Aposentado na Paraíba apela a água imprópria quando o dinheiro acaba
Ele retira água de um açude onde deságua um esgoto.
Estado tem 15 cidades com fornecimento de água em colapso.
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| Sem abastecimento, aposentado tem que carregar água de açude para casa (Foto: Taiguara Rangel/G1) |
"A gente vive na promessa de chegar água amanhã. E esse amanhã nunca
chega", diz o aposentado Renato Avelino de Souza, de 67 anos, um dos 18
mil moradores de Remígio, cidade no Agreste paraibano que enfrenta a
falta de abastecimento. Quando a água e o dinheiro acabam, a saída é
utilizar água imprópria para consumo de um pequeno açude particular
próximo à sua casa, onde também deságua uma rede de esgoto da cidade.
"A água é ruim, mas a gente não tem dinheiro para comprar outra. Quando
tiro da aposentadoria, compro um tonel de 500 litros por R$ 50 e só
dura uma semana para quatro pessoas lá em casa", explica ele. O custeio
do consumo de água afeta em média R$ 200 mensais dos R$ 724 que ele
recebe de aposentadoria. Quando a água acaba e os R$ 200 já foram
gastos, ele apela para o açude. O aposentado afirma que até o momento
ninguém de sua família ficou doente por consumir essa água.
Ele é um dos 167 mil paraibanos de 15 municípios que estão com o
abastecimento de água em colapso, de acordo com a Defesa Civil. O estado
ainda tem 13 municípios com sistemas em alerta, cujos açudes estão com
menos de 20% da capacidade, e 29 em racionamento, com abastecimento
funcionando abaixo da totalidade, dentro de um cronograma
preestabelecido de abertura e fechamento de comportas.

No distrito de Barra de São Miguel, em Esperança, município com 32 mil
habitantes também no Agreste e que também convive com o racionamento de
água, uma família de seis pessoas subsiste da agricultura familiar.
Segundo a dona de casa Patrícia Targino, em média a cada duas semanas é
comprado um "pipa" para o abastecimento da cisterna. O carro de mil
litros custa de R$ 150 a R$ 200 na cidade.
Como o aposentado de Remígio,
o agricultor José Fernandes Targino, de 64 anos, explica que a água,
seja de boa ou má qualidade, precisa ser suficiente para uso doméstico,
para beber e para os animais – pouco mais de 10 vacas e bois, algumas
galinhas e um cachorro.
"Dependendo do açude onde eles buscam a água, pode vir meio barrenta,
mas é o jeito comprar pelo preço que oferecer, porque não tem ninguém
ajudando a gente. Essa água é para tudo, toda a família e os bichos.
Graças a Deus não aconteceu nada ainda, mas, se alguém adoecer por causa
da água, a gente nem sabe o que fazer, porque precisa ir até Campina
Grande receber atendimento", contou o agricultor.
O açude de Vaca Brava, que abastece ambas as cidades de Esperança e
Remígio, está com apenas 8% do seu volume máximo. Por isso, segundo
informou a assessoria de comunicação da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba
(Cagepa), as duas cidades passam por racionamento. Em Remígio, segundo a
Cagepa, o abastecimento ocorre somente três dias por semana, e em
Esperança, em quatro dias. Entretanto, a Defesa Civil do estado informou
que ambas as cidades estão desabastecidas e apenas os carros-pipa
atendem a população. Os moradores de Esperança são atendidos por quatro
carros-pipa do Exército Brasileiro, enquanto os habitantes de Remígio
contam com seis pipeiros.
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| Animais mortos vítimas da seca no sertão paraibano, na rodovia BR 230 (Foto: Diogo Almeida/G1) |
A Agência Executiva de Gestão das Águas da Paraíba informou que desde
2012 todo o semiárido paraibano – Cariri, Curimataú e Sertão – além de
parte do Agreste, sofre com a estiagem. Com chuvas irregulares este ano,
apesar de próximo da média histórica registrada pelo órgão, não houve
recarga suficiente dos açudes, e 28 dos 123 mananciais continuam em
situação crítica (com menos de 5% da capacidade).
O ano de 2014 registrou leve melhora no índice de chuvas na região. "Em
2012 e 2013 foram chuvas abaixo da média histórica. Em 2014, a previsão
em boa parte do estado é ficar bem próximo da média, mas a situação é
tão deficitária que não chegou a recuperar [a recarga dos açudes].
