Reitor que pulou para a morte como protesto diz em carta: “Eu preso, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes”
Em última carta, reitor da UFSC morto se diz ‘perplexo e amedrontado’. Para as pessoas próximas ao reitor, Cancellier seria vítima do Estado de exceção que a Justiça hoje impõe ao país |
Reitor preso, depois solto e afastado da Universidade Federal de
Santa Catarina por decisão judicial, Luiz Carlos Cancellier
foi encontrado morto na manhã desta segunda-feira (2) no Shopping
Beira-Mar, em Florianópolis. Ele vinha sendo investigado pela operação
Ouvidos Moucos, da Polícia Federal, que apura supostos desvios de
recursos em programa de bolsas de ensino à distância no curso de
Administração. Detalhe: segundo Cancellier expressa na carta abaixo, as
acusações referem-se à gestão anterior à sua, que teve início em maio de
2016, o que, no entanto, não impediu que ele fosse levado ao complexo
penitenciário na semana passada, acusado de obstrução da investigação.
Para as pessoas próximas ao reitor, Cancellier seria vítima do Estado
de exceção que a Justiça hoje impõe ao país. “Portanto, ser conduzido
nas condições em que ocorreu a prisão deixou-me ainda perplexo e
amedrontado. Para além das incontáveis manifestações de apoio, de amigos
e de desconhecidos, e da união indissolúvel de uma equipe absolutamente
solidária, conforta-me saber que a fragilidade das acusações que sobre
mim pesam não subsiste à mínima capacidade de enxergar o que está por
trás do equivocado processo que nos levou ao cárcere”, afirma Cancellier
na carta.
Confira a íntegra da carta:
“Reitor exilado”
“Não adotamos qualquer atitude para obstruir apuração da denúncia”
A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros
colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana
não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que
fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas
vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde
maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de
ensino superior brasileira; avaliada com vários cursos de excelência em
pós-graduação pela Capes e homenageada pela Assembleia Legislativa de
Santa Catarina. Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa
honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E
impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.
Quando
assumimos, em maio de 2016, para mandato de quatro anos, uma de nossas
mensagens mais marcantes sempre foi a da harmonia, do diálogo, do
reconhecimento das diferenças. Dizíamos a quem quisesse ouvir que, “na
UFSC, tem diversidade!”. A primeira reação, portanto, ao ser conduzido
de minha casa para a Polícia Federal, acusado de obstrução de uma
investigação, foi de surpresa.
Ao longo de minha trajetória como estudante de Direito
(graduação, mestrado e doutorado), depois docente, chefe do
departamento, diretor do Centro de Ciências Jurídicas e,
afortunadamente, reitor, sempre exerci minhas atividades tendo como
princípio a mediação e a resolução de conflitos com respeito ao outro,
levando a empatia ao limite extremo da compreensão e da tolerância.
Portanto, ser conduzido nas condições em que ocorreu a prisão deixou-me
ainda perplexo e amedrontado.
Para além das incontáveis manifestações de apoio, de amigos e
de desconhecidos, e da união indissolúvel de uma equipe absolutamente
solidária, conforta-me saber que a fragilidade das acusações que sobre
mim pesam não subsiste à mínima capacidade de enxergar o que está por
trás do equivocado processo que nos levou ao cárcere. Uma investigação
interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não
permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas
repassadas à PF; sonegação de informações fundamentais ao pleno
entendimento do que se passava; e a atribuição, a uma gestão que recém
completou um ano, de denúncias relativas a período anterior.
Não adotamos qualquer atitude para abafar ou obstruir a
apuração da denúncia. Agimos, isso sim, como gestores responsáveis,
sempre acompanhados pela Procuradoria da UFSC. Mantivemos, com
frequência, contatos com representantes da Controladoria-Geral da União e
do Tribunal de Contas da União. Estávamos no caminho certo, com
orientação jurídica e administrativa. O reitor não toma nenhuma decisão
de maneira isolada. Tudo é colegiado, ou seja, tem a participação de
outros organismos. E reitero: a universidade sempre teve e vai continuar
tendo todo interesse em esclarecer a questão.
De
todo este episódio que ganhou repercussão nacional, a principal lição é
que devemos ter mais orgulho ainda da UFSC. Ela é responsável por quase
100% do aprimoramento da indústria, dos serviços e do desenvolvimento
do estado, em todas as regiões. Faz pesquisa de ponta, ensino de
qualidade e extensão comprometida com a sociedade. É, tenho certeza,
muito mais forte do qualquer outro acontecimento“.
Fonte: https://www.pragmatismopolitico.com.br/ - Publicado por: Gutemberg Cardoso
Fonte: https://www.pragmatismopolitico.com.br/ - Publicado por: Gutemberg Cardoso
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