Juliana Paes volta a papel que foi de Sonia Braga, em Dona Flor e seus Dois Maridos
Vestida
de preto da cabeça aos pés, Juliana Paes caminha lentamente até um
túmulo pintado de branco e, cabisbaixa e em silêncio, deposita algumas
flores sobre ele. A atriz permanece assim, com o olhar perdido em
pensamentos, por alguns segundos, até o diretor Pedro Vasconcelos gritar
"corta!", anunciando o final da cena, rodada em torno de uma sepultura
cenográfica em uma das ruelas do pequeno cemitério de Guaratiba, na
região rural da Zona Oeste do Rio.
A sequência acompanhada pelo UOL também encerra a participação de
Juliana nas filmagens de "Dona Flor e seus Dois Maridos", nova adaptação
do romance de Jorge Amado, na qual a atriz interpreta o icônico
papel-título, que marcou a carreira de Sonia Braga. Quatro anos atrás,
Juliana protagonizou a minissérie "Gabriela", da Globo, outro personagem
carregado de sensualidade criado pelo escritor baiano, também
imortalizado por Sonia na TV e no cinema, nos anos 1970 e 1980.
Juliana não se faz de rogada quando questionada sobre a "coincidência":
"Ela sempre foi uma grande inspiração para mim. Mesmo antes de fazer
'Gabriela', eu a tinha como o suprassumo da feminilidade, da beleza e da
sensualidade da mulher brasileira. Quando fui chamada para a
minissérie, corri para assistir a tudo o que ela havia feito em cinema e
na TV", admite a atriz de 37 anos, enquanto abana as pontas do vestido
preto de Flor para afastar os mosquitos do fim de tarde calorento.
Mas a atriz fluminense --que saiu das gravações da novela "Totalmente
Demais", encerrada em julho, direto para o set de "Dona Flor e seus Dois
Maridos"--, não teme comparações com Sonia, 65, diva do audiovisual
brasileiro há décadas. "Na época de 'Gabriela', as pessoas vinham me
perguntar: 'Você não tem medo das cobranças?' As comparações são
inevitáveis, mas o que eu fiz na TV e estou fazendo agora em cinema é
uma homenagem, porque a Sonia é uma musa para mim", avisa.
As duas atrizes chegaram a trocar figurinhas na época de "Gabriela", que
tinha no elenco nomes como Humberto Martins, Marcelo Serrado e Maitê
Proença. "A Sonia chegou a me mandar uma carta linda, me dando as
bênçãos para fazer o papel, o que foi muito significativo. Para o 'Dona
Flor e seus Dois Maridos' a gente não chegou a se falar, mas foi por
pura falta de tempo, porque tive muita vontade de ligar para ela e
dizer: 'Ai, Sonia, mais um!'".
Do livro para os palcos, dos palcos para as telas
Juliana foi a primeira opção do diretor Pedro Vasconcelos, autor da
adaptação do livro para o teatro, em montagem que viajou pelos palcos
brasileiros por cinco anos. "Ela também havia sido minha primeira opção
para a peça, quando comecei a montá-la, dez anos atrás. Mas não
conseguimos afinar a agenda. Juliana é hoje a representação da musa
'jorgeamadiana', tanto por suas qualidades como atriz, como pelas
escolhas que fez na carreira", elogia o diretor.
Ator e diretor de cinema e teatro, Vasconcelos dirigiu diversos produtos
da Rede Globo, como a série "Sítio do Pica-Pau Amarelo" (2001), a
minissérie "Amazônia: de Galvez a Chico Mendes" (2007), e a novela
"Império" (2014). "Muitas pessoas têm preconceito com os atores globais,
com pessoas que fazem novela. Mas a Juliana buscou um caminho dela. Fez
um trabalho emocionante no filme 'A Despedida', com o qual ganhou
prêmios, e me levou aos prantos. Ela está em um momento maravilhoso".
