Em um ano, quase 1 milhão de famílias desceram de classe social
Foi a primeira vez que houve um movimento inverso ao da ascensão socioeconômica que vinha ocorrendo desde 2008
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Na categoria em que as famílias têm renda média de R$ 1,6 mil (C2), o incremento foi de 653,6 mil domicílios (Foto: Divulgação) |
Faz três meses que o pedreiro Maurício Paes de Souza
tenta pagar a última prestação do Uno 2007, comprado há quatro anos. A
parcela é de R$ 630, mas, sem emprego desde janeiro, com a mulher também
desempregada e dois filhos para sustentar, ele corre o risco de perder o
automóvel - assim como já perdeu tantas outras pequenas conquistas de
consumo dos últimos anos. Aos poucos, Souza se dá conta de que não
pertence mais à mesma classe social da qual chegou a fazer parte, como
outros milhares de brasileiros. Só no último ano, quase um milhão de
famílias desceram um degrau na escala social.
Foi a primeira vez que houve um movimento inverso ao da ascensão
socioeconômica que vinha ocorrendo desde 2008. O estudo, da Associação
Brasileira das Empresas de Pesquisa (Abep), mostra que, de 2015 para
2016, a classe que abrange famílias com renda média de R$ 4,9 mil
(chamada de B2) perdeu 533,9 mil domicílios. A categoria dos que ganham
R$ 2,7 mil (C1) encolheu em 456,6 mil famílias.
Ao mesmo tempo, as classes mais pobres ganharam um reforço. Na
categoria em que as famílias têm renda média de R$ 1,6 mil (C2), o
incremento foi de 653,6 mil domicílios. Outras 260 mil famílias passaram
a fazer parte das classes D e E, com renda média de apenas R$ 768.
"Porcentualmente, esse movimento é pequeno. Mas, em termos absolutos,
estamos falando em um acréscimo de mais de 910 mil famílias nas classes
pobres em apenas um ano. É um número expressivo", afirma Luis Pilli, da
Abep.
Um resultado que chamou a atenção é que a classe A, a mais rica e que
conta com reservas financeiras e de patrimônio para se defender da alta
da inflação e do desemprego, cresceu em 109,5 mil famílias no período.
Com isso, ao todo, 1,023 milhão de domicílios, ou cerca de 4 milhões de
pessoas, se movimentaram de alguma forma na escala social por causa da
crise - a maioria, porém, perdendo o status anterior.
O que impressiona nessa crise, segundo Pilli, é a rapidez com que as
famílias estão abrindo mão de itens como o segundo carro ou uma casa
maior. "São decisões que geralmente demoram algum tempo para serem
tomadas."
O pedreiro Maurício Paes de Souza entende bem o que Luis Pilli está
querendo dizer. Em pouco tempo, ele perdeu muita coisa. Quando comprou o
carro usado, por R$ 15 mil, há quatro anos, costumava gastar R$ 700 por
mês no supermercado, pagando à vista. "Hoje, gasto a metade, procuro
promoção e pego o cartão de um e de outro emprestado." Os filhos comiam
carne todo dia e tinha iogurte na geladeira. Agora, sem o salário de R$
3,5 mil, "é arroz e feijão e, às vezes, falta dinheiro para comprar
ovo."
Em breve, o pedreiro pode perder o carro. "Ficam mandando mensagem de
busca e apreensão, mas não adianta eu ir lá para conversar se não tenho
dinheiro."
Baque
Para Maurício de Almeida Prado, sócio-diretor da Plano CDE,
consultoria especializada na baixa renda, os números da Abep indicam que
quem está sentindo o baque da crise é principalmente a classe média.
"Os estratos sociais que dependem do emprego formal foram os mais
afetados", explica. Os mais pobres, segundo ele, estão acostumados com a
informalidade. "Eles se viram muito fazem coisas em casa, vendem
cosméticos, por exemplo. A classe média mais alta é dependente do
emprego formal e tem dificuldade de gerar renda extra."
Nesta atualização da distribuição das famílias por classe, feita pela
Abep, foram usados dados dos principais institutos de pesquisas que
visitaram as casas dos brasileiros em 2015 e no início deste ano para
descobrir como andava o padrão de vida da população. A associação
utiliza o Critério Brasil, que tenta estimar a renda permanente das
pessoas por meio da posse de bens e de outros quesitos.
O coordenador do centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio
Menezes Filho, acredita que as famílias estejam se desfazendo dos ativos
e por isso desceram degraus na pirâmide social. "Isso era esperado,
porque a crise é muito forte", diz. Ele ressalta, porém, que não há
números oficiais do IBGE para avaliar esse movimento.
Renda
Já Adriano Pitoli, sócio da Tendências Consultoria Integrada, traça
um cenário pior do que o da Abep. Ele estuda as mudanças na pirâmide
social olhando apenas a renda monetária recebida pelos trabalhadores - e
não a permanente, como fazem os institutos de pesquisa. Em estudo feito
no final do ano passado, o economista da Tendências apontava, com base
em projeções, que 3 milhões de famílias desceriam um degrau na escala
social em três anos, entre 2015 e 2017.
De lá para cá, com o agravamento da crise, Pitoli refez as contas e
projetou que 4,2 milhões de famílias seriam devolvidas à base da
pirâmide. Só no último ano, a baixa teria sido de 1,8 milhão de
famílias.
Pitoli explica que os critérios do seu estudo e o da Abep são
diferentes. Ele olha renda monetária, que tem um impacto mais imediato
no padrão de vida das famílias. Já a Abep usa a renda permanente, medida
pela posse de bens, que teoricamente, demora mais para aparecer.
"Mas o estrago está feito", diz Pitoli. Segundo Pilli, da Abep, o
País não voltou 20 anos atrás. "Mas, se continuarmos fazendo escolhas
erradas, podemos retroceder." As informações são do jornal O Estado de
S. Paulo.
R7
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