Aposentadorias disparam após risco de mudanças nas regras da Previdência Social
— Existem muitas dúvidas. Não se sabe,
por exemplo, se as mudanças serão apenas em relação a uma idade mínima
ou se outras regras também serão diferentes. Isso preocupa — diz Sandra.
Já
o analista de tecnologia Marco Figueira, de 55 anos, foi atualizar seu
cadastro no INSS na semana passada e começou a coleta de documentos para
se aposentar. Saiu da agência com uma série de tarefas para comprovar
uma parte dos anos de serviço porque perdeu uma das carteiras de
trabalho. Figueira, que começou a trabalhar com 16 anos, acredita que
pessoas que começaram cedo como ele serão as mais prejudicadas se a
idade mínima de 65 anos de aposentadoria for levada adiante:
— Já
estava avaliando a questão da aposentadoria, mas é claro que está todo
mundo preocupado, não há clareza do que está por vir, que regras vão
vigorar.
De janeiro a agosto deste ano, foram 1,710 milhão de
solicitações de aposentadoria no INSS, um salto de 7,9% frente a igual
período de 2015. A alta observada no número de benefícios efetivamente
concedidos foi ainda maior: de 25,7%, com 876.799 aposentadorias
concedidas nos primeiros oito meses do ano, após cinco anos de variações
bem menos intensas na concessão. Houve crescimento em 2011, 2012 e 2013
— ano com a maior taxa, de 5,2% — e queda de 1,08% em 2014 e de 9,66%
em 2015 — quando houve greve de servidores do INSS entre julho e
setembro.
No Estado do Rio, o crescimento foi de 21,4% nas
aposentadorias concedidas e de 21,8% nas solicitações, de janeiro a
agosto deste ano, frente ao mesmo período do ano passado. Nos pedidos de
aposentadoria por contribuição — que são os mais afetados no caso de
mudança de regras —, o aumento foi maior, de 36,6%.
RECESSÃO COLABORA PARA ALTA
Há
indicações de que o aumento da procura por aposentadoria teria começado
com a fórmula 85/95, que leva em conta a soma entre a idade e o tempo
de contribuição para definir o momento em que os trabalhadores podem se
aposentar sem serem afetados pelo fator previdenciário, que entrou em
vigor no fim de 2015. Ainda que a curto prazo a regra favoreça a
permanência por mais tempo no mercado, em busca de remuneração maior, a
avaliação é de que qualquer sinal de mudança estimula o interesse em
solicitar a aposentadoria.
Este ano, o debate sobre uma reforma na
Previdência ganhou força. Logo que assumiu, ainda na interinidade, o
governo Temer sinalizou que a reforma da Previdência é uma de suas
prioridades. A proposta em discussão é estabelecer uma idade mínima de
aposentadoria de 65 anos. Todos os trabalhadores de até 50 anos serão
atingidos pelas novas regras, com exceção de professores e mulheres (que
só serão afetados até 45 anos de idade). Quem passou dos 50 anos teria
de pagar um pedágio de 50% (adicional sobre o tempo que falta para poder
requerer o benefício).
O medo das mudanças é tão grande que levou
o técnico em segurança do trabalho de Furnas Luiz Carlos Dziekiak, de
55 anos, a abdicar de cerca de R$ 1.000 do benefício, caso trabalhasse
por mais dois anos. Na primeira semana de setembro, ele ouviu do
funcionário do INSS que poderia se aposentar agora ou aguardar os dois
anos para ganhar mais, mas não quis esperar.
— Ninguém sabe ao
certo como serão as regras. Estou preocupado com o que vai acontecer,
cada hora falam uma coisa diferente. Se tenho a chance de uma renda
certa, prefiro não arriscar — afirma Dziekiak, que já tinha os 35 anos
de contribuição e confia na Previdência complementar para ajudar na
aposentadoria.
Um funcionário do INSS citou o caso de um taxista,
de 58 anos, que pagou o equivalente a três anos em contribuições
atrasadas (cerca de R$ 9 mil) para garantir a aposentadoria. E de uma
jovem de apenas 36 anos que foi atrás de informações sobre o que era
necessário para se aposentar.
