Documentário “Frei Damião — O santo do Nordeste” mostra como o andarilho franciscano virou padrinho da fé popular e candidato à canonização
Esses episódios integram o documentário “Frei Damião — O santo do
Nordeste”, com estreia em novembro. “Sua vida foi dedicada à
evangelização”, diz à ISTOÉ a diretora do filme, a pernambucana Deby
Brennand, que contou com mais de 100 fitas de VHS e outros documentos
conservados no convento da Penha, em Recife. “A gente cita inúmeros
aspectos da mitologia em torno dele. Como não falava de si próprio, usamos atores em algumas cenas.”
Os episódios exemplares das peregrinações do italiano Pio Gianotti
ocorreram no meio da turba. Nasceu em Bozzano, Toscana, e foi ordenado
“fra” Damiano da Bozzano em Roma. Emigrou para o Brasil em 1931. Aqui,
encontrou seu público, mesmo que o “capuchinho gorducho, feio e sem
jeito, humilde e calado”, como escreveu em 1953 o biógrafo Luiz
Francisco dos Santos, não ostentasse carisma. Iniciava os sermões aos
sussurros pouco audíveis, mas proferidos em tom ameaçador: “Homens sem
Deus, mergulhados na lama do pecado. Amancebados! Mentirosos! Adúlteros!
Arrependei-vos dos vossos pecados!” Os gritos de espanto e contrição de
seu rebanho eram abafados pela chuva, que o seguia aonde fosse. Reza a
lenda de que calava até mesmo os sapos. No ápice da glória, mandou o
povo evitar os fogos de artifício, pois lhe lembravam as bombas da
Primeira Guerra Mundial, na qual lutou como cadete.
“Frei Damião ensinou que é possível lutar por um ideal, apesar de tudo”: Frei Jociel Gomes, capuchinho - (Crédito:Divulgação) |
Aversão à santidade
Apesar de retraído, foi adotado como padrinho pelos seguidores, que
insistiam em tocá-lo para obter graças. Como seu antecessor, padre
Cícero, atribuem-se a ele milagres. Três relatos milagrosos foram
submetidos à Santa Sé no processo de beatificação, coordenado no Brasil
por frei Jociel Gomes. Em abril, o Vaticano declarou-o venerável por ter
vivido as virtudes cristãs em grau heroico. “Para virar beato, é
preciso comprovar pelo menos um milagre; para santificação, dois”, diz
Gomes. “O processo leva meses.”
Por tudo o que fez pelos sertanejos, é cultuado por romeiros que
acorrem ao convento de São Félix, em Recife, onde está sepultado. Sempre
manifestou aversão a honrarias e ao uso político de sua imagem. “Não
sou santo, mas apenas um frade”, dizia. “O povo inventa milagres. É o
sentimento religioso popular. O milagre só vem com merecimento e fé.”
Aos devotos, porém, sua modéstia parece irrelevante, assim como as
ideias conservadoras que preconizou. Além de anticomunista, combateu as
inovações. “Minissaia não presta”, bradava baixinho. “Muitos homens já
perderam a cabeça por causa desse exagero das mulheres.” Ainda assim,
antecipou o contato com os necessitados, defendido hoje pelo papa
Francisco. “Frei Damião ensinou que é possível lutar por um ideal,
apesar de todos os problemas”, diz frei Jociel.
Missões do andarilho
Nascido na Toscana, Pio Giannotti, o futuro frade, aos 18 anos, com os pais, Félix e Maria, sobrinho e irmãos, padre Guilherme, irmã Pio e Elisa (último à direita) |
Santinho da caatinga: Nos anos 1950, a imagem de Frei Damião, ao lado de Padre Cícero, era distribuída nos lares do interior do Nordeste |
Pregador temível: Em 1953, lançou o livro "Em defesa da Fé", com os sermões que causavam medo entre os pecadores e hereges |
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