Na nova versão de "Dona Flor e seus Dois Maridos" para o cinema, Juliana
contracena com Leandro Hassum, que vive Teodoro, o discreto segundo
marido da protagonista, e Marcelo Faria, que encarna o espírito de
Vadinho, o primeiro marido de Flor, mulherengo e farrista, que morre em
pleno Carnaval baiano. Os dois personagens foram interpretados
respectivamente por Mauro Mendonça e José Wilker no sucesso lançado por
Bruno Barreto em 1976.
Marcelo Faria é o único elemento do elenco do filme que repete o
personagem que interpretou nos palcos, na montagem de Vasconcelos. "A
peça, que se propunha a fazer um mergulho no livro do Jorge Amado, ficou
em cartaz por cinco anos, e foi vista por mais de um milhão de
espectadores ao longo desse tempo. A gente percebia a identificação das
pessoas com a história, que várias gerações ainda não conheciam. Daí
surgiu a ideia de levá-la para o cinema também", lembra o diretor.
Releitura
O filme de Barreto atraiu mais de 10 milhões de espectadores na época, e
por mais de três décadas foi recordista de bilheteria no Brasil, até
ser desbancado por "Tropa de Elite 2", de José Padilha, em 2010. Mas
Vasconcelos avisa que não está fazendo um remake do sucesso estrelado
por Sonia Braga. "Assim como a peça, estava mais preocupado em me
aprofundar mais no livro do Jorge Amado do que qualquer outra coisa. Não
tenho a pretensão de disputar com o clássico do Bruno Barreto".
O diretor prefere classificar o seu "Dona Flor" como uma "releitura",
que privilegia a psicologia dos personagens do romance. "Senti que
poderíamos fazer um filme com uma ênfase maior nos personagens do que
nos atores que iriam interpretá-los. A Sonia, o Wilker e o Mauro fizeram
um trabalho maravilhoso na primeira versão, mas eram figuras enormes na
época. Havia a personalidade do ator brigando com a do personagem.
Aqui, acontece o oposto: peço aos atores que se desfaçam de suas
personalidade e mergulhem na história desses personagens, que têm muito
para contar.
O filme de Vasconcelos resgata momentos do livro ignorados na versão de
Bruno Barreto. "Alguns detalhes encantadores do romance foram
recuperados, como a guerra dos orixás contra Exu para tentar levar
Vadinho de volta às trevas, que é uma passagem belíssima. Há também o
primeiro encontro de Flor com Vadinho, que acontece em um baile, no qual
ele entrou se fazendo passar por um figurão da Bahia. Dona Rosilda, a
mãe de Flor, que é uma fera, também ganha importância no meu filme".
Questões atuais
Publicado em 1966, a trama de "Dona Flor e seus Dois Maridos", que é
ambientada na Salvador dos anos 1940, expõe questões que permanecem
atuais até hoje. "É um dos poucos livros do Jorge mais interessado nos
personagens do que no que acontece no entorno deles, ao contrário de
'Capitães da Areia' e 'Mar Morto', por exemplo. É um romance que se abre
para o universo de uma mulher, para a alma feminina, e não com o
contexto social da Bahia", compara Vasconcelos, que rodou as cenas
externas na capital baiana.
Juliana identifica Jorge Amado como um autor feminista: "Ele coloca a
mulher em um lugar de força, quando explicita os desejos de Flor, quando
a descreve como uma mulher doce e casta e que, ao mesmo tempo, cede às
investidas de Vadinho", aponta a atriz. "É uma história que é e sempre
será atual, porque lida com a dualidade do ser humano, o equilíbrio
entre a razão, representado por Teodoro, o certinho, e a emoção,
representada por Vadinho, a paixão. É um duelo que a gente carrega pela
vida inteira".
"Dona Flor e seus dois maridos" foi rodado ao longo de cinco semanas, em
locações na região do Pelourinho, no centro histórico de Salvador, onde
Jorge Amado imaginou a trama de seu romance, e no Rio de Janeiro.
Produzido pela Reginaldo Farias Produções Artísticas e com distribuição
da Downtown Filmes e da Paris Filmes, tem estreia prevista para o
primeiro semestre de 2017. Também fazem parte do elenco nomes como Nívea
Maria, Fabio Lago, Duda Ribeiro e Haroldo Costa.
UOL - Foto: Divulgação
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