Luisa Marilac sobre travestis: “Perdi a conta de quantas amigas eu enterrei”
Transgênero denuncia assassinato de amiga e expõe a situação de marginalidade e invisibilidade das travestis brasileiras
No último dia 12 de agosto, a travesti voltou à internet em um vídeo
que não tinha nada de engraçado. Na gravação, ela denuncia o
assassinato brutal da amiga Tália, encontrada morta em sua própria casa,
em Guarulhos (SP), com vários golpes de faca no tórax e no pescoço.
Além de lamentar a morte, Marilac constata uma triste verdade: “Como
sempre, um travesti é morto no Brasil e ninguém fala ou faz nada”.
Vídeo: Luisa Marilac denuncia assassinato de amiga travesti:
A marginalização dessa população apontada por
Marilac é confirmada pelos dados de 2012 do Relatório Sobre Violência
Homofóbica, publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República (SDH). De acordo com o órgão, dos 511 crimes de homofobia
registrados no Brasil no ano passado, incluindo 310 homicídios, mais de
50% foram cometidos contra as travestis.
Levantado a partir de notícias publicadas por
órgãos de imprensa, o relatório da SDH diz que 51,68% dos 511 crimes
atingiram travestis. Os homens gays vêm em seguida no levantamento, com
36,79%. As lésbicas agredidas são 9,78%, e os heterossexuais, 1,17%. Por
fim, os bissexuais, com 0,39%.
O texto do relatório não esconde a condição de
párias, invisíveis na sociedade, que as travestis enfrentam no Brasil:
“A proporção de vítimas transexuais e travestis denota a crescente
invisibilização (sic) de um dos segmentos populacionais mais vulneráveis
às violências e homicídios da sociedade brasileira”.
Infelizmente, a morte de Tália tem grandes
chances de não ter o seu culpado encontrado. Segundo estudo do Grupo Gay
da Bahia, uma das entidades mais importantes na defesa dos direitos
LGBT, 70% dos crimes de homofobia não são solucionados no Brasil.
O crime contra Tália, cujo nome de batismo é
Renato Batista Mendes, está sendo investigado pelo 1º DHPP (Departamento
de Homicídios e de Proteção à Pessoa) de Guarulhos. Segundo a
Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, a travesti de 31 anos foi
encontrada morta com ferimentos provocados por um objeto cortante em sua
residência, no bairro guarulhense de Picanço, no dia 2 de agosto de
2013. O delito foi registrado como homicídio.
Como nada foi roubado, há fortes indícios de que se trata
de um crime de ódio. A secretaria diz que as investigações estão
avançadas e que apesar de ter um suspeito, prefere não entrar em
detalhes para não atrapalhar a apuração do caso.
Fora da escola e sem trabalho
Para Heloísa Gama Alves
, advogada e coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual do
Estado de São Paulo, os crimes contra travestis e transexuais acontecem,
muitas vezes, em razão de uma sexualidade evidente. “Não há como
esconder o fato de ser uma travesti. Isso as expõe mais ao preconceito e
a violência”, analisa Alves.
A incompreensão da sexualidade e também da
identidade de gênero das travestis acaba por afastá-las da escola, já
que é difícil conviver em um ambiente, quase sempre, preconceituoso e
despreparado para acolhê-las. No mercado de trabalho, a situação não é
diferente. “Além do bullying homofóbico, grande causador de evasão
escolar, temos a grande incidência da rejeição familiar, temperada com
violência física e moral. Isso retira delas a estrutura básica que
qualquer outro cidadão possui“, avalia Carlos Tufvesson,, coordenador especial da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio de Janeiro.
Esta equação perversa tem um resultado comum, observa
Tufvesson. “A discriminação social as afasta das coisas que são
absolutamente indispensáveis à subsistência, como moradia e alimentação.
Como quase ninguém as emprega, não resta alternativa, senão a
prostituição, para a maioria”. Tanto Tália quanto Marilac tiveram que
recorrer a esse caminho.
No vídeo acima, Marilac relata a crueldade com que a
amiga Tália foi morta. “Cortaram a garganta para ela não gritar. Ela foi
furada como se fura um frango, depois a castraram”, relata a travesti.
Procurada pela reportagem do iGay para comentar a situação das travestis no Brasil, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República não se pronunciou até a publicação desta reportagem. A assessoria do órgão apenas informou que o Disque 100, um serviço gratuito de telefone, recebe denúncias diariamente, 24 horas por dia. O denunciante tem garantido o seu anonimato.
Incipientes, os esforços governamentais ainda não
conseguiram apresentar resultados efetivos e quantitativos. “Apesar das
politicas públicas, a inclusão está engatinhando, o transgênero começa a
ser pautado só agora”, reconhece Alves.
Ódio e crueldade
“
O agressor quer deixar a marca do seu ódio, deixar bem claro que foi
esse o motivo, que foi discriminação e preconceito. Na maioria das
vezes, são usadas armas brancas, com muita maldade e crueldade. (Heloisa
Gama Alves)
“O agressor quer deixar a marca do seu ódio,
deixar bem claro que foi esse o motivo, que foi discriminação e
preconceito. Na maioria das vezes, são usadas armas brancas, com muita
maldade e crueldade. Pode ser por questão sexual, passional, ou até
porque o agressor não aceita ter uma atração sexual por travesti ou
transexual”, explica Alves, apontando ainda o pensamento dos
responsáveis por esses crimes. “Quando o agressor é encontrado, o que é
raro, ele se justifica dizendo que foi porque a travesti quis cobrar
mais do que o combinado. Ele faz questão de esterilizar”.
O medo que as travestis têm de denunciar os
crimes e falta de preparo da polícia para atender os casos são os
principais fatores contribuintes para a não resolução dos crimes, na
opinião de Alves.
Procurada pela reportagem do iGay para comentar a situação das travestis no Brasil, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República não se pronunciou até a publicação desta reportagem. A assessoria do órgão apenas informou que o Disque 100, um serviço gratuito de telefone, recebe denúncias diariamente, 24 horas por dia. O denunciante tem garantido o seu anonimato.
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