terça-feira, 16 de agosto de 2016

Extenso rol de histórias mal contadas

Jovem que denunciou Feliciano tem uma coleção de histórias mirabolantes

Publicado por: Amara Alcântara
Aos 22 anos, a brasiliense Patrícia de Oliveira Souza Lélis atraiu os holofotes nos últimos dias. Em frente às câmeras dos principais veículos de imprensa do país, a estudante de jornalismo acusou o deputado federal e pastor Marco Feliciano (PSC-SP) de tentativa de estupro, assédio sexual e agressão. Afirmou ter sofrido os crimes dentro do apartamento do parlamentar, na Asa Norte. O tema ecoou na política nacional, levou um assessor de Feliciano à prisão e mobilizou movimentos feministas. Mas o caso não é isolado: trata-se da segunda ocorrência de abuso sexual registrada por Patrícia. A primeira, pouco falada, relata um estupro dentro da própria casa, em 2010. Esses dois episódios integram um extenso rol de histórias mal contadas que envolvem o nome da jovem.
Quem conhece Patrícia diz que a jovem conta ser herdeira de pais empresários. No entanto, tem origem simples — o pai trabalha com caminhões e vende ovos de galinha, segundo vizinhos. Ela nasceu no Hospital Regional de Taguatinga, em 30 de janeiro de 1994, e estudou em colégios particulares durante os ensinos fundamental e médio. Morou em Taguatinga e, atualmente, vive em Vicente Pires com a família. Estudante de jornalismo do UniCeub, Patrícia Lélis estagiou em redações e em assessorias de Brasília. Em cada espaço que visitou, deixou um passado marcado por narrativas mirabolantes sobre a própria vida pessoal. Em um dos empregos, por exemplo, contou que seu carro tinha sido roubado, e os bandidos causaram um acidente de trânsito com morte. No entanto, não havia ocorrências policiais sobre esse suposto crime nem notícias nos veículos de imprensa.
Estágio no NY Times e casamento na Disney Para outro empregador, Patrícia Lélis disse ter feito estágio no jornal The New York Times e trabalhado como embaixadora da Organização das Nações Unidas (ONU). Até um câncer no cérebro está entre as histórias supostamente contadas pela jovem. A estudante também deu uma entrevista falando que se casaria em um dos parques temáticos da Disney, em Orlando, no Castelo da Cinderela. No entanto, responsáveis pelo complexo informaram que a prática não é permitida. As situações, que nunca foram confirmadas, voltaram à tona em posts no Facebook feitos por pessoas que a acusam de mentir.
Gabriel Pereira/Metrópoles
GABRIEL PEREIRA/METRÓPOLES
O Metrópoles ouviu 24 pessoas para traçar o perfil de Patrícia. Entre elas, ex-colegas de escola, de faculdade, conhecidos, vizinhos e ex-companheiros de trabalho. Todos contaram histórias de situações contraditórias ou fantasiosas relatadas pela estudante. Ninguém, entretanto, duvida das acusações contra Feliciano. “Ela pode ter narrado histórias desconexas no passado, o que não justifica duvidar de algo tão grave como uma tentativa de estupro”, afirmou uma colega da faculdade que pediu para não ter o nome revelado.
O anonimato, aliás, é condição praticamente unânime das pessoas que se dispuseram a falar sobre Patrícia Lélis. Os entrevistados pediram para não ter a identidade revelada por temerem Patrícia, apesar de a jovem ter um jeito doce e a fala calma.
A única pessoa que aceitou ter o relato divulgado foi Thiago Vanzeler. O nome dele aparece como testemunha na ocorrência registrada por Patrícia Lélis em São Paulo. “Ela falou que me mandou as provas (contra Feliciano) por precaução, mas só as enviou quando tudo já estava sendo divulgado nas redes sociais. Ela queria que eu as compartilhasse no grupo do PSC Jovem Nacional, mas eu não fiz isso”, assegurou o rapaz, que disse não ser amigo de Patrícia. “Eu mal falo com ela. Conversei por WhatsApp e só a vi uma vez pessoalmente.” Nas redes sociais, ele tem comentado o assunto:
Ocorrências policiais e endereço falso Hoje, há pelo menos cinco ocorrências com o nome de Patrícia na Polícia Civil do Distrito Federal. Na primeira, em 2013, ela procurou a 12ª DP (Taguatinga Sul) para registrar uma lesão corporal/injúria. Este ano, são três ocorrências em que ela denuncia ter sido vítima de injúria ou difamação pela internet. Esses registros são investigados pela 38ª DP (Vicente Pires). Essa unidade policial é a mesma que investiga o suposto caso de estupro dentro da própria residência. O criminoso seria um técnico chamado para consertar a máquina de lavar da família.
