Atlas das Caatingas mostra problemas em áreas de proteção ambiental
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Parque Nacional do Catimbau |
Ocupação irregular de terras, desmatamento, falta de
estrutura e de demarcação foram alguns dos problemas encontrados, em
três anos de pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), em 14
unidades de Conservação federais de proteção integral, localizadas no
bioma Caatinga brasileira. O Atlas das Caatingas reúne em
detalhes informações fundiárias e da flora de cada uma das áreas
estudadas, e virou também documentário, pré-lançado ontem (9) no Recife.
Um dos biomas brasileiros menos estudados no país, a
Caatinga se estende por dez estados e compreende 10% do território
nacional, com 844 mil quilômetros quadrados. É o único bioma encontrado
exclusivamente no Brasil e é lembrado geralmente pelo visual na época de
seca, quando as árvores perdem as folhas e a mata se torna cinzenta e
quebradiça. A pesquisa mapeou cerca de 1% desse território.
Desenvolvido em parceria com a Universidade Federal
de Campina Grande (UFCG), o estudo foi feito entre dezembro de 2013 e
dezembro de 2016. Os pesquisadores percorreram mais de 22 mil
quilômetros nas 14 unidades de Conservação, todas geridas pelo Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Nelas, não é
permitida qualquer atividade econômica ou mesmo o uso sustentável,
exceto o turismo e a pesquisa científica.
Para montar o diagnóstico foram entrevistados todos
os chefes das unidades de Conservação, além de funcionários do ICMBio,
moradores da região, professores que desenvolvem estudos nesses locais,
entre outros. Segundo Neison Freire, pesquisador titular da Fundaj que
coordenou a pesquisa, cada unidade tem problemas específicos, mas a
falta de recursos humanos e financeiros é uma constante e acaba
agravando as dificuldades locais.
Ele cita desde a falta de combustível para veículos
de fiscalização até a indisponibilidade dos próprios carros e da falta
de dinheiro para consertar uma bomba d’água, impedindo que um espaço
disponível para receber alunos e professores de escolas públicas seja
utilizado. “Todas têm problemas de gestão, que não é local. O problema
está em nível federal, na pouca atenção dada a esse bioma, o único
exclusivamente brasileiro”, afirma.
A sociedade também contribui para ameaçar esses
espaços protegidos. Como as unidades de Conservação pesquisadas não
podem ter atividade econômica, as populações que ainda residiam ou
tinham alguma atividade na área, quando elas foram criadas, deveriam ser
indenizadas e remajenadas. Além de comunidades de povos tradicionais,
como indígenas e quilombolas, resistirem à mudança, fazendeiros –
incluindo pequenos proprietários – permanecem nos locais proibidos.
“Alguns foram indenizados e não querem sair e outros estão especulando
para ter maior valorização da terra para se retirar, o que gera muitos
problemas para a gestão e fiscalização das unidades”, informa Freire.
Catimbau e Chapada Diamantina
O maior problema das unidades, segundo o pesquisador,
está em Pernambuco, o Parque Nacional do Catimbau. Ele não tem nem
mesmo um escritório do ICMBio, e a sua demarcação nunca foi feita. Além
disso, há conflitos fundiários, corte de madeira e atividade econômica
dentro da área. Outra unidade onde foram encontrados problemas é um dos
cartões postais brasileiros: O Parque Nacional da Chapada Diamantina.
“Temos, de um lado, o agronegócio, que usa muitos
fertilizantes, que vão contaminar rios e corpos d’água, e, do outro
lado, uma especulação imobiliária muito forte. Em Lençois já começam a
surgir favelas. Fora uma fragmentação das áreas para a construção de
pousadas, um negócio que não é feito pela comunidade local, mas por
empresários da parte Sul do país”.
Apesar das questões negativas, os pesquisadores
também citaram “efeitos não esperados” nas expedições, como a influência
do Bolsa Família na recuperação da fauna do Vale do Catimbau. É que, de
acordo com o pesquisador da Fundaj, a comunidade do entorno costumava
caçar as aves nativas para complementar a alimentação. Com o recurso
federal, houve a redução da caça. “Outro aspecto no Vale do Catimbau são
as espécies introduzidas, como a aroeira. Elas têm alto poder de fogo,
lenha, então as populações passaram a cortar essa espécie, em vez de
espécies endêmicas, próprias da Caatinga, permitindo que essa vegetação
se recuperasse”.
Mais recursos e demarcação de terras
O Atlas das Caatingas inclui recomendações
para uma proteção efetiva às áreas estudadas. Entre as propostas estão a
abertura de concurso público e mais recursos financeiros, conforme
explicou Neison Freire. Além disso, há indicações específicas voltadas a
cada problema encontrado nas unidades. “[É preciso fazer a] demarcação
das áreas de forma urgente, a regularização fundiária para que 100%
fiquem em posse da União. Mapeamentos sistemáticos com o uso de drones,
torres de observação, contratação de brigadistas, principalmente no
período seco para combater incêndios”, sugere.
O analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente,
João Seyffarth, esteve presente no pré-lançamento do filme. Atuante no
combate à desertificação, problema ambiental encontrado na Caatinga com
alto grau de degradação, Seyffarth diz que os recursos arrecadados com a
visitação das áreas protegidas podem ser usados para melhorar a gestão.
“A gente sabe que as unidades de Conservação brasileiras geram muitos
recursos, mas, em geral, eles vão para o Tesouro Nacional. É preciso
encontrar uma maneira para que os recursos gerados sejam usados na
gestão das unidades”, defende.
Instituto responde
Em nota, o ICMBio diz que ainda não teve conhecimento
da pesquisa de modo oficial, portanto não seria possível responder aos
questionamentos em detalhe. “No geral, o instituto tem se esforçado para
dotar as unidades de Conservação federais da Caatinga de todos os
instrumentos de gestão, como planos de manejo, conselhos gestores e
estrutura para abrigar servidores e pesquisadores e receber visitantes”,
acrescenta.
Entre as ações, o órgão cita as fiscalizações para
coibir crimes ambientais, ações de educação ambiental para orientar
comunidades locais e um “esforço no sentido de regularizar a situação
fundiária”. Sobre a realização de concurso público para reforçar o
número de funcionários das unidades pesquisadas, o ICMBio respondeu que
não há previsão.
Filme e pesquisa na internet
A pesquisa completa está disponível no site da Fundaj,
junto com imagens e mapas produzidos ao longo dos três anos de
trabalho. O documentário, com uma hora de duração e feito com imagens
amadoras captadas pela própria equipe de cientistas, deve ser
disponibilizado na página “nos próximo 30 dias”, segundo Neison. Ele
também será exibido em comunidades e locais pesquisados. As cidades já
agendadas são Campina Grande (PB) e Petrolina (PE).
Agência Brasil
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