Mãe de jovem achada morta após vídeo íntimo reclama de ‘violação’
Em entrevista ao Fantástico, ela diz que não sabia o que estava ocorrendo.
Outras jovens relatam vidas destruídas após intimidade exposta na web.
A mãe da garota Júlia Rebeca, de 17 anos, encontrada morta em seu
quarto após ter um vídeo íntimo compartilhado na internet, diz que a
exposição das imagens da filha configuram uma “violação”. Em entrevista
ao Fantástico por telefone, Ivânia Salia diz que não sabia o que estava
acontecendo com a filha. “Ela não demonstrou nada, nada. Todo
adolescente tem o direito de ser adolescente. Eles são inconsequentes
mesmo. Essa exposição toda, do vídeo, da imagem da minha filha, é uma
violação.”
Júlia Rebeca, que morava em Parnaíba,
no litoral do Piauí, gravou um vídeo de sexo com uma garota e um rapaz,
ambos menores de idade. As imagens foram distribuídas por celulares na
cidade. Envergonhada após o compartilhamento do vídeo, ela se despediu
da mãe em uma rede social. “Eu te amo, desculpa eu n ser a filha
perfeita, mas eu tentei... desculpa desculpa eu te amo muito”, postou a
garota. Antes, Julia havia publicado a seguinte mensagem: “É daqui a
pouco que tudo acaba”. A última mensagem deixada na rede foi: “Tô com
medo, mas acho que é tchau pra sempre”.
Saiba mais:
O fato chocou a população de Parnaíba. Por meio das redes sociais,
vários amigos deixaram mensagens tentando confortar a família da
adolescente. Uma pessoa identificada como primo de Julia passou a
alimentar a página um dia após a morte da garota dando detalhes do
velório.
A polícia apura o caso. Como a jovem foi encontrada pela tia em seu
quarto com o fio da prancha alisadora enrolada em seu pescoço, a
principal hipótese é mesmo de suicídio.
Mensagens foram postadas pela garota no dia em
que foi encontrada morta.
A garota era uma adolescente comum, sorridente, fã da cantora Miley
Cyrus. Sempre foi muito ligada à família. Nas últimas semanas, no
entanto, estava distante e quieta, segundo colegas de sala. Não
conversava com ninguém e passava boa parte do tempo digitando no
celular.
“Ela era muito alegre no início, mas depois ela ficou deprimida. De
repente, totalmente retraída”, conta Carliane Silva dos Santos, colega
de Júlia.
A polícia busca identificar agora quem divulgou a gravação. “A
princípio os três são vítimas dessa divulgação indevida da imagem deles.
Mas também investigamos quem possa ter compartilhado com pessoas não
envolvidas”, afirma o delegado regional de Parnaíba, Rodrigo Moreira.
Outros casos
O caso de Júlia não é único. Várias mulheres também sofreram com a
intimidade exposta na internet. Normalmente, quando um vídeo como esse é
disponibilizado na rede perde-se o controle.
Fran, que fez teve vídeo de sexo divulgado, diz que
fez por amor (Foto: TV Anhanguera)
“Eu confiei. Não imaginaria de forma alguma que ele faria isso.” A
afirmação é da jovem goiana Fran, que teve o vídeo feito com um
ex-parceiro compartilhado milhares de vezes. Ela virou piada na internet
e na cidade.
“Meu celular não parava. O pessoal ligando, mandando mensagem. Eu fiz o
boletim de ocorrência na sexta-feira. O pessoal não tinha dado muita
importância. Quando foi na segunda-feira, eu vi a proporção que estava.”
Mãe de uma menina de 2 anos, Fran teve de mudar a aparência e parar de
trabalhar. Hoje, evita sair de casa. “Ele destruiu a minha vida, eu não
tenho mais vida. Eu não consigo sair, não consigo estudar, trabalhar”,
afirma.
O ex-parceiro de Fran nega ter divulgado o vídeo, segundo o advogado
dele. “Meu cliente nao é a pessoa que está no vídeo, muito menos a
pessoa que divulgou aquele vídeo”, diz Hugo de Angelis.
Peritos em crimes digitais confirmam que o número de casais que gravam
vídeos de sexo é grande. “Mais da metade dos casais registra ou já
registrou o momento íntimo”, afirma a perita digital Iolanda Garay.
Segundo ela, quase todas as vítimas da chamada “pornografia de
revanche” são mulheres. Ela aconselha quem quiser se filmar a seguir
algumas regras para se proteger. Entre elas estão não revelar o rosto, o
nome ou a voz, manter o filme em sua posse e não compartilhar ou enviar
por e-mail para o parceiro, muito menos por chat ou dispositivo de
mensagem. Além disso, sugere que a gravação seja apagada tão logo seja
possível.
É um crime que se perpetua. quando as pessoas postam, quando elas
abrem um material desses, elas não têm consciência que isso perpetua o
sofrimento da gente"
Rose Leonel, que teve fotos divulgadas por ex no PR
“O pior do crime eletrônico não é você detectar quem foi o agressor. O
grande drama do crime eletrônico é toda a carga moral, social, que acaba
sobrando para a mulher.”
Sete anos após ser exposta por um ex-namorado, a paranaense Rose Leonel
ainda sofre com o ocorrido. “Ele publicou fotos minhas na internet, fez
várias montagens e mandou postagens para mais de 15 mil e-mails. As
fotos que ele foi colocando tinham o meu telefone, o telefone do meu
trabalho, o ramal do meu escritório. Ele chegou a colocar o telefone
celular do meu filho”, conta.
Ela diz que homens telefonavam pedindo para fazer programas. “Ele
colocava assim, fotos me vendendo como se eu fosse uma garota de
programa. E o que mais me doeu foi essa situação de vulnerabilidade dos
meus filhos”, diz, sem conseguir controlar o choro.
Rose procurou a Justiça, e o ex-namorado foi condenado por difamação.
“Foi uma absolvição moral para mim”, diz. “É um crime que se perpetua.
quando as pessoas postam, quando elas abrem um material desses, elas não
têm consciência que isso perpetua o sofrimento da gente.”
Para Alexandre Atheniense, da Comissão da OAB sobre Crimes na Internet,
o ato de colocar essa gravação na web constitui crime, mesmo quando a
mulher permite ser gravada numa situação de intimidade. “A lei Maria da
Penha foi criada no sentido de proteger não só a integridade física, mas
a integridade psicológica, a dignidade da mulher. E hoje, a vida
digital é uma extensão da vida presencial.”
O ex-namorado de uma professora de Minas Gerais também foi condenado
após enviar fotos dela nua para milhares de pessoas. O caso ocorreu há
nove anos.
Ele teve que prestar serviços comunitários e pagar uma indenização por
danos morais. “Acho que a busca de tentar resolver judicialmente a coisa
ajuda internamente a gente", diz a professora.
“Eu não sou a única, eu não sou a última, eu não fui a primeira”, revela a goiana Fran.
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