COLUNA DA REVISTA O GLOBO (24/3/2013)
Karenina
De
todos os filmes que chegaram a nossos cinemas na esteira do último do
Oscar, poucos provocam tanto impacto no público quanto “Anna Karenina”,
de Joe Wright. Não foi por acaso que ganhou o prêmio de melhor figurino
do ano. Não seria injusto se levasse ainda a estatueta de melhor direção
de arte, categoria a que também correria. Os figurinos, a direção de
arte e a fotografia de “Anna Karenina” são mesmo deslumbrantes. Mas
limitar as qualidades do filme a sua excelência técnica seria reduzir o
poder de “Anna Karenina” sobre as plateias.
“Anna Karenina” é uma
experiência única. O figurino impecável, a direção de arte aplicada, a
fotografia vistosa estão a serviço de uma maneira peculiar de se contar
uma história. “Anna Karenina” é teatral. E não esconde esta intenção. O
palco, os bastidores, a iluminação são mostrados ao espectador como numa
peça de teatro. Mas limitar “Anna Karenina” a sua adesão à linguagem
teatral seria reduzir ainda mais a força do filme. “Anna Karenina” é
teatral mas não é teatro. O que se vê na tela não poderia ser mostrado
no palco de uma sala de espetáculos. O que fica claro é que ele é
filmado em estúdio, o diretor não tenta imitar a realidade, mas o teatro
está a serviço do cinema. “Anna Karenina” é cinema. E ótimo cinema.
Joe
Wright apostou no risco e fez um filme que ainda não tinha sido feito. O
surpreendente é que isso aconteceu com um argumento mais do que
conhecido. Para que filmar mais uma vez “Anna Karenina”? O IMDB, o site
que é a Bíblia dos pesquisadores de cinema, contabiliza mais de 30
adaptações para o cinema do romance de Tolstoi. A primeira é de 1910.
Eu, que sou cafona, me lembro de uma novela de TV: “A mulher que amou
demais”, com Tonia Carrero, numa TV Rio de muitas décadas atrás. A
novela nunca chegou ao fim. Tonia já me deu uma explicação: “Trouxeram
um galã do México, que era lindo, mas muito canastra”. O galã em questão
era Milton Rodrigues, um ator brasileiro, não muito talentoso, que
conseguiu uma sobrevida artística no México. Mas ele não deve receber a
culpa. A TV Rio já estava em crise e, era muito comum emissoras em crise
tirarem programas do ar sem muita explicação.
Para não fazer mais
um drama de época, como as muitas versões de “Anna Karenina”, Joe Wright
apostou no risco. E a inovação vem sempre do risco. Não é um filme
fácil. Pode ser considerado artificial demais. O elenco atua
coreograficamente. É quase uma dança. É uma maneira de deixar mais
explícito o artificialismo da sociedade russa do século XIX. Quanto os
personagens deixam expor sua verdade, o filme sai do estúdio. Deixa de
ser teatro e finge ser cinema realista. O público pode estranhar.
Afinal, o cinema nunca foi assim. E talvez não venha a ser outra vez.
Por isso “Anna Karenina” merece atenção. É um filme único.
Junte a
tudo isso Keira Knightley, uma Karenina que não fica a dever nada a
Greta Garbo e Tonia Carrero. O diretor não foi tão feliz na escolha dos
dois atores que dividem a cena com ela, Jude Law _ carismático demais
para ser o marido rejeitado _ e Aaron Taylor-Johnson _ com uma aparência
de mais velho do que realmente é para interpretar o jovem Conde
Vronsky. Mas nada disso perturba a experiência de se aproveitar uma
experiência cinematográfica realmente original.
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