Inédito: Observado pela primeira vez fenômeno de fusão de estrelas de nêutrons
O evento foi previsto pela Teoria da Relatividade Geral, formulada pelo físico Albert Einstein há mais de 100 anos
“Ondas gravitacionais já haviam sido detectadas anteriormente, mas foi a primeira vez que se detectou luz ao mesmo tempo da onda gravitacional”, completa - (Foto: Reprodução/NASA) |
Pela primeira vez, astrônomos do mundo todo observaram
uma fusão de estrelas de nêutrons, fenômeno que também criou ondas
gravitacionais. A detecção das ondas gravitacionais foi associada à luz
emitida pela fusão das estrelas. O fenômeno ocorreu na constelação
austral de Hidra, na galáxia NGC 4993, a 130 milhões de anos-luz da
Terra. Anteriormente, os pesquisadores haviam observado a fusão de
buracos negros, mas o acompanhamento da fusão de duas estrelas de
nêutrons foi inédito. A fusão gerou um objeto celeste chamado kilonova.
O telescópio brasileiro T80-Sul, localizado em Cerro Tololo
Inter-American Observatory, no Chile, participou da campanha de
observação da fusão com mais 70 observatórios no mundo, que miraram no
mesmo ponto de Hidra. Para a comunidade científica, as descobertas já
geram impacto imediato. “Esse é um evento histórico, que traz uma
riqueza enorme em várias áreas da astronomia e astrofísica”, comemora a
professora e pesquisadora do Instituto de Astronomia, Geofísica e
Ciências Atmosféricas (IAG), da Universidade de São Paulo (USP), e
coordenadora do Projeto T80-Sul, Claudia Mendes de Oliveira.
“Por exemplo, esse objeto que se formou [uma kilonova] tem um brilho
decrescente devido ao chamado processo R, de formação de elementos
químicos no universo que não sabíamos como eram formados. São elementos
químicos pesados que fazem parte dos planetas, como da própria Terra,
elementos que são formados somente nesse momento de fusão de estrelas de
nêutrons, algo único que só pode ser estudado com este fenômeno",
explicou a pesquisadora. De acordo com ela, entre os elementos formados
estão o ouro, a platina e o urânio.
O anúncio da descoberta foi feito nesta segunda-feira (16), durante
uma coletiva de imprensa no IAG, que contou também com a transmissão da
coletiva concedida por cientistas norte-americanos direto de Washington,
nos Estados Unidos.
O fenômeno de fusão de estrelas foi acompanhado e investigado ao
longo de todo o espectro eletromagnético, de rádio e raios gama, em uma
campanha com a participação de milhares de cientistas e 70
observatórios, envolvendo telescópios espaciais e terrestres. “A riqueza
da observação foi que esse evento foi visto em diferentes comprimentos
de onda, em diferentes frequências, com uma riqueza de dados que ainda
vai ser estudada e muitos resultados ainda virão”, avalia a professora.
O alerta do evento foi emitido no dia 17 de agosto deste ano pelo
telescópio espacial de raio gama Fermi, da Nasa (National Aeronautics
and Space Administration, nos Estados Unidos). No entanto, a
identificação do objeto em luz visível só foi feita depois de 10 horas
de ocorrido o evento pelo time do telescópio Swope, situado em Las
Campanhas, no Chile. A partir de determinada a localização do objeto, o
T80-Sul foi programado para observar essa parte do céu.
Telescópio brasileiro
O telescópio brasileiro acompanhou e caracterizou a evolução do
brilho do objeto em diferentes regiões do espectro visível. O objeto foi
observado ao longo de 80 minutos, após 35 horas da fusão de estrelas de
nêutrons, no começo da noite de 18 de agosto. “O evento gerou ondas
gravitacionais e gerou luz. Assim, pudemos tirar uma imagem do objeto
igual às que tiramos com uma máquina fotográfica. Com o telescópio,
tiramos uma imagem e isso foi a primeira vez que ocorre”, ressalta
Claudia de Oliveira.
“Ondas gravitacionais já haviam sido
detectadas anteriormente, mas foi a primeira vez que se detectou luz ao
mesmo tempo da onda gravitacional”, completa.
O objeto formado tem o nome de kilonova. “É um objeto que está
diminuindo o seu brilho muito rapidamente, exatamente por causa do
decaimento que vai dar origem a esses novos elementos químicos. Ele
tende a sumir nas imagens porque foi diminuindo de brilho e fica abaixo
do limite de detecção”, esclarece Cláudia. “Com a informação do objeto
que se formou, saberemos a natureza dele, a formação dos elementos novos
e todas as outras informações, porque vemos o objeto. Essa é a grande
novidade deste evento”, celebra.
Para o diretor do IAG, da Universidade de São Paulo (USP), Pedro
Leite da Silva Dias, as descobertas científicas têm um nível de
interação importante. “O desenvolvimento das tecnologias tem impacto em
várias áreas do conhecimento, inclusive na ciência da saúde, um exemplo é
o tomógrafo”, ressaltou.
Mapeamento do céu
Localizado nos Andes chilenos, o telescópio brasileiro T80-Sul
começou a funcionar em 2016, realizando o Projeto S-Plus (Southern
Photometri Local Universe Survey), de mapeamento do céu do Hemisfério
Sul.
O diferencial do telescópio robótico é que ele observa uma grande
parte do céu do Hemisfério Sul. Em uma única observação o telescópio
cobre o equivalente à área de 10 luas cheias. “O telescópio tem um campo
de visão muito grande, e para este tipo de ciência é muito importante
para a detecção da contrapartida ótica das ondas gravitacionais”,
informa Cláudia.
Segundo a pesquisadora, o céu inteiro são 40 mil graus quadrados. “O
telescópio tem capacidade para observar um quinto do céu, ou seja, 8 mil
graus quadrados. Além disso ele tem um conjunto de 12 filtros e os
telescópios normalmente têm até cinco filtros, então nos dá informações
que os outros telescópios não dão, apesar de que é uma informação dada
no universo local, dos objetos que estão próximos, mas é uma informação
bem diferenciada por ter 12 filtros, ou seja, tem maior resolução
espectral”.
O investimento é de mais de US$ 3 milhões e é financiado pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),
Observatório Nacional, Universidade de São Paulo, Universidade Federal
de Sergipe e Universidade Federal de Santa Catarina.
Ondas gravitacionais
As ondas gravitacionais são ondulações no espaço-tempo, onde ocorrem
os eventos do universo, produzidas por eventos energéticos como colapsos
de núcleos de estrelas por fusão de buracos negros, por exemplo. O
evento foi previsto pela Teoria da Relatividade Geral, formulada pelo
físico Albert Einstein há mais de 100 anos.
Há até dois anos, elas não tinham sido detectadas, mas em setembro de
2015 o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferência Laser
(Ligo, a sigla em inglês) conseguiu a façanha, o que rendeu o Prêmio
Nobel de Física de 2017 aos professores Rainer Weiss, Barry Barish e Kip
Thorne.
Agência Brasil
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