'Novos reincidentes' da inadimplência': Economia parada deixa brasileiros reféns das dívidas
Milhões de brasileiros que conseguiram pagar as dívidas atrasadas nos últimos 12 meses, voltaram a ficar com o nome sujo neste ano
© DR
A vendedora
autônoma de maquiagem Adriana Barbosa, de 45 anos, conseguiu sair da
lista de inadimplentes no ano passado. Mas no início deste ano teve uma
recaída. Não pagou a fatura do cartão de crédito, usado na compra de
materiais de construção para erguer mais um cômodo da sua casa. Com
renda mensal de cerca de R$ 1 mil, Adriana ficou novamente inadimplente.
As vendas de maquiagem caíram mais de 50% este ano e a ela também levou
o calote. "Meus clientes não me pagaram porque perderam o emprego e
isso atrapalhou a minha vida."
Adriana e outros milhões de brasileiros que conseguiram pagar
as dívidas atrasadas nos últimos 12 meses e voltaram a ficar com o nome
sujo neste ano são considerados "novos reincidentes" da inadimplência
pelos birôs de crédito. Esse é o grupo que tem ampliado a participação
no calote neste ano.
Entre janeiro e maio, eles eram, em média,
27% do total de inadimplentes. No mesmo período de 2018, essa fatia
estava menor, representava 24,9% do total de pessoas com dívidas
vencidas e não pagas, segundo dados da Confederação Nacional de
Dirigentes Lojistas e do SPC Brasil.
Já o "reincidente velho",
aquele inadimplente que continuou na lista de devedores, deixou de pagar
mais uma dívida no período e que responde pela maior parte do calote,
reduziu sua participação. Entre janeiro e maio deste ano, esse grupo era
52,2% dos inadimplentes, em comparação a 54,4% no mesmo período de
2018. Enquanto isso, a participação dos inadimplentes que pela primeira
vez ingressaram nessa lista ficou estável em 20,6%.
"Sentimos
neste começo de ano um aumento mais acentuado desse movimento de pessoas
que tinham conseguido sair da lista de inadimplentes e voltaram a não
pagar em dia as dívidas", diz Mariane Schettert, presidente do Igeoc,
associação que reúne as 16 maiores empresas de telecobrança, que
respondem por 20% do mercado.
Zigue-zague
Além
de todo início de ano ser um período de aperto no orçamento por causa
do acúmulo de contas a pagar, o que leva normalmente mais pessoas a se
tornarem inadimplentes, neste ano esse movimento está mais forte por
causa da estagnação da economia.
O zigue-zague de quem conseguiu
sair do sufoco em 2018 mas voltou a ficar inadimplente neste ano reflete
também os altos e baixos da economia. Após crescer 1,1% em 2018, o
Produto Interno Bruto caiu 0,2% no primeiro trimestre e frustrou as
expectativas de empresários e consumidores.
A falta de reação da
economia neste início de ano é nítida no desemprego, que se mantém em
níveis elevados. São 13,2 milhões de trabalhadores fora do mercado. "A
inadimplência anda de mãos dadas com o desemprego", diz Mariane.
Genaro
Silva Pimentel, 47 anos, ex-caixa de supermercado, é um exemplo dessa
relação Após um ano no emprego, ele foi demitido no mês passado.
Pimentel estava há algum tempo no cadastro de inadimplentes. "Ia até
acertar as cotas, mas não deu tempo." Agora, novamente desempregado e
com uma rescisão de R$ 2,7 mil no bolso, ele acredita que vai conseguir
bancar as suas despesas por mais dois meses, se não conseguir trabalho.
"Devo ficar inadimplente mais ainda, não tem como."
A renda
estagnada, a perda de confiança da população e o aumento da inflação,
especialmente de alimentos, que atingiu a maior marca em três anos no
início de 2019, também contribuíram para o avanço do calote.
"O
que mais afetou a inadimplência no início deste ano foi a inflação",
avalia o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian, empresa especializada
em informações financeiras. "A inflação dos alimentos, que atingiu 3,7%
de janeiro a abril, bateu na baixa renda, que é mais vulnerável quando
se fala de inadimplência."
Entre janeiro e maio deste ano, 238 mil
famílias engrossaram o grupo dos 3,8 milhões de domicílios que estavam
com contas atrasadas ao final de maio, destaca o economista-chefe da
Confederação Nacional do Comércio, Fabio Bentes. No ano inteiro de 2018,
291 mil famílias se tornaram se tornaram inadimplentes.
Recorde
O
aumento neste ano do número de consumidores inadimplentes e de dívidas
em atraso é apontado por dois birôs de crédito. Em abril, 63,2 milhões
de brasileiros estavam com dívidas atrasadas, segundo a Serasa Experian.
É o maior contingente de inadimplentes desde o início da série iniciada
em março de 2016. São 2 milhões a mais de inadimplentes em relação a
abril de 2018.
Segundo a Boa Vista Serviços, em maio, o volume de
dívidas não pagas aumentou 4,8% em relação a abril, descontados os
efeitos típicos do período. Foi a maior alta mensal do número de dívidas
não pagas desde maio de 2018 e a terceira elevação mensal seguida.
"Começamos a observar uma mudança de tendência da trajetória da inadimplência", alerta o economista Flávio Calife, da Boa Vista.
Desde meados de 2018 as pessoas começaram a tomar mais crédito e o
endividamento aumentou. Mas a situação financeira do consumidor não está
melhorando. Por causa desse descompasso, deve crescer o número de
inadimplentes e a recuperação do crédito pode piorar, prevê o
economista.
Economia ao Minuto com informações do jornal O Estado de S. Paulo
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