Catador de lixo é eleito vereador e passará a contar com subsídio mensal de R$ 6 mil
A
série de reportagens apresentando fenômenos eleitorais nas eleições
municipais deste ano na região Nordeste realizada pelo blog do Magno
Martins, de Pernambuco, em parceria com o Portal MaisPB, mostra,
nesta quarta-feira (16), o catador de lixo Cassiano Oliveira da Silva,
de 22 anos, eleito vereador, em Passira, no Agreste pernambucano, a 79
km do Recife, depois de viver a infância e a adolescência enfiando as
mãos num lixão para ajudar o pai, “Seu Biu”, conhecido catador de
recicláveis da cidade.
Veja vídeo:
Cassiano,
que aos oito anos, as cinco da manhã, já estava enfurnando a cara numa
fedentina insuportável, retirado da cama pelo pai, agora é um
parlamentar legitimado pelas urnas. Um sem renda passará a contar com um
subsídio mensal de R$ 6 mil. Quando ninguém acreditava na confirmação
da sua sina – nem ele próprio, que se apresentou ao julgamento popular
com o slogan “Vote no liso” – as urnas de 2 de outubro transformaram sua
vida. Foi o quarto vereador mais votado de Passira, com 886 votos. De
onde vieram seus votos?
“Eu
ainda nem acredito que fui eleito. A ficha ainda não caiu, porque todo
mundo falava e tirava onda de mim. Diziam que eu ia pra lá só para
completar chapa, que eu ia ter 30 votos. Mas a população me deu esse
presente de 866 votos”, desabafa Cassiano, para quem seu eleitorado é
formado por gente que trocou as ofertas de dinheiro por uma proposta
decente. É formado, também, por jovens, como ele, que apostaram no
diferencial, que não se submeteram a ofertas mirabolantes para vender o
voto, exercitando sua cidadania.
Enquanto
muitos torram fábulas de dinheiro para chegar ao poder, Cassiano gastou
apenas R$ 50, quantia, segundo ele, usada para abastecer a moto em que
percorreu as áreas distantes do município para alcançar o eleitorado.
“Eu dizia vote no liso, que o liso vai lutar por você quando chegar lá.
Minhas palavras eram sinceras, sem hipocrisia. Aí o pessoal acreditou,
apostou num projeto diferenciado”, afirmou.
Cassiano
se inspirou no ditado de que todo mundo gostaria de se mudar para um
lugar mágico. Mas são poucos os que têm coragem de tentar. Ele tentou e
conseguiu. Eleito, o jovem parlamentar já tem a sua primeira bandeira:
acabar com o lixão, de onde a família – o pai e outro irmão de 19 anos –
continua tirando o seu sustento. “Meu pai e meu irmão não podem
continuar vivendo feito bicho. Isso não é vida! O que enfrentei aqui,
criança e rapaz, não desejo a ninguém. Para você ter uma ideia, fiquei
imune ao fedor. Na minha casa, a 300 metros do lixão, as pessoas que nos
visitam reclamam do mau cheiro, mas a gente, já impregnado pela rotina
da fedentina, não sente mais nada”, diz.
O
fim do lixão, em sua opinião, passa pela transformação da área numa
usina de recicláveis. Ele quer, ainda, criar uma cooperativa para quem
trabalha com recicláveis. “Isso ajudará a trazer uma solução para esse
lixão, que é uma coisa que não pode mais existir, um lixão a céu aberto,
irregular. Vou tentar regularizar isso. A cooperativa vai gerar emprego
no nosso município, que está muito carente de emprego. Isso aqui é um
potencial, porque lixo é dinheiro”, destacou.
A dura rotina
O
lixão de Passira fica ao lado de uma área no sítio Salgado, onde
Cassiano nasceu e ainda mora numa casa de alvenaria, antes um barraco de
invasão. Ele conta que viveu dos oito aos 16 anos catando lixo, recurso
que sobrou para ajudar o pai. “Eu chegava para o trabalho antes do sol
raiar, para esperar a descarga dos caminhões com o lixo. Ficava ali,
feito urubu a espera da carniça. Era horrível. Muitas vezes abria o que
vinha embrulhado ou em caixas e se deparava com animais mortos”, revela,
com semblante de tristeza.
A
parte orgânica era separada para servir de ração aos porcos criados por
seu Biu. “Meu pai ainda tira daqui a lavagem dos seus porcos”,
ressalta, adiantando que todo material reciclável que colhia não podia
ser vendido em separado, como resultado do seu trabalho. “Eu trabalhava
exclusivamente para ajudar meu pai. A única forma de ganhar um extra era
juntar pedaços de ossos, que algumas pessoas me compravam para
transformar em ração”, disse.
No
lixão, o expediente de Cassiano ia até meio dia, para não perder aula.
Ele conseguiu acabar o ensino médio numa escola do município, onde
conheceu uma jovem com quem se relaciona e tem planos para casar. “Quero
ter uma vida decente, ser gente na vida”, diz. Seu sonho revelado: ser
médico veterinário. “Vou estudar num cursinho preparatório para o
vestibular. Sei que a política está me dando uma oportunidade para lidar
com gente, mas gosto muito de animais e sonho entrar numa faculdade de
Veterinária”, afirmou.
Na
primeira experiência política, Cassiano subiu no palanque de uma
candidata à prefeita que poucos acreditavam também na sua eleição: Rênya
Carla (PP), personagem de reportagem postada ontem neste blog por ter
posto abaixo o coronelismo do prefeito Severino Silvestre (PSD),
enfrentando o duro preconceito por ser homossexual. “Rênya, como eu,
enfrentou discriminação e preconceitos, mas ela sempre dizia que a vida
particular dela não interessa para ninguém. O que interessa é a vida
pública e ela, como um simples mandato de vereadora, fez muito mais
coisas que vários políticos que tem anos e anos de carreira, que fizeram
apenas o básico, apenas a obrigação deles”, observa.
MaisPB
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