Diplomatas relatam casos de assédio sexista dentro do Itamaraty

As
diplomatas denunciam que esses casos são sempre tratados como normais, e
providências não são tomadas. Os depoimentos preservaram os atores das
histórias, de ambos os lados. Foram compilados 108 casos. Um dos
depoimentos é de uma pessoa que havia sido aprovada no concorrido
concurso para entrar no Itamaraty, a jovem diplomata relata que passou a
ser perseguida por um ex-chefe no Instituto Rio Branco, que mandava
bilhetes e flores para ela. Resistindo à pressão para que cedesse ao
assédio, ela foi lotada numa divisão de pouco prestígio, algo
incompatível com as notas que ela tirou no curso.
Outra, diz que
todas as vezes que entrava na sala do chefe ele pedia aos servidores que
também despachavam ali uma salva de palmas pela beleza da diplomata.
Há
relatos de mulheres que foram obrigadas a servir cafezinho em reuniões
em que colegas com a mesma qualificação participavam do debate.
Outros,
de que não puderam levar seus maridos para eventos em que as esposas
dos diplomatas foram convidadas e ainda algumas que foram aconselhadas a
não participar de jantares ou reuniões porque só haveria diplomatas
homens e elas se sentiriam deslocadas ou constrangidas.
Duas
diplomatas afirmam que um embaixador passou a mão em suas pernas. Outra,
que o chefe a chamou à sua sala, ordenou que ela fechasse a porta e
viesse até sua cadeira, quando ela se aproximou, seu superior pegou sua
mão e a fez acariciar o seu rosto para “checar” se sua pele estava lisa
depois de fazer a barba.
Ao ingressar na carreira, uma diplomata
conta foi fazer o exame psicotécnico obrigatório para começar a atuar e
uma das perguntas que constavam da entrevista era quando ela havia
perdido a virgindade. Colegas homens não teriam sido perguntados sobre
isso.
Uma reclamação reincidente diz respeito às críticas dos
chefes pela duração da licença maternidade, há caso de mulher que levou
bronca do chefe porque saiu para buscar o filho doente na escola e tem
quem conta que que deixou de ser promovida por ser mulher.
“Por essas e outras é que não dá para trabalhar com mulher”, relata a diplomata que foi socorrer o filho.
As
mulheres compilaram os 108 casos e levaram para o Secretário Geral do
Itamaraty, Sérgio Danese, que disse que se disse sensibilizado e que
tomaria providências, como um curso obrigatório sobre assédio. Na
reunião, Danese conseguiu o compromisso das mulheres de tratar o assunto
internamente, pois não queria que o Itamaraty fosse alvo da imprensa e
do Ministério Público. Dias depois, no entanto, o Itamaraty soltou uma
nota em resposta a uma coluna que tratava de comportamento machista
entre os diplomatas dizendo que se tratava de casos isolados. As
representantes do grupo das mulheres não foram consultadas, causando
grande irritação.
— No Itamaraty a mentalidade é que roupa suja se
lava em casa; porém, quando se tenta lavar a roupa, a lavadeira fica
marcada. Por isso a mulher se cala — conta uma diplomata.
ITAMARATY: ESTUDO DE OUVIDORIA
Procurado,
o Itamaraty nega que o machismo seja um comportamento
institucionalizado dentro do órgão. Um diplomata que ocupa posto de
chefia diz que o Itamaraty está preocupado com os relatos, mas que a
instituição não tolera condutas inadequadas. Após tomarem conhecimento
das denúncias, a fonte afirmou que o Itamaraty estuda criar uma
ouvidoria exclusiva para tratar desses casos, dentro do Comitê de Gênero
e Raça do órgão. O Ministério das Relações Exteriores já conta com uma
ouvidoria e uma corregedoria, que atualmente investiga um caso de
assédio.
— Nossa orientação é para que todos os casos sejam
levados adiante para que sejam tomadas providências. Não há indiferença
da instituição quanto a isso. Entendemos que não é algo sistemático
dentro do Itamaraty, contudo nós não toleramos isso — diz a alta fonte
diplomática, que preferiu tratar do assunto reservadamente.
Representantes
do grupo das mulheres do Itamaraty ouvidas pelo GLOBO afirmam que o
comportamento machista dentro da instituição tem piorado nos últimos
anos e que 95% das denúncias foram feitas por diplomatas que ocupam
posto de secretária na carreira e que passaram no concurso do Rio Branco
nos últimos 12 anos. Na última promoção do Itamaraty, em junho, nenhuma
mulher foi promovida a uma das cinco vagas para a função de embaixador.
Isso gerou um recurso ao Ministério Público, que pediu explicações ao
Itamaraty. Outro “indício” do machismo generalizado dos diplomatas
apontado pelas mulheres é que na equipe do gabinete do ministro das
Relações Exteriores, Mauro Vieira, o quadro é 100% formado por homens
diplomatas.
Agência O Globo
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