O INSS acredita que o debate sobre
uma reforma da Previdência pode ser um dos fatores que ajudaram a elevar
os números tanto de solicitação quanto de concessão do benefício este
ano, mas o gerente executivo no Rio de Janeiro, Flávio Souza, atribui o
movimento a um conjunto de razões. Para ele, a própria mudança, em 2015,
com a regra 85/95, a recessão da economia brasileira e o envelhecimento
da população contribuem para o aumento nas aposentadorias. Segundo o
INSS, a mudança na forma do cálculo das aposentadorias no ano passado
exigiu a adequação dos sistemas, o que fez com que os processos tivessem
de aguardar nesse período. Também houve influência da greve dos
funcionários.
— Não há uma pesquisa qualitativa para identificar
as causas para o aumento de pedidos e concessões de aposentadorias. Mas o
comportamento pode ter a ver com as modificações na regra do ano
passado, com o crescimento do desemprego e o aumento natural da demanda,
com o envelhecimento da população. É possível que o debate sobre a
reforma da Previdência também contribua para esse aumento — avalia
Souza.
Apenas entre janeiro e julho, foram fechadas 623.520 vagas
formais de trabalho no país, segundo os dados do Ministério do Trabalho.
Foi o pior desempenho para o período desde o início da série histórica,
em 2002. Em 2015, o mercado de trabalho formal encerrou com 1,5 milhão
de vagas a menos que no ano anterior.
PEDIDOS REPRESADOS PELA GREVE
Na
avaliação de Leonardo Rolim, ex-secretário de Previdência e consultor
de Orçamento da Câmara de Deputados, a greve é a principal razão para a
disparada nas concessões de aposentadoria em 2016:
— Há um
represamento por causa da greve. Quando acaba, o número de
aposentadorias aumenta. Além disso, em função do envelhecimento da
população, há um crescimento médio de 3,5% do número de benefícios por
ano. Mas pode ter uma pequena parcela motivada pelo debate da
Previdência sim, por medo das mudanças.
Na prática, diz Rolim,
mais de 90% dos pedidos de aposentadoria são feitos logo após o
trabalhador preencher os requisitos necessários para o benefício.
Segundo ele, são poucos os que já esperavam por mais tempo para entrar
com o pedido.
Coordenador de manutenção de uma plataforma da
Petrobras na Bacia de Campos, José Fabio de Souza Amorim, de 55 anos,
deu entrada no pedido de aposentadoria no ano passado, logo após a
mudança das regras. Mas parte do tempo de trabalho com fator de
periculosidade não foi reconhecida, e ele tenta rever o valor do
benefício:
— Assim que caiu o fator previdenciário, fui atrás dos
meus direitos, mas tive dificuldade para reconhecer uma parte do tempo
trabalhado. Estou tranquilo porque minha situação está encaminhada, mas
me preocupo pelos outros.
CORRERIA PODE PREJUDICAR
A
correria para a aposentadoria pode ser prejudicial para o trabalhador. O
alerta é de Rodrigo Oliveira, gerente sênior de Previdência e Trabalho
da EY (ex-Ernst & Young), que defende uma análise detalhada das
condições de cada um para a aposentadoria e da própria proposta que será
enviada pelo governo antes de qualquer tomada de decisão:
— Está
todo mundo ressabiado, com receio do que está por vir, mas ainda não
existe nada de concreto, não há um documento. Quando a proposta for
encaminhada ao Congresso, será possível saber os detalhes e embasar
melhor a decisão.
Independentemente do que será proposto, no
entanto, Oliveira afirma que a legislação e a própria jurisprudência
confirmam que quem já tiver o direito a aposentar antes das mudanças não
será afetado pelas novas regras.
— As pessoas estão correndo para
evitar pedágio ou as mudanças que por ventura virão. Mas quem já
cumpriu todos os requisitos para a aposentadoria não será atingido. Isso
é uma garantia tanto da legislação quanto dos tribunais — diz Oliveira.
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Marcos Santos/USP Imagens |
Globo
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