Nos registros policiais, o endereço informado por Patrícia Lélis é o da maior residência da rua em que ela mora em Vicente Pires. O Metrópoles esteve no local, mas o imóvel que consta no inquérito está à venda, desocupado há um ano. Antes, um casal morava lá. Vizinhos informaram que a casa dela é outra, um pouco mais à frente e bem mais simples. “Só conheço a Patrícia de vista. Ela não anda muito por aqui. Mas tenho contato com os pais dela. São pessoas bem simples e discretas”, contou uma moradora.
Depoimento em vídeo No início do ano, após Patrícia postar, em sua página do Facebook, que havia sido vítima de estupro, o Metrópoles a procurou. Ela esteve na redação do portal, acompanhada da mãe, e contou os detalhes do abuso. A universitária relatou ter sido ameaçada e disse ainda que o agressor teria cortado a língua dela diversas vezes.
Embora o episódio tenha ocorrido há seis anos, Patrícia só procurou a polícia em setembro de 2015. O boletim de ocorrência informa que o fato teria acontecido entre os dias 1º e 30 de maio de 2010. O caso segue em apuração e ninguém foi preso até hoje.
Patrícia Lélis seria parte de uma reportagem especial produzida peloMetrópoles para falar sobre abusos sexuais que ocorrem em locais onde menos imaginamos. A jovem começou a entrevista desconstruindo o feminismo.
Fui estuprada e não preciso do feminismo
Patrícia Lélis
A universitária reforçou que tinha se reerguido sozinha, sem a ajuda de outras mulheres — postura que mudou nesta semana, quando ela pediu desculpa às feministas. Segundo a jovem, elas foram as únicas a apoiá-la após as acusações contra Feliciano.
O depoimento sobre o abuso foi longo e detalhado, mas, após alguns questionamentos mais específicos, Patrícia perdeu-se em falas desconexas. Incluía pontos antes não mencionados e não conseguia manter uma linearidade. O portal decidiu não publicar a história, que não podia ser comprovada.
Veja a entrevista:
Esta semana, o Metrópoles entrou em contato com Patrícia Lélis novamente. Ela se comprometeu a responder a uma série de questionamentos enviados viva WhatsApp, mas não o fez. O advogado dela, José Carlos Carvalho, afirmou que a cliente não dará mais entrevistas. Está muito “abalada” e “preocupada” com a repercussão das acusações contra Feliciano. Ele, inclusive, vai pedir proteção policial para Patrícia.
O deputado Marco Feliciano, que até agora divulgou apenas um vídeo falando sobre o caso, também foi procurado pela reportagem, mas não retornou os contatos.
Facebook/Reprodução
O imbróglio com o pastor Ao acusar Marco Feliciano de estupro, Patrícia Lélis se viu no meio de um ringue virtual. De um lado, apoiadores do parlamentar acusam a universitária de mentir para se aproveitar da situação e relatam episódios controversos protagonizados por Patrícia. No lado oposto, feministas saem em defesa da jovem.
O enredo dessa história ganhou capítulos diários, com prints de telas de celular, novos depoimentos e trocas de acusações. Após ter denunciado Marco Feliciano, conforme noticiou a Coluna Esplanada no dia 2 de agosto, a jovem gravou um vídeo desmentindo as acusações. Depois, ela disse ter sido obrigada a fazer a filmagem e voltou a confirmar as denúncias.
Patrícia, agora, deve responder por falsa comunicação de crime em uma ocorrência registrada em São Paulo, na qual acusa o chefe de gabinete de Feliciano, Talma Bauer, de tentar comprar o silêncio dela e mantê-la em cárcere privado. Bauer chegou a ser detido e liberado posteriormente.
Nesta sexta-feira (12), o advogado José Carlos Carvalho afirmou que o delegado Luís Roberto Hellmeister, de São Paulo, pediu que a estudante fosse até a cidade para ser interrogada e indiciada. “Não sei o motivo do indiciamento, mas a Patrícia não tem recursos para viajar. Durante a conversa com o delegado, ainda senti um tom intimidador, de ameaça.”
O Metrópoles tentou falar com o delegado, mas ele não estava na delegacia quando as ligações foram feitas.

Fonte: Metrópoles  

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