"Silvio Santos não vai se aposentar e ficarei até o último programa", diz Roque
Em
sua sala no SBT, o animador de auditório mais famoso do Brasil falou
sobre a relação de amizade de 58 anos com o patrão, que completa 83 anos
nesta quinta-feira (12)
Patrícia Moraes
Roberto Nemanis / SBT
Roque e Silvio em registro especial para o iG
Ao entrar pela recepção principal do SBT, a primeira sala que se avista ao fim do corredor é de Gonçalo Roque.
Decorada com uma estrela e o nome do mais famoso animador de auditório,
a porta vive aberta a serviço de caravanistas, convidados, funcionários
da emissora e artistas. Nas paredes, fotos de Roberto Carlos cabeludo na época da Jovem Guarda, Gugu Liberato bem mocinho e Joana Prado caracterizada como a persoangem Feitiçeira se misturam com inúmeros retratos de Roque e Silvio Santos
no palco. É um verdadeiro túnel do tempo. "Eu tenho muito mais fotos, é
que não cabe mais nada. São lembranças que deixam a gente feliz. Coisas
tristes, eu evito colocar", contou o diretor geral de auditório do SBT.
Atencioso com Roque, Silvio, que completa 83 anos
nesta quinta-feira (12), posou com o funcionário nos bastidores do SBT
especialmente para a matéria do iG. "Contei sobre a entrevista e ele falou: 'Vem cá, Roque, então vamos fazer uma foto".
Bem-humorado,
Roque faz piadas o tempo todo. "Minha idade? Depende. Quando estou
interessado em uma namorada, falo que tenho 24. Brincadeira, já estou
velhinho. Quer a idade certa? 75 anos", revela. "E 58 anos com o patrão.
Minha carteira de trabalho está aqui, pode fotografar", orgulha-se
Roque, aposentado pelo INSS há oito anos, enquanto caminha em direção a
uma gavetinha onde guarda o documento de folhas amareladas e rasgadas,
que registra a data de início do primeiro emprego: 1 de outubro de
1955.
Começo como office boy em rádio
Na
época da contratação, Roque era um adolescente de origem humilde e,
segundo ele mesmo diz, tinha sonhos de melhorar de vida e ter a própria
casa. "Todo jovem pretende ser alguém importante e ter um belo emprego.
Mas nunca tinha passado pela minha cabeça ser um dia homem famoso, que
tem o carinho de tantas pessoas e um papel tão importante em uma das
maiores emissoras do País. Silvio sempre diz que não sou apenas um
funcionário, ele diz que somos amigos. Isso me dá a maior alegria",
conta.
André Giorgi
No porta-retrato, foto mostra Roque e Silvio no palco na década de 1950
Roque nasceu em Boa Esperança do Sul (SP) e se
mudou para a capital paulista aos 16 anos com as irmãs. "Elas
trabalhavam em casa de família e morava de favor com elas, mas meu
cunhado não gostava muito", lembra. Sem esperança para arrumar um
emprego, Roque foi à Rádio Nacional, atual Rádio Globo, assistir ao
programa de Manoel da Nóbrega, pai de Carlos Alberto de Nóbrega,
apresentador do "A Praça É Nossa". "Eu estava tristinho, fui para me
divertir um pouco e, como sou conversador, acabei descobrindo que
precisavam de um office boy no setor de almoxarifado. Aos poucos, fui
fazendo bico também na recepção e ficava recebendo as convidadas dos
programas de auditório, as cartas para os apresentadores. Foi como
conheci o Seu Silvio. Um dia, ele me chamou e disse: 'Roque, admiro seu
trabalho e agora quero que você venha comigo para cuidar do meu
público", lembra, sobre a inauguração do SBT.
Atualmente,
Roque coordena uma equipe de 12 funcionárias e recepciona até três mil
caravanistas em dia de gravação. Para comandar esse enorme time
feminino, o animador tem seus truques. "É difícil satisfazer tantas
mulheres. No auditório, por exemplo, tenho um jeitinho de colocar as
mais bonitas na frente. Eu chamo pela cor da blusa: 'Ei, você de azul,
vem pra frente. Você de branco, senta lá atrás. Assim, as feias não se
magoam", revelou. Mas nem sempre a logística de Roque dá certo. "Uma vez
uma senhora foi reclamar de mim para o Silvio: 'A gente que é velha
fica lá atrás'. E o Silvio me chamou: 'Má Roque, isso não pode
acontecer'. Então, tem que ter umas senhoras bonitonas também", lembra,
aos risos.
