a
história e alega que foi a família Dantas que ordenou a morte de Emanoel
por vingança do crime ocorrido uma década antes.
Segundo o
comandante do 7º Batalhão da PM, tenente-coronel Genival Bezerra, desde a
morte de Emanoel a polícia havia ficado atenta para possíveis ânimos
acirrados pelas famílias em Batalha, mas o clima aparentava total
tranquilidade. “Desde aquele momento ficamos monitorando [a situação],
mas os retornos que tivemos eram de que estava tudo calmo, até demais.
Aí infelizmente ocorre isso, num lugar de grande movimentação, ao
meio-dia”, afirmou.
“Foi a pessoa mais errada do mundo que mataram”
O
filho de Neguinho Boiadeiro, José Anselmo de Melo, conhecido “Preto
Boiadeiro”, diz que a família não tem dúvidas de quem ordenou a morte de
seu pai: a prefeita de Batalha, o marido dela e um policial que é filho
de uma das vítimas do crime praticado pelo seu primo.
“Não é
suspeita, tenho certeza. Eles queriam atingir a família Boiadeiro, e meu
pai era o mais dócil, o que andava só. Mataram para atingir a gente”,
afirmou ao UOL durante o velório do pai.
“O que
ocorreu: um primo meu matou um pessoal deles em 2006, e eles mataram meu
primo. Nós nunca imaginávamos que iam pegar meu pai, que nunca fez mal a
ninguém. Foi a pessoa mais errada do mundo que mataram”, disse.
O
delegado Cícero Lima, que coordena a comissão de delegados nomeada para
investigação dos crimes, afirmou que a disputa familiar é apenas uma
das linhas de investigação e que somente ao fim da apuração poderá
apontar autores materiais e intelectuais do crime. “Estamos trabalhando
duro, ouvindo depoimentos, mas para crime de assassinato é difícil
pessoas testemunharem. Mas por ora nenhuma linha pode ser descartada”,
explicou.
Para a família, por envolver políticos influentes
locais, o caso deveria ser federalizado. A SSP informou que está
descartada essa hipótese e que uma comissão de delegados vai investigar o
caso.
Além disso, “Preto Boiadeiro” diz temer novas mortes. “A
gente tem propriedade em Batalha, tem animais, não podemos deixar a
cidade; mas também não vamos esperar morrer. Estamos confiando que a
Polícia Federal entre no caso, ou que o governador tome as providências.
Tem que prender os três. Queremos que a paz reine, que isso se acabe.
Mas, se a PF não entrar e se não prender eles, não sei como vai ser,
porque eles vão querer matar mais gente”, afirmou, citando que “nós já
sabíamos que ele ia matar um dos nossos, sempre falávamos disso nos
nossos encontros”.
A empregada doméstica do vereador Neguinho
Boiadeiro afirmou que nunca ouviu qualquer relato de ameaça contra ele.
“Era uma pessoa pacata. Não sabia, nem ouvi nada de que queriam pegar
ele. Ele não gostava de confusão. Vamos sentir muita falta dele.
Queremos paz, Batalha é pequena e não pode viver assim nessa violência
toda”, relatou, aos prantos.
O presidente da Assembleia, Luiz Dantas, foi procurado pelo UOL e
afirmou, por meio de sua assessoria, que a família está abalada,
prefere ficar resguardada e não se pronunciar neste momento, aguardando o
andamento das investigações. “Confio na polícia, no governo e na
Justiça do meu Estado, no sentido de elucidar os fatos criminosos e
punir seus responsáveis na forma da lei”, disse o deputado em nota no
sábado.
A reportagem também foi à sede da Prefeitura de Batalha,
mas o prédio estava fechado. Na casa da prefeita, Marina Dantas, havia
apenas policiais circulando pelos arredores.
“Vamos mostrar que a lei é maior”
O
promotor Luiz Vasconcelos foi designado pelo MP (Ministério Público) de
Alagoas para acompanhar as investigações do caso. Atuando no órgão e na
área criminal há 31 anos, diz que já conhece a disputa das famílias
Dantas e Boiadeiro. Relata, inclusive, que ela nasceu antes da morte de
José Miguel Miguel Dantas, em 1999.
“Antes disso eles já tinham
esse problema. Desde que comecei no MP já havia rusga de família. Não se
sabe explicar por que começou. Vários casos passaram por mim ao longo
da minha carreira.”
O promotor preferiu não avaliar qual o tamanho
da disputa e diz que espera que o poder público dê uma resposta forte e
rápida. “Mensurar se é [uma disputa] grande ou pequena não é fácil, mas
o fato é que ela já vitimou os dois lados. A gente pensou que tinha
ultrapassado isso, não sei a motivação atual para acirrar esses ânimos,
mas vamos mostrar para os dois lados que o lado da lei é o maior. Para
isso vamos desvendar quem cometeu os crimes e os levar a julgamento. Mas
precisamos de ajuda dos dois lados”, afirmou.
Coronel diz que cidade “não pode virar bangue-bangue”
Coordenador
da operação de ocupação de Batalha, o comandante do Policiamento de
Área do Interior, coronel Walter do Valle, disse que o efetivo policial
na cidade foi aumentado em dez vezes, saltando de cinco para 50
militares. A ocupação, diz, é por tempo indeterminado.
Valle
afirma que a grande presença policial é para evitar mais violência.
“Conversamos com os dois lados”, disse, criticando a acusação da família
da vítima. “O que a família disse é inconsequente, porque dá margem a
todo mundo se armar. E não podemos deixar que fiquem nessa de achar que
um fez uma coisa e vingar. Aqui não pode virar um bangue-bangue. Já
viramos essa página dessa história, e a polícia está aqui para isso”,
afirmou.
Nas ruas da cidade, poucas pessoas circulavam, mesmo com o vaivém dos carros policiais.
Pelas
redes sociais, boatos de ataques, incêndio ao prédio da prefeitura e
tiros disparados nas ruas circulavam e tornavam ainda mais apreensiva a
saída das pessoas. As escolas públicas não tiveram aulas.
Entre os
moradores, o clima é de apreensão absoluta. “Ninguém podia imaginar uma
coisa dessas. No domingo [5] mataram duas pessoas, e agora esses casos.
Todo mundo fica com medo até de sair na rua”, disse uma moradora de 52
anos que nasceu e sempre morou em Batalha, mas não quis se identificar.
UOL
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