Morre travesti de foto na quadra da Mangueira com padre Fábio de Melo, em 2015
A
travesti Luana Muniz morreu, aos 56 anos, na manhã deste sábado no Rio
após complicações de problemas renais e de coração decorrentes de uma
pneumonia bilateral. Ativista LGBT, ela estava em coma há uma semana no
Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, em Acari. O velório será neste
domingo no Cemitério do Irajá, às 13h.
O trabalho de Luana ganhou visibilidade após seu encontro com o padre
Fabio de Melo na quadra da Mangueira, em 2015. Na época, o religioso,
durante um testemunho, admitiu seu preconceito e reconheceu seu erro ao
julgar Luana, que comandava um projeto social na Lapa, onde vivia.
“Quando Deus coloca essas pessoas diante de nós, é para desmoronar os
castelos de ilusão que nós criamos dentro”, disse o padre.
Madrinha de Luana, a cantora Alcione lamentou a perda da “Rainha da
Lapa”, a quem definiu como uma amiga maravilhosa e um ser humano ímpar.
“Foi-se embora e nos deixou muita saudade, mas com certeza um espírito
como esse, batalhador e generoso, agora está nos braços de Deus.
Descanse, minha amiga”, disse a Marrom.
Outra amiga de longa data, Lorna Washington, 55, diz que a militante
deixa um legado de respeito e tolerância pelo próximo: “Ela abria sua
casa para travestis expulsas pela família e distribuía comida para
moradores de rua”, conta Lorna, afirmando que a polêmica com o padre
possibilitou um momento de reflexão na sociedade. “Foi um despertar
espiritual para o padre que sofreu duras represálias“.
Segundo Lorna, Luana era fumante desde a adolescência e recebeu a visita
da cantora Alcione na última quinta-feira. “Ela havia apresentado uma
melhora, estava lúcida. A notícia nos pegou de surpresa. Não
esperávamos”.
Relebre depoimento emocionado de padre Fabio:
“Semana passada eu vivi uma situação. A Alcione me convidou para estar
no aniversário dela, lá na quadra da Mangueira... Fiquei lá por uma hora
mais ou menos... Mas o que me chamou a atenção foi um travesti que
estava lá. Posso confessar uma coisa para vocês? Quando eu vi, ele
estava olhando para mim (pausa). E olha que eu não sei ficar sem
graça... Mas sabe o que me ocorreu? Vou confessar publicamente a minha
hipocrisia: ‘Meu Deus do céu, se esse rapaz pedir para tirar uma foto
comigo? Como que eu vou reagir?’ (pausa). Independente de qualquer
julgamento, estou confessando a hipocrisia do meu coração naquela hora.
Muitas pessoas começaram a se encorajar para tirar foto comigo. E ele (o
travesti) lá do fundo olhando. Quando, de repente, eu só vi a sombra
dele na minha direção, e o meu preconceito, o medo de me expor, tudo
vindo à tona. Que coisa horrorosa isso em nós... Como se eu fosse
melhor. Isso é mesquinho, é vergonhoso o que eu estou dizendo pra
vocês”.
“Aí ele veio, com um vestido longo e falou pra mim: 'O senhor costuma
tirar fotos com pecadoras?'. E eu percebi que tinha uma ironia ali. E eu
respondi: mas é claro! E abracei ele e tiramos a foto. Antes de sair,
ele disse: ‘eu não acredito que o senhor permitiu’. E os olhos dele
estavam emocionados. Assim que ele saiu, Maria Helena, a irmã da
Alcione, me contou a história. Ela disse que ele mora na Lapa e criou um
grupo que alimenta e recolhe todos os miseráveis daquela região. Ele dá
banho, alimenta, não tem nojo de ninguém. E faz de tudo para aquela
pessoa retornar à vida. E não é só isso. Ele torna-se uma espécie de
vigilante, protegendo os moradores...”
“Quando ela me contou aquela história, eu comecei a unir as coisas
dentro de mim. Eu não entro no mérito da questão da vida que ele leva,
vamos deixar que Deus faça isso. Não sou síndico da Eternidade. Agora,
que é um tapa na cara da gente, é!”.
“Aquele que você enxerga e que, naturalmente, provoca um desconforto por
ser tão diferente de nós, não sabemos quantas coroas da dignidade foram
recolocadas na vida daquela pessoa quando ele alimenta o próximo. Você é
cristão e nem sempre está disposto a cuidar de quem está doente,
colocar dentro da sua casa e dar de comer”.
“Não cabe nenhum julgamento do lado de lá, cabe aqui. Quando Deus coloca
essas pessoas diante de nós, é para desmoronar os castelos de ilusão
que nós criamos dentro. Como se o nosso cristianismo tivesse pronto.
Como se nós já tivéssemos chegado ao último estágio dessa santidade que
Deus nos convida. Não, eu ainda me envergonho dos que são diferentes de
mim. Eu ainda tenho medo de ir ao encontro daqueles que precisam de mim.
E a palavra de Paulo é dura: a missão de vocês é junto daqueles que
estão necessitados”.
Extra
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