Há alguns meses, Roque quis inovar e contou com o
apoio do patrão. Apesar de não permitir homens nas cadeiras porque eles
"não aplaudem e não têm animação", ele procurou o dono da emissora para
fazer um pedido. "Eu disse: 'Silvio, os travestis querem vir ao programa
vestidos de mulher'. E ele me respondeu: 'Roque, meu auditório é
responsabilidade sua, você faz o que quiser'. Então, passamos a
recebê-los de braços abertos e eles adoram", conta, sobre o pioneirismo.
"O Silvio também se diverte demais, brinca e dá risada com eles."
Lanche com Coca-Cola e Guaraná
A
plateia orquestrada por Roque é muito bem tratada. Por isso, foi
reconhecida por uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) como a
emissora brasileira que tem o melhor atendimento ao público. "Primeiro,
recebemos todas com muito carinho. Depois, damos dois lanchinhos,
refrigerante. Tem gente que até comenta: 'Nossa, é Coca-Cola e Guaraná.
Não tem economia com isso não, é uma exigência do Silvio. Quem vai
aplaudir de barriga vazia?", questiona ele, mencionando que geralmente o
público chega às 7h30 e a gravação do "Programa Silvio Santos" se
estende por até três horas.
Roque também comanda o auditório do
"Programa do Ratinho", "Programa da Eliana", "Domingo Legal", "Casos de
Família", "Raul Gil" e "A Praça É Nossa". Antes da estabilidade no SBT,
ele chegou a ser vereador de Carapicuíba, na Grande São Paulo, cabo
eleitoral do ex-governador Paulo Maluf ("Consegui
muitos votos para ele") e até organizador de plateia de velório. "O
pessoal me contratava para levar mulheres para chorar nos velórios.
Juntava umas vizinhas e conhecidas e, se o defunto era gente boa,
combinava com elas para elogiarem, lamentarem a perda. Ganhei um bom
dinheirinho fazendo isso". Outro bico curioso era juntar fãs para
"desmaiar" pelos artistas. "Uma vez, o empresário do Wanderley Cardoso
me contratou para arrumar uma moça que gritasse e desmaiasse por ele em
um programa de TV. A menina caiu com a cabeça em uma barra de ferro e
apagou de verdade. Nossa, foi um susto".
Bacalhau e mão boba
Há
tantos anos atrás das câmeras, Roque tem muita história para contar.
"Fazia bico no 'Programa do Chacrinha' e uma vez coloquei uma mulata
bonitona na frente. Você sabe que o Chacrinha gostava de jogar bacalhau,
umas coisas na plateia. Nesse dia ele jogou um saco de farinha rasgado
no cabelo alisado pretinho dela. Nossa, ela xingou muito e tive que
acalmá-la. Naquele tempo, a gente alisava o cabelo com ferro e usava um
líquido tipo soda para esticar. Dava um trabalhão", recorda, apontando
para uma das fotos antigas, na qual aparece com um penteado alisado.
Em
frente às câmeras, Roque também coleciona situações muito engraçadas:
já foi jurado, já se fantasiou de baiana no palco e já levou bronca das
colegas de trabalho. "Tínhamos um quadro com um touro mecânico e o
Silvio queria que eu ajudasse as colegas a subir no bicho. Aí, era
aquela coisa: empurra a bunda daqui, dá um beliscão ali. Algumas
gritavam: 'Tira a mão boba daí'. Outras até gostavam", diverte-se.
Outra história que arranca gargalhadas de Roque é a lenda de ele é filho de Silvio Santos com Vera Verão, personagem interpretada pelo comediante Jorge Lafond,
que morreu em 2003. "Lafond era um amigão, uma pessoa maravilhosa,
sinto tanta saudade dele", diz. "Antigamente, os artistas como Lafond e Pedro de Lara faziam o maior sucesso. Eram feios, mas geniais. Agora, a televisão só quer gente bonita", analisa, em tom de preocupação.
