Bancos suspendem concessão de consignados a servidores de estados endividados
A
Associação Brasileira de Bancos (ABBC), que representa os bancos
médios, com forte atuação no segmento de crédito consignado, confirma a
suspensão das concessões desse tipo de empréstimos a servidores de
estados que deixaram de pagar as parcelas dos funcionários e diz que
está em negociação com esses governos para regularizar a situação. Por
isso, explica a ABBC, as instituições associadas ainda não recorreram à
Justiça.
RIO: REGULARIZAÇÃO A PARTIR DE ABRIL
O
diretor da Associação dos Bombeiros Militares do Estado do Rio de
Janeiro (ABMERJ), Marcelo Mata, conta que os colegas não estão
conseguindo contratar novos empréstimos consignados. Ele mesmo conta ter
sido incluído em cadastro negativo por causa do calote do estado aos
bancos. Mata confirma que mensalmente a parcela do seu empréstimo, feito
no ano passado, é descontada de seu salário. Segundo ele, esse problema
é recorrente entre os colegas da categoria.
— O valor da
prestação é descontado no contracheque do servidor, mas não é pago ao
banco. Isso quer dizer que o governo está fazendo caixa e, na berlinda,
está o CPF do servidor — queixa-se Mata.
Ele conta que o setor de
cobrança do Bradesco liga várias vezes ao dia. Por isso, a solução foi
recorrer à Justiça, mas sua ação contra o governo fluminense ainda não
foi julgada.
Procurada, a Secretaria da Fazenda do Rio confirmou
que precisou atrasar parcelas de março e abril, por causa dos arrestos
judiciais no caixa do estado naqueles meses. O órgão informou ainda que
ainda não houve ações dos bancos contra o estado (judicialização) uma
vez que, de abril para cá, os pagamentos estão sendo feitos de acordo
com o estabelecido. O governo do Rio calcula que o valor devido aos
bancos por conta das parcelas não repassadas gire em torno de R$ 500
milhões. O órgão destacou ainda que o decreto estadual 45.563 impede a
negativação do nome do servidor nos órgãos de proteção ao crédito,
punindo a instituição que tomar esta iniciativa com o seu
descredenciamento.
O Bradesco afirma que não suspendeu novas
concessões e que continua operando crédito consignado para servidores
públicos do estado do Rio. Mas, perguntado, não informou se cogita
eventuais ações na Justiça contra o governo fluminense, nem falou sobre o
fato de estar incluindo o nome de servidores com problemas, como Mata,
nos cadastros de serviços de proteção ao crédito.
Nos estados do
Tocantins e do Amapá, servidores públicos estaduais têm histórias
parecidas. Claiton Pinheiro, presidente do Sindicato dos Servidores
Públicos do Tocantins, conta que também está com o nome sujo por conta
de um consignado descontado de seu salário, mas que não foi repassado
pelo governo ao banco.
Pinheiro afirma que bancos médios já
suspenderam a oferta desta linha de crédito há alguns meses e, entre os
grandes, apenas Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal estão
liberando novas operações de consignado a servidores públicos. Mesmo
assim, apenas àqueles que não têm outro empréstimo desse tipo.
Procurado,
o BB informou que continua ativo nessa modalidade de crédito e disse
ainda que “não há pendência de repasse, no que tange ao convênio de
crédito consignado, que justifique a ação judicial”. E informou que não
coloca em cadastros negativos os mutuários em convênio de consignado.
Pinheiro
calcula que, dos 34 mil servidores estaduais do Tocantins, entre 13 mil
e 15 mil já possuem empréstimo consignado contratado. Por isso, disse, o
sindicato está entrando na Justiça contra os bancos para tentar
reverter a inclusão dos nomes de servidores na lista de inadimplentes,
já que o atraso nos repasses é de responsabilidade do governo do estado.
Procurado,
o governo do Tocantins afirmou que, “mesmo com a crise econômica que
chega aos estados e municípios, está trabalhando para honrar todos os
seus compromissos, entre eles, o repasse de consignados às instituições
financeiras sem prejuízo aos servidores públicos”.
Também
procurados, Itaú Unibanco e Santander disseram que não iriam se
pronunciar sobre como vêm procedendo nos casos de estados e municípios
que não têm repassado as parcelas do consignado de seus funcionários. Já
a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) afirmou em nota que “cada
banco está tratando de forma individualizada as propostas de
regularização desses atrasos”. E ressaltou que “cabe aos estados
repassar aos bancos os valores descontados dos servidores relativos às
parcelas devidas”.
Silvio Paixão, professor de macroeconomia da
Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis (Fipecafi), observa que o
crédito consignado sempre foi visto como sendo de baixo risco pelas
instituições financeiras, uma vez que o desconto é feito diretamente em
folha de pagamento, com o empregador se responsabilizando pelo repasse
das prestações do empréstimo. Por isso, segundo ele, são passíveis de
ações judiciais por parte das instituições financeiras.
— O
empregador, no caso o ente público, tem uma corresponsabilidade nessa
operação. Apropriar-se desses recursos (do servidor) e não repassar ao
credor (o banco) é a mesma lógica de uma apropriação indébita — afirma
Paixão.
O professor lembra que o crescimento do consignado, nos
últimos anos, esteve atrelado a essa característica de baixo risco e,
por essa razão, as categorias mais representativas nesse tipo de crédito
são os funcionários públicos e os beneficiários do INSS — “imunes”,
segundo ele, ao risco do desemprego que assombra os trabalhadores da
iniciativa privada, principalmente em períodos de crise como o atual.
FUNCIONALISMO TEM MAIOR PARCELA
Não
por acaso, o funcionalismo público detém a maior parcela dos
empréstimos consignados do país. De um saldo de R$ 286 bilhões, em
agosto passado, segundo dados do Banco Central, estão nas mãos dos
servidores (federais, estaduais e municipais) R$ 171,2 bilhões, ou 59,7%
do total. Nos últimos 12 meses, o saldo do consignado a servidores
públicos cresceu 3,4%, enquanto no ano o avanço é de 1,3%.
Os
empréstimos consignados a pensionistas do INSS somam R$ 96,7 bilhões,
cerca de 34% do total do estoque, e registraram crescimento de 13,4% em
12 meses até agosto. Já o consignado a empregados do setor privado,
cujas operações representam apenas 6,3% do total, ou R$ 18,06 bilhões,
apresentou recuo de 6,9% no mesmo período, um claro reflexo do temor da
perda do emprego.
Ao lado dos financiamentos imobiliários, o
consignado é uma das modalidades de empréstimo que tem crescido, mesmo
em um cenário de retração da oferta de crédito em geral pelos bancos —
justamente por ser uma linha com juros mais baixos (2,16% ao mês na
média) e que oferece menor risco às instituições financeiras.
G1
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