O melhor lugar para morrer seria em casa?
Morrer em casa, de preferência dormindo, é o desejo de muitas pessoas. Mas, na ausência de bons cuidados paliativos, essa talvez não seja a melhor opção
Idosa recebendo cuidados médicos - (//iStock) |
Todos nós vamos morrer e disso não há nenhuma
dúvida. A maioria das pessoas que converso, quando questionadas sobre
como seria uma “boa morte” relatam uma cena maravilhosa: “quero morrer
dormindo.” Quando questiono sobre onde seria o melhor lugar para se morrer, a resposta é quase unânime: em casa.
Mas vamos então ao momento prático desta realidade: para morrer
dormindo, subitamente, não temos muito o que fazer senão torcer para que
isso aconteça. E posso dizer que isso vai ser muito raro de acontecer…
Mas, quando falamos de onde queremos morrer, é preciso considerar alguns “pré requisitos”.
A importância de bons cuidados paliativos
Primeiro é preciso ter condições técnicas de acesso ao tratamento
em casa, ou seja, vamos precisar de uma infraestrutura mínima de
tratamento. Se for para o tratamento de sintomas de sofrimento, temos já
o primeiro grande portal a ser atravessado: no Brasil as empresas de
“Home Care” praticamente desconhecem o que é cuidado paliativo.
Se perguntar, todas dizem que fazem, mas se investigar,
vamos descobrir verdadeiras atrocidades nesta prática. Nenhum
profissional formado legitimamente na área e praticamente todos os
envolvidos, desde o gestor até o técnico de enfermagem jamais tiveram
uma aula sequer sobre controle de dor, avaliação multidimensional do
sofrimento humano, gestão prática do falecimento em domicílio ou até
mesmo pensaram honestamente sobre a sua própria morte.
A maioria dos doentes em terminalidade desejariam morrer em
casa, mas nesta opção, sem cuidados paliativos de excelência, a morte em
casa pode ser uma grande catástrofe. Um estudo publicado em 1992*
mostrou que muitos dos pacientes admitidos num hospital poderiam ter
sido muito bem cuidados em casa se um programa de cuidados domiciliários
apto em cuidados paliativos estivesse disponível.
Necessidades dos pacientes, familiares e cuidadores
A tendência atual em muitos países é de encorajar a assistência e a morte domiciliar.
Alguns estudos exploraram as necessidades dos pacientes, seus
familiares e cuidadores e demonstraram que há necessidade de suporte
continuado para alivio da ansiedade, da exaustão e da angústia de cuidar
de alguém tão amado em seus últimos tempos de vida. Tanto para
pacientes quanto para cuidadores, as necessidades incluem a adequada
abordagem e tratamento de sintomas, apoio emocional e espiritual. Os
familiares e cuidadores relatam neste estudo que sentiram falta de
informações específicas para o respeito das suas preferências e as dos
pacientes, para a experiência de morrer em casa.
Para que que esse último dia da nossa vida alcance a
realização de uma lembrança possível de ser vivida sem arrependimentos, é
preciso começar a conversar sobre esta realidade.
Nossa cultura tão frágil em consciência da nossa finitude mal consegue
verbalizar a palavra “morte” . Ainda teremos muito para evoluir neste
assunto, até que amadureça a possibilidade de realizarmos o desejo de
escolha de onde morrer. Saiba então que o melhor lugar para se morrer é onde todas as nossas necessidades de conforto sejam prontamente atendidas.
No fim da vida não teremos tempo para esperar que alguém se
importe em nos manter confortáveis, não teremos tempo de aguardar alguém
se preparar para nos atender. Precisamos de pessoas que se comprometam
com isso de uma maneira integral, respeitosa e compassiva. Morrer bem em casa é um desafio imenso
em nosso país, mas enquanto cada um de nós se amedrontar em falar sobre
a morte, será cada dia mais impossível realizar um desejo tão sagrado e
tão humano de morrer em paz, em casa.
*Lubin S. Palliative care—could your patient have been managed at home? J Palliat Care 1992;8:18–22.
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