André Giorgi
Parede da sala é um túnel do tempo, com fotos de apresentadores e artistas
A família de Silvio
"A
televisão está partindo para tudo, é a famosa apelação. Todas as
emissoras estão com problemas de audiência. Tudo depende de
investimentos, de faturamento. Mas o Silvio é um homem muito
inteligente", opina, sobre a presença das seis filhas de Silvio Santos, Cínthia, Silvia, Daniela, Patricia, Renata e Rebeca, e da mulher dele, Íris Abravanel, na emissora.
"Se ele botou as filhas para trabalhar junto com ele, é porque entende
que cada uma tem sua contribuição. Elas são filhas do Silvio, que é um
homem rico, mas são meninas educadas. O próprio patrão é muito
simpático, diz 'oi' para todo mundo, da faxineira aos artistas. Além
disso, apareceu na vida dele uma companheira, a dona Íris, que levantou a
emissora, ficou o tempo todo ao lado do marido."
A grande família de Roque
Pai
de sete filhos de dois casamentos e avô de "alguns netos", Roque perdeu
um filho adolescente, que morreu há quase 12 anos. "Um menino que era
bonito, boa pinta, se envolveu com companhias erradas. Perdi aquele, mas
Deus me deu outros que só me dão orgulho. Tenho aqui comigo no SBT um
filho que é caboman, tem a minha filha Pamela, formada
em eventos, um filho jornalista em Carapicuíba (Grande São Paulo). Tenho
uma família da qual sinto orgulho", limita-se a dizer, preferindo não
dar detalhes dos nomes por questão de segurança. A mesma preocupação não
o deixa à vontade para falar sobre sua casa própria. "Moro na Ataliba
Leonel, na Zona Norte de São Paulo (avenida onde ficava o antigo prédio
do SBT). Mas não vou dar detalhes porque hoje em dia tudo está muito
violento", resume, emendando uma brincadeira. "Mas vou me mudar. Você
conhece o Alphaville?", diz, citando a região nobre da grande São Paulo.
"Então, vou morar ali do lado, na 'Alfavela'".
A grande família de Roquie
Roque
diz não haver espaço na memória para lembranças tristes. Até os
episódios trágicos ganham uma interpretação cômica. "Uma vez, Silvio foi
testar uma cadeirinha que derrubava os artistas em um tanque de água. A
cadeirinha deveria estar travada, mas aconteceu algum problema e Silvio
caiu na água com microfone e tudo. Disseram que ele perdeu a dentadura
dele lá dentro. O pessoal da técnica quase desmaiou de medo de ser
demitido", brinca, às gargalhadas. "Mas a história da peruca é mentira.
Silvio tem um cabelo até bonito. Diferente do meu, que tá todo branco.
Antes era preto e só tinha uma mancha", brinca, mencionando uma das
marcas registradas de seu visual.
A intimidade de Roque e Silvio na vida profissional,
lamenta ele, não ganha espaço na rotina agitada do dono da emissora.
"Ele é um homem muito ocupado. Mas se ele tivesse tempo, tenho certeza
que ele faria 'questã' de tomar uma 'champanha' com a gente", diz o
braço direito de Silvio, posição que nunca pretende abandonar. "Enquanto
Silvio estiver caminhando com as duas pernas, ele não vai parar. E eu,
mesmo de bengala, vou estar atrás dele. Tudo o que ele tem, as riquezas
que ele compra, não são tão importantes quanto os funcionários dele e os
fãs que vêm assisti-lo. A maior alegria do Silvio é quando ele chega e o
povão o recebe com muito carinho. Ele sempre fala: 'Roque, me ajuda a
tratar bem esse povo porque esse povo me deixou rico'. A maior riqueza
dele não são as posses, mas o público, a emoção e a alegria que o povo
passa. Ele não vai se aposentar nunca e ficarei aqui até o último
programa. Quero estar animando as velhinhas junto com ele", diz,
emocionado.
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