São João, a crítica de Elba Ramalho e um buraco mais embaixo - por Heron Cid
Ícone da música nordestina levanta discussão pertinente, mas preservação das raízes não se faz por imposição |
Faria o mesmo se estivesse no lugar da brilhante
Elba Ramalho. Lá, em Caruaru, onde se apresentou no fim de semana, a
cantora paraibana criticou a forte presença nas festas de São João de
músicos estranhos ao forró.
A crítica de Elba é ampla a um processo crescente de estilização do
São João. Campina Grande, inserida neste contexto, é alvo mais exposto
por que faz a mais famosa de todas.
Caruaru, a principal concorrente, também segue esta tendência. Na sua
grade estão os sertanejos Gustavo Lima, Matheus e Kauan e Bruno e
Marrone e os alternativos DJ Aloka, Lenine e Chico César. Mas não deixou
de levar Elba e outros do gênero.
Se observarmos direito, o próprio forró – por sobrevivência – se
adaptou a novos ritmos para atender à batida da vez. Wesley Safadão e
Aviões do Forró são exemplos. A plástica da música deles está hoje mais
próxima ao sertanejo do que ao próprio forró. Simone e Simaria, idem, e
tantos outros que estão nas paradas de sucesso.
Nos discos e nos shows, ouve-se muitos metais e guitarras e quase
nenhuma sanfona. Movimento parecido ocorreu em recente passado. A
chegada do empresário Emanoel Gurgel com sua Mastruz com Leite abriu
espaço para uma variação do ritmo, também criticada à época, e uma safra
de bandas.
Se artistas considerados representantes do ‘verdadeiro’ forró não
levantarem a voz defendendo o seu mercado e as tradições, quem o fará?
Dotada de toda legitimidade, Elba – cantora respeitada e artista
singular – está certa ao reivindicar o seu espaço e de tantos outros do
seu segmento. Só não pode esquecer que esse movimento não é localizado e
nem começou agora.
Aqui, neste espaço, alertei para o perigo da descaracterização do
evento junino. Tão logo saiu o rol das atrações de Campina Grande
acentuei uma necessária e crítica diferenciação: “São João é São João e
bailão é bailão”.
No caso específico de Campina, uma conta rápida mostra que das
grandes atrações dez são sertanejas e enquanto outras 35 são do forró,
incluindo o ‘estilizado’, tanto que, excetuando as chamadas ilhas e os
palcos paralelos no Parque do Povo, a festa foi aberta pelo emblemático
Os 3 do Nordeste, com o simbólico Biliu de Campina cantando o hino “Olha
pro céu meu amor”, e tem as estrelas Flávio José, Tom Oliveira, Amazan,
Dorgival Dantas… E a própria Elba.
O que afasta o temor de quem, assim como eu, por defesa da
responsabilidade do poder público com a essência cultural, quer a
preservação das raízes. Esta tarefa, porém, não se faz por imposição.
Mas por conscientização. Por que imagine se a programação fosse
escolhida somente pelo gosto e opinião popular? Talvez nem a maravilhosa
e talentosa Elba, de quem sou fã, figurasse na lista. É aí onde entra o
debate. É aí onde está o buraco.
MaisPB
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