segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

O Judiciário como deve ser

Julgamento de Lula surpreendeu menos pelo placar do que pela postura vigorosa  dos desembaradores

No País em que os Tribunais de Justiça costumam ser criticados por vaidades, desavenças e até por ultrapassar seus limites, o que se viu em Porto Alegre foi uma nova geração de magistrados atuando com vigor, competência e seriedade

Foi sem piruetas retóricas, sem gestos amplos, recadinhos políticos, palestras de véspera ou tietagens em redes sociais. Dentro do mais estrito e sóbrio ambiente jurídico, os três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) mantiveram a condenação de Lula por unanimidade – em um resultado que surpreendeu menos pelo placar do que pela postura vigorosa, séria e responsável de cada um dos magistrados. A competência como julgaram o recurso e o uso correto que fizeram da palavra para o Brasil e o mundo, são ótimas notícias. Em um momento de desequilíbrio entre os três poderes, com o Executivo carecendo de popularidade, e com os principais líderes do Legislativo federal sob investigação, três integrantes de escalão intermediário do Judiciário mostraram como se deve fazer Justiça.
No julgamento de Lula em Porto Alegre não houve espaço para contorcionismo. A transmissão pela TV permitiu que isso fosse constatado ao vivo em todo o planeta. Os fatos foram interpretados com rigor, de acordo com a letra da lei e de forma que gente comum pudesse entender mesmo nos momentos em que imperaram os termos técnicos do “juridiquês”. Ainda que ao longo do julgamento do recurso o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, tenha tentado desqualificar o processo da primeira instância, a ladainha persecutória petista não colou. Sem abalo, o relator João Pedro Gebran Neto, de 52 anos, colocou por terra a argumentação de que houve parcialismo, como no episódio da condução coercitiva de Lula à Polícia Federal, em 4 de março de 2016. Gebran expôs que o juiz Sergio Moro poderia ter sido ainda mais duro, já que o Ministério Público Federal queria a prisão preventiva do ex-presidente. Algo que não ocorreu em momento algum, mas que foi esquecido pela maioria. Sobre o fato de o tríplex não estar em nome do réu, o desembargador respondeu que, se uma das acusações é de lavagem de dinheiro, seria óbvio que o imóvel não estaria em nome de Lula ou de alguém próximo a ele. Gebran é considerado o mais severo do trio.
“Garantista”
Mais jovem dos três da turma, com 47 anos, Leandro Paulsen foi o revisor do processo. Tributarista, ele migrou para o direito penal com desenvoltura. Foi o que se viu na corte. Paulsen afirmou que alguém que não é o dono de um imóvel não ficaria escolhendo armários ou mudando de lugar a instalação de uma escada durante uma grande e demorada reforma. Apontado como o mais aferrado ao cumprimento das garantias da Constituição (um garantista, na gíria do Direito) entre os desembargadores da 8ª Turma, Victor Luiz dos Santos Laus, de 54 anos, acompanhou os votos dos colegas. Seria dele que se esperaria vistas do processo ou um voto de absolvição, o que abriria espaço para embargos infringentes e, talvez, uma inocência para Lula. Todavia, Laus não entendeu que o réu foi desrespeitado ou deixou de ter, em algum momento, direito a ampla defesa. “O julgamento transcorreu na mais perfeita ordem, tranquilidade. Os desembargadores analisaram todas as alegações feitas”, afirmou Roberto Carvalho Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil.
“O julgamento transcorreu na mais perfeita ordem, tranquilidade. Os desembargadores analisaram todas as alegações feitas” Roberto Carvalho Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil
Se atuação do trio de desembargadores de Porto Alegre é uma ótima notícia, o mesmo não se pode dizer sempre sobre o que ocorre em outras instâncias do Judiciário brasileiro, muitas vezes politizado em excesso e dado ao que os especialistas chamam de “ativismo jurídico”, com as decisões invasivas ao âmbito dos outros poderes. “O Judiciário está se sentindo superior aos demais, impedindo posse de ministro e afastando a presunção de inocência”, queixa-se o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que tem Paulo Maluf entre seus clientes políticos acusados de corrupção. A ex-ministra do STJ e ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Eliana Calmon lembra que a Constituição prevê que juízes, desembargadores e ministros possam decidir mesmo quando não há lei específica sobre algum tema. “O que não pode é decidir de acordo com o que quer PT, PMDB ou PSDB”, diz ela, citando o ministro Ricardo Lewandowski, ex-presidente do STF, que decidiu manter a ex-presidente Dilma Rousseff elegível após o processo que a afastou do cargo. “Ele extrapolou naquele caso. Só lhe competia decidir sobre o impeachment”, afirma. Desta vez, sem alarde e sem extrapolação, a Justiça foi feita.
IstoÉ

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