Ex-presidente Dilma Rousseff vai ao velório do ex-marido e critica reforma política
O comentário foi feito durante um discurso emocionado ao final da cerimônia de despedida do ex-marido, o advogado trabalhista Carlos Araújo
© Rafael Marchante/Reuters
A
ex-presidente Dilma Rousseff acusou a proposta de criação do chamado
distritão, prevista no projeto de reforma política em debate no
Congresso, de ser uma extensão do golpe que teria sido praticado contra
ela em 2016.
O
comentário foi feito durante um discurso emocionado ao final da
cerimônia de despedida do ex-marido, o advogado trabalhista Carlos
Araújo, morto na madrugada deste sábado (12), em Porto Alegre, aos 79
anos.
"O golpe é um processo, não é uma iniciativa isolada.
Começou com o impeachment, continua com o impedimento da candidatura de
Lula (em 2018) e pode continuar com a criação do distritão e do
parlamentarismo", disse Dilma a familiares, amigos e políticos de
expressão regional que compareceram ao velório.
A ex-presidente
também atacou a elite do país. "Temos uma elite insensível, interessada
no descontrole político e não no desenvolvimento da nação brasileira e
nosso povo", discursou, em meio a referências afetuosas ao
ex-companheiro.
Ao destacar a coerência política do ex-marido,
Dilma lembrou a solidariedade de Araújo durante o período em que sofreu o
processo de impeachment. "Ele estava estarrecido. Ele foi um lutador
contra a ditadura [militar] e contra o poder que emana das elites
econômicas, políticas e midiáticas", destacou.
Foi o único momento
em a que ex-presidente Dilma falou de maneira pública, durante o
velório. Araújo não resistiu a complicações pulmonares e morreu à 0h01,
na UTI do Hospital São Francisco, no Complexo Hospitalar da Santa Casa
de Porto Alegre.
A despedida teve início às 15h na Assembleia
Legislativa gaúcha e foi aberta ao público pouco depois para que os
parentes mais próximos tivessem contato reservado com o corpo do
político.
Durante toda a tarde, Dilma não falou com a imprensa.
Ela optou por ficar circulando entre conhecidos da capital gaúcha. A
ex-presidente intercalou momentos ao lado do caixão e em um espaço
restrito, com acesso ao salão Julio de Castilhos da Assembleia. Ela
voltava ao saguão para receber os cumprimentos de amigos, familiares e
políticos.
A petista ficou em pé, boa parte do tempo, na companhia
da filha que teve com Araújo, a procuradora do trabalho Paula Rousseff
de Araújo, e do genro, Rafael Covolo. Transparecia serenidade e emoção.
Colega
de ministério no governo Lula, Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande
do Sul (2011-2014) pelo PT e ex-ministro da Justiça, chegou por volta
das 16h50. Abraçou a ex-presidente e conversaram brevemente.
Na
saída, abatido, Tarso lamentou a perda do amigo. Sublinhou o passado de
luta pela democracia do político morto. "A gente está em uma idade de
perder as nossas melhores referências", disse Genro.
O tom de
perda de um amigo também caracterizou as palavras do ex-governador
Olívio Dutra (PT), para quem Araújo exercia uma liderança que chamou de
"franca e fraterna".
Dutra lembrou o envolvimento do político nos
movimentos sociais e sindicais na década de 1980 e o trabalho de Araújo
como deputado estadual por três mandatos. "Era daqueles militantes que
não vacila, na luta pelos direitos do trabalhador", ressaltou Dutra.
Para
o ex-deputado federal e um dos líderes do PDT no Rio Grande do Sul
Carlos Eduardo Vieira da Cunha, Araújo tinha como marca a capacidade de
diálogo."Ele era um trabalhista, mas tinha relação com todas as forças
de esquerda", afirmou Vieira da Cunha ao chegar ao velório.
Em
nota, o governador José Ivo Sartori (PMDB-RS) afirmou que Araújo "se
destacava pelo espírito democrático, se relacionando de forma fraternal e
sempre respeitando posições diversas".
Considerado um "filho
político" de Araújo, o ex-presidente da Anac (Agência Nacional de
Aviação Civil), Milton Zuanazzi, também discursou na cerimônia final.
Antes, ao elogiar a capacidade de articulação política do ex-companheiro
do PDT, Zuanazzi reconheceu que faltou alguém com o perfil de Araújo no
governo de Dilma.
"Carlos Araújo é aquele tipo de pessoa que faz
falta a qualquer governo. Para um governo que acabou com um impeachment,
mais ainda", comentou Zuanazzi, que construiu boa parte da carreira
política ao lado de advogado trabalhista.
TRAJETÓRIA
Nascido
em São Francisco de Paula, RS, em 1938, Carlos Franklin Paixão de
Araújo era filho do também advogado trabalhista Afrânio Araújo, de quem
herdou o gosto pelo direito e pela política.
Na década de 1950,
ingressou na Juventude Comunista e integrou a delegação brasileira para o
Festival da Juventude de Moscou em 1957. Anos mais tarde, integrou a
organização guerrilheira VAR-Palmares, na qual em 1969 conheceu a futura
mulher, Dilma Rousseff, com quem viveu até 2000 e depois seguiu como
amigo.
Max, codinome pelo qual era conhecido nos tempos de luta
armada, foi preso pela ditadura militar em julho de 1970, meses após a
captura de Dilma. Ele deixou a cadeia em 1974, mesmo ano em que perdeu o
pai e assumiu o escritório de advocacia que existe até hoje na capital
gaúcha.
Na carreira política, era ligado a Leonel Brizola e foi um
dos fundadores do PDT, partido pelo qual se elegeu deputado estadual
por três vezes e chegou a disputar a Prefeitura de Porto Alegre, em 1988
-na época, perdeu a eleição para Olívio Dutra, que inaugurou a série de
quatro gestões seguidas na cidade sob comando do PT.
Em 2000,
junto com Dilma e outros correligionários, Araújo deixou o PDT e passou a
se dedicar a o escritório que mantém na capital gaúcha.
Mesmo afastado da vida política,
Carlos Araújo não deixou de opinar sobre assuntos políticos
contemporâneos. Sobre o processo que levou ao impeachment da amiga e
ex-mulher da Presidência, Araújo considerava que houve um "golpe" e que
Dilma foi abandonada pelo PT.
Notícias ao Minuto com informações da Folhapress.
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