Principalmente no Semiárido, apenas a região da Mata manteve a média. As
chuvas irregulares são o principal problema", explica a meteorologista
da Aesa, Carmen Becker.
Carros-pipa
O Governo da Paraíba suspendeu o programa com carros-pipa. Segundo o
gerente executivo da Defesa Civil estadual, coronel Cícero Hermínio, o
governo federal não mandou mais recursos, impedido contratações. "Em
alguns municípios temos chuvas acima da média, mas, por incrível que
pareça, não juntou água [nos açudes]. Os recursos hídricos de superfície
estão muito aquém. Vai haver reunião dos governos do Nordeste para
mostrar a situação atual e apresentar propostas estruturais. O
Ministério da Integração ainda vai convocar [a reunião]. Vamos mostrar o
quadro da Paraíba e levar nossas propostas", explicou o gerente.
No Nordeste, apenas os governos da Paraíba e do Piauí não contratam carros-pipa atualmente.
O Exército informou que usa 1.023 carros em 156 municípios paraibanos,
dentro da Operação Carro-Pipa do governo federal. A Paraíba é o segundo
estado mais atendido pelo programa no Nordeste, atrás apenas da Bahia
(157 cidades).
O Ministério da Integração Nacional informou, por meio da assessoria de
comunicação, que a operação "segue em pleno andamento na Paraíba e nos
demais estados do semiárido", atendendo mais de 410 mil pessoas.
"Ressalta-se que a operação federal pode ser ampliada na Paraíba e nos
demais estados do semiárido. Para isso, os municípios ainda não
contemplados podem solicitar, em qualquer tempo, a sua inclusão à
Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, do Ministério da
Integração Nacional. Todos os pedidos são encaminhados para o Exército
Brasileiro, responsável por avaliar as necessidades e cadastrar os
municípios", conclui a nota.
Não houve comentário específico sobre a falta de repasses federais alegada pela Defesa Civil do estado.
Distribuição
A Prefeitura de Remígio informou que implantou um calendário de
abastecimento d'água semanal na cidade. A distribuição é feita por meio
de seis carros-pipa, e a quantidade de água para cada residência é
discutida entre as lideranças comunitárias e moradores no momento da
distribuição. O problema na zona rural ocorre desde janeiro de 2013 e na
zona urbana começou em julho deste ano.
Segundo Antônio Júnior, o abastecimento na cidade está comprometido por
causa do esvaziamento do reservatório de Vaca Brava. A barragem de
Camará, em Alagoa Grande, atualmente em reconstrução, é apontada pela
prefeitura como uma outra ação que deve melhorar o abastecimento d'água
na cidade. O secretário de Comunicação e Eventos de Remígio, Antônio
Júnior, explicou que, para atenuar o problema, a prefeitura tem
investido na perfuração de dez poços na área urbana em parceria com o
governo do Estado, e para a zona rural o poder público já construiu,
desde 2013, cerca de 200 pequenos açudes e barreiros para captar as
águas da chuva.
Já em Esperança, o secretário municipal de Agricultura, José Adeilton,
afirmou que há mais de três meses a prefeitura da cidade vem custeando
cinco carros-pipa por semana para garantir água à população, estimada em
30 mil habitantes. Na área urbana, os três chafarizes são abastecidos
com a água dos carros-pipa, e na zona rural as cisternas são
reabastecidas pela prefeitura. A ajuda vinda do Exército, segundo ele,
foi reduzida de cinco para três carros-pipa devido ao racionamento na
barragem de Boqueirão.
A Prefeitura de Esperança adquiriu máquinário para a limpeza dos 12
barreiros que podem receber água das chuvas no futuro. Dependente do
reservatório de Vaca Braca, a cidade de Esperança também deve ser
beneficiada com a inauguração da barragem de Camará, localizada em
Alagoa Grande.
Prejuízo para a agricultura
Segundo o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado
da Paraíba (FAEPA-PB), Mário Borba, não há estimativa do prejuízo
causado pela seca. Ele ressaltou que "a safra de grãos já é
insignificante e se tornou ainda pior nos últimos anos". "Em termos de
valores não tenho números, mas já estamos trabalhando no vermelho desde
2012 porque a produção de grãos da Paraíba é apenas familiar e de
subsistência", diz.
São 15 municípios com abastecimento de água em colapso, 13 estão em
alerta, com sistemas de abastecimento a menos de 20% da capacidade e
ainda há 19 cidades também enfrentando racionamento.



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