Devastação criminosa da Chapada dos Veadeiros, no maior incêndio que se tem notícia na região
Por trás do incêndio do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, há uma combinação de interesses econômicos privados e negligência do setor público em relação aos crimes ambientais
COMBATE Brigadista em meio às chamas: força-tarefa demorou uma semana para chegar (Crédito: FERNANDO TATAGIBA) |
O total queimado corresponde a quase 70 mil campos de futebol e
abriga as principais atrações naturais da reserva que injeta R$ 100
milhões por ano na economia local. “Nunca tinha visto um incêndio dessa
proporção”, diz Fernando Tatagiba, gestor do Parque Nacional da Chapada
dos Veadeiros, controlado pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), órgão do
Ministério do Meio Ambiente.
O maior foco de incêndio teve início na terça-feira 17, às margens da
rodovia GO-118, próximo ao município de Pouso Alto. Um inquérito para
apurar as causas será aberto a pedido do Ministério. Tudo leva a crer
que o fogo tenha sido criminoso. “Motoqueiros carregando galões de
gasolina foram vistos na região pela população”, afirma o ministro em
exercício, Marcelo Cruz. Uma das razões aventadas por ambientalistas é o
interesse de fazendeiros da região em ocupar terras da reserva com o
avanço de pastos e lavouras. “Não tenho como afirmar a motivação, isso a
investigação vai nos dizer, mas sabemos que o fogo começou em locais
estratégicos, de difícil acesso e a favor do vento que, nessa região,
gira em torno de 50 km por hora”, diz o ministro, reforçando a ideia de
origem criminosa.
CORTE DE GASTOS
Pior que uma tragédia ambiental desse porte é o descaso das autoridades,
cuja prontidão em dar uma resposta eficaz ao incêndio fez com que ele
saísse de controle.
Cruz assumiu interinamente a pasta em substituição ao deputado federal José Sarney Filho (PV), que se licenciou do cargo para poder votar a favor de Michel Temer na quarta-feira 25, durante a sessão que barrou a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente.
Cruz assumiu interinamente a pasta em substituição ao deputado federal José Sarney Filho (PV), que se licenciou do cargo para poder votar a favor de Michel Temer na quarta-feira 25, durante a sessão que barrou a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente.
Ainda que Cruz afirme ter se empenhado na resposta à tragédia, o fogo
já ardia por uma semana quando o governo federal enviou as primeiras
aeronaves ao local, iniciando tardiamente o que seria a maior operação
de combate na história do Cerrado. Um avião Hércules da FAB, capaz de
despejar 12 mil litros de água por voo, se somou a seis aeronaves de
pequeno porte e dois helicópteros do Ibama, além centenas de brigadistas
e voluntários.
Segundo ambientalistas, a demora em enviar os equipamentos adequados
não é o único ponto falho na ação do ministério. O fogo é um elemento
natural do ecossistema do Cerrado.
Por isso mesmo, é imprescindível investir na prevenção. De acordo com
Marcus Saboya, presidente da ONG Rede de Integração Verde (RIV) e
membro do Conselho do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o número
de brigadistas do Ibama na região foi reduzido este ano por corte de
gastos. “Esses profissionais são fundamentais para fazer frente ao fogo
antes que ele se alastre, porque depois não há número que consiga
extingui-lo em pouco tempo.
Os ventos por aqui são fortes e mudam de direção, espalhando as
chamas para todo lado”, diz Saboya, que há 18 anos vive na região e já
atuou no combate ao fogo muitas vezes – mas nenhum com a força
destruidora das últimas semanas. “Foi um dano incalculável e irreparável
a esse bioma, que tem espécies ameaçadas de extinção. A flora do
Cerrado até pode voltar logo que começar a chover, mas os prejuízos ao
ecossistema são imensos com a morte de centenas de espécies”, afirma.
Entre as espécies ameaçadas de extinção e endêmicas, que só existem no
local, estão o pato-mergulhão, o lobo-guará, o cervo-do-Pantanal e a
onça pintada.
FUMAÇA Vista aérea da região por onde o fogo avança: especialistas temem a morte de espécies ameaçadas |
A região de Alto Paraíso de Goiás, uma das mais atingidas pelo fogo,
ao lado de Cavalcante, já vive também uma crise hídrica. Nos últimos
três anos, os índices pluviais do município de Alto Paraíso ficaram
abaixo da média histórica. “A nascente que abastece a cidade está sem
água e outras estão secando. Não há rios volumosos por aqui, mas muitas
nascentes”, afirma Saboya. “As temperaturas estão cada vez mais altas e
os ambientes cada vez mais secos.” Com o clima seco, as queimadas, que
continuam sendo provocadas por alguns pecuaristas da região, podem se
alastrar rapidamente, impulsionadas pelos ventos fortes dessa época do
ano. Não ter uma estratégia preventiva eficaz é uma das omissões do
poder público que acabaram fazendo da fatalidade o pior incêndio da
região.
